CÍCERA, A SANTARITENSE
FRANCISCO DE PAULA MELO AGUIAR
Juiz não autoriza e nem proíbe aborto em menor que o padrasto estuprou.
Jornal do Brasil, 11-4-1980
Assim como o vento sopra onde quer, a sorte e ou destino é implacável com o nome “Cícera”, substantivo próprio, feminino singular. O citado termo tem origem no latim, vem de “cicer” e significa “grão de bico”, é a variante feminina de Cícero, nome muito usado pelos romanos. Assim sendo, podemos mencionar sem sombra de dúvidas o eu, a pessoa, o sujeito e o cidadão “Cícero”, o maior orador romano, que viveu no século I a.C. É importante mencionar de que ele recebeu tal nome em homenagem a um dos seus parentes que tinha uma verruga no nariz, daí a justificativa da alcunha e ou apelido de “grão de bico”. Tudo isso é mera coincidência no tocante a origem dos nomes próprios. Acreditamos que o nome de cada pessoa nada tem a haver com o seu perfil pessoal, social e profissional, tudo porque se pela primeira vez na vida tivéssemos chamado a “vaca” de perfume e o “perfume” de vaca, em nada mudaria sua essência, enquanto essências. O emocional de cada pessoa independe do nome que recebe ao nascer. Portanto, cada pessoa, cada objeto e tudo que existe sobre a face da terra tem que ter um nome para poder ser conhecido e chamado durante o período de sua existência material. O escritor Mário Quintana, afirma que “o passado não reconhece o seu lugar: está sempre presente...”. Tudo vem a tona a todo momento enquanto vida tivermos.
Mas, a “Cícera” que enfatizamos é “Cícera, um destino de mulher”, autobiografia duma emigrante santaritense, paraibana e nordestina, operária têxtil aos doze anos de idade na CTP – Companhia de Tecidos Paraibana e moradora da Vila Operária Tibiri, antes de ir morar no Rio de Janeiro, época em que foi descoberta pela defensora da causa feminista brasileira, doutora e escritora Danda Prado¹, intelectual da sociedade carioca e herdeira da editora brasiliense, fundada por seu pai Caio Prado Jr²/3, outro idealista da causa marxista no Brasil. O mencionado livro foi publicado pela editora brasiliense, em 1981, tem 128 páginas, escrito mediante entrevistas dadas por Cícera Fernandes de Oliveira a já referida feminista e escritora Danda Prato, no período de abril a outubro de 1980, na cidade do Rio de Janeiro. O livro tem como índice, a introdução, onde Cícera, a personagem central, enfoca que “pobre só sai no jornal quando há tragédia e polícia”, segundo a sabedoria popular. Assim tal fato sempre envolve a vítima e o culpado. É justamente o lócus e ou foco principal da bravura, sofrimento e altivez de “Cícera”, pano de fundo do livro, tendo como enredo da vida real: o fato de ter começado a trabalhar aos doze anos de idade na Fábrica Tibiri para ajudar seus pais e irmãos; de ter casado muito jovem em Santa Rita, que foi traída por seu primeiro marido com a empregada de sua casa; que depois de separada, aguardou a volta do marido e ele não voltou; que arranjou um segundo marido tempos depois, inclusive teve um filho dele, porém,. Foi igualmente traída porque ele arranjou outra mulher e constituiu família; por fim deixou tudo em Santa Rita e foi a procura da sorte no Rio de Janeiro, lugar que arranjou o terceiro marido, tendo sido igualmente traída no corpo, na alma e no sangue, tendo em vista que o mesmo estuprou e engravidou sua filha menor de 13 (treze) anos, dentro de sua própria casa, não a respeitando a si e a menor enquanto padrasto, portanto, pai de criação. Nessa época ela residia no Estado do Rio de Janeiro, a trinta quilômetros da cidade maravilhosa de São Sebastião, atual Rio de Janeiro. O primeiro capítulo trata do “Poder e violência patriarcais”, onde a “Justiça e a Igreja opinam pela imprensa” sobre o caso indagando “Cícera, como foi que tudo aconteceu?”, o calvário dela e de sua filha menor estuprada e grávida pelo padrasto vai parar nas portas dos hospitais e das clinicas médicas, onde “Os médicos recusam o aborto”, enquanto que a mesma é indagada se vai “Dar ou criar esse filho?”, conforme páginas 13/45 da referida obra. E enfatiza que “a criança vai nascer, ninguém sabe se é homem ou mulher, só sei que o enxoval está todo comprado, hoje comprei a banheira, daqui a pouco vem o berço, só fala a mamadeira”. E continua o sofrimento emocional e social de “Cícera” afirmando de que “vou lembrar que foi filho daquele homem que foi meu seis anos, com a minha própria criança de treze anos” e diz ainda que “a vida inteira vou lembrar que é filho daquele homem, homem que jurava me amar tanto” (1981, p. 44). No capítulo segundo, enfatiza o “Passado no Norte”, o termo “Norte” aqui, usado por ela, significa Nordeste, pois, a autobiografia é de “Cícera”, filha de pais e irmãos santaritenses, que inicia o referido capítulo, afirmando que “minha vida dava para escrever um livro”, adiante ainda que “não queria casar com aquele homem”, quando se refere ao primeiro marido, conta que “eu quis ir para o hospital” para ter seus filhos. E conclui sua entrevista do segundo capítulo dizendo que “nós, mulheres, sofremos mais do que os homens”, ex-vi p. 75). Relata que começou a trabalhar ainda muito pequena para ajudar seus pais e irmãos em nossa terra. É enfática ao dizer que “quando eu era criança, nos éramos 11 irmãos, 6 meninas e 5 homens” (p. 48). Todos iam para o roçado ajudar seus pais. Moravam na roça que significa zona rural. E adianta ainda que “agora, a terra não era do meu pai, pagava no fim do ano, era arrendada”. Algo típico da realidade rural santaritense, paraibana, nordestina e brasileira, antes da reforma agrária engessada através do Estatuto da Reforma Agrária do Regime Militar de 1964 e realizada pela força bruta da ignorância e ou da metodologia marxista do movimento dos “sem terra”, nas décadas de 80 e 90 do século XX e início do século XXI, tendo em vista que o referido diploma legal foi elaborado, aprovado e sancionado pelo Governo Federal e por si só nunca foi executado pelo oficialismo de plantão, salvo através dos levantes campesinos patrocinados pelas centrais sindicais ligados ao homem do campo. Adianta ainda que “nóis viemos para perto de João Pessoa, em Santa Rita, quando eu tinha 8 anos , em 1951” (p.51). Aqui passou com sua família necessidades primárias básicas, lhe faltou comida para si, para seus irmãos e para seus pais, é o que a personagem da autobiografia denuncia com precisão que “também meu tio dava o almoço, mas era pouca comida, lembro duma vez quase chorar de fome porque minha tia demorava pra trazer o prato”, tanto é assim que “por isso só fiz até o 3º ano, não deu mais tempo. Fui logo trabalhar, com 12 anos, porque a situação não dava. Meu pai ficou só com um pouquinho de roça para trabalhar lá na rua, no quintal de casa” (p.52). O termo rua aqui referido significa a cidade de Santa Rita, Estado da Paraíba, é uma espécie de cultura popular local chamar a cidade de “rua” para quem mora na zona rural. E continua registrando que “tinha o rio, uma parte descia para a cachoeira”. Aqui ela se refere justamente rio Tibirizinho e a famosa cachoeira denominada de televisão, no balde do açude Tibiri (o mesmo açude das águas minerais da atualidade), esse açude fornecia água para o funcionamento da Companhia de Tecidos Paraibana e para o consumo animal e humano da Vila Tibiri, tendo em vista que se trata de água mineral de primeira qualidade, local de onde começa o rio com igual nome que a população chama de Rio da Levada e/ou de Rio Preto, por causa de receber em seu leito o retorno de água com a tintura da lavagem dos tecidos novos em diversas cores da CTP, usado também para lavagem de roupas nas pedras ali colocadas ao longo de sua extensão, passando pelo paú com destino ao Rio Paraíba, a maré e ao Oceano Atlântico. Cita textualmente que “aonde nós fomos morar, na rua, a gente que tinha de mais pobre era a gente”, de modo que “depois que meu pai arrumou paú, aí melhorou mais”, pois, “paú é para plantar couve, maxixe, abóbora”. Ainda na atualidade a área de paú existente entre a cidade alta e a cidade baixa de Santa Rita é a uma das maiores riquezas naturais de nossa gente, apesar da poluição do rio Preto. Não esquece em se relato o fato de que “depois que minha mãe ganhou o último filho, o caçula, foi que meu pai conseguiu arrumar o dinheiro para registrar todos os filhos”, e acrescenta ainda que “tinha lá um moço, não sei se era prefeito, não tenho lembrança, mas ajudou meu pai a registrar os quatro filhos menores”. Ela fala a verdade porque antes da legislação atual, pobre para registrar um filho tinha que pedir favor aos ricaços políticos da cidade, era favor mesmo, e somente era pago com o voto da família toda nos tempos das eleições. De modo que “o moço/prefeito não queria nada, só mesmo ajudar”. Isso não era regra, era uma exceção fazer favor fora de tempo eleitoral ao povo humilde. Relata que o irmão mais velho já tinha viajado para o Rio de Janeiro, a mãe dela ficou doente e não tinha o INPS para fazer a operação. E continua a narração de sua história de vida que “nessa época eu só tinha cinco meses de fábrica, estava com doze anos e cinco meses de idade, aí fui lá para João Pessoa pedir homenagem a um doutor que tinha lá não me lembro o nome dele”, conforme página 55 do livro antes citado. Vale lembrar de que nesse tempo não tinha o FGTS e a o SUS – Sistema Único de Saúde para atender os contribuintes diretos e indiretos no Brasil. E diz ainda que “quando tinha doze anos meu pai tirou documento dizendo que eu tinha quinze. Aumentou três anos na minha idade, pra mim começar a trabalhar para ganhar dinheiro, porque meu pai não podia com a família e as mais velhas não tinham essa possibilidade porque não sabiam ler” (p.55/56). Esse fato mencionado por ela comprova de que para trabalhar na C.P.T – Companhia de Tecidos Paraibana – Fábrica Tibiri, fundada na última década do século XIX, tinha que saber ler, pelo menos em tese, porque conheci Dona Ziza, “in memoriam”, uma senhora da tradicional família dos Clementes de Santa Rita que não sabia ler e nem escrever e foi funcionária durante décadas da referida fábrica de tecidos. Assim sendo, diz que “[...] d. Olga, me deu serviço no ato; na tecelagem, como eu queria. Tiveram que botar um banquinho, para eu subir na máquina” e sintetiza sua passagem laboral na C.T.P que “adorava trabalhar de tecelã. Ganhava vinte e cinco centavos por semana, dez centavos dava à minha mãe e ficava com quinze” (p. 56). Arranjou certa independência financeira, porém, nunca ficou livre dos cuidados paternos, tendo em vista que “uma vez minha mãe me tirou dum salão de baile” e “quando fui trabalhar na fábrica, arrumei um namorado” (p. 57). Cita que “minha mãe é preta, bisneta de índio”, enquanto que “meu pai era branco, neto de português, sertanejo do sertão do Ceará, e minha mão vem de índio”. A discriminação social brasileira é tão antiga quanto a própria formação de nossa identidade nacional, pois, somos o encontro e o desencontro das etnias: negra, branca e indígena, e em Santa Rita isso não era diferente, tanto é assim que existiam três igrejas: a de Santa Rita de Cássia, atual Matriz-Santuário, fundada em 1771 e inaugurada em 06 de dezembro de 1776, local freqüentado pela elite rica da cidade; a de Nossa Senhora da Conceição, inaugurada em 1851, frequentada pelos pardos livres e sua irmandade e que foi construída com recursos privados; e a de Nossa Senhora do Rosário, freqüentada pelos negros livres, edificada onde encontra-se o atual Grupo Escolar João Úrsulo, construído entre 1937/39, no Governo Argemiro de Figueiredo. Portanto, diante de nossa historicidade municipal, estadual e nacional, não é de se espantar resquícios discriminatórios em sua fala quando cita que “o ticuqueiro é o que trabalha nas usinas”, pois essa gente, denuncia ela, “chegam em casa com aquele pouquinho, um quilinho de feijão, um quilo de arroz, às vezes nem compram farinha para fazer o leite da criança”, e acrescenta que “moram num barraquinho, coberto de palha de cana”, pois, todo dia fazem a mesma trajetória quando “amanhece o dia, eles vão trabalhar nas usinas. Botam a enxada nas costas, botam um peixe chamado caíco, que é um peixinho pequenininho que tem, e passam o dia todinho limpando cana, cortando, cortando aquelas canas em pedaços”. E até porque “os homens vão cavando buracos, as mulheres cobrindo. As crianças vão semeando cana e os homens plantam”, acrescentando ainda que “tudo isso para ganhar mixaria. Trabalham o dia para comer de noite”, conforme página 59 da citada obra. Eita gente digna e de respeito os nossos ticuqueiros, viviam do suor de seu rosto. Gente brava e de muito respeito no “eito” e na rua. Tudo isso é verdade, naquele tempo não existia o ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente e muito menos a Lei Maria da Penha. Era o Brasil de Getúlio Vargas, considerado o pai dos pobres e a mãe dos ricos, e de JK, o construtor de Brasília, a nova Capital do país de 1955/60. Portanto, trata-se do período da redemocratização nacional que teve inicio a eleição de Eurico Dutra para presidente da República, dos governadores e dos prefeitos, através do voto livre do povo letrado, porque analfabetos não votavam. O Brasil ainda vivia de sonhos e ou paradigmas internacionais, ora de esquerda e outra hora de direita, uns sonhando com o capitalismo e outros com o comunismo. Tudo não passou de mera utopia nacionalista. A autobigrafada menciona que ficou noiva de Antônio, na véspera de São Pedro de 1959 e casou-se pouco tempo depois. De modo que com “o nascimento de meu primeiro filho foi também a hora em que mudou nossa vida de casados”. Ela reclama que agora já não podia mais sair com o esposo para as festas, tinha que ficar com o menino em casa e o esposo sai e só chegava no outro dia... “trabalhávamos os dois na fábrica de tecidos Paraibana, chamada de Tibiri. Ele era tecelão igual a mim, mas nunca tirou um pagamento igual, sempre tirei 20, 30 cruzeiros a mais por causa da produção”, informa ainda de que “moramos na casa da companhia, casa de 2 quartos, na rua 20, até pouco antes do nascimento de Jacilene”. E com riqueza de detalhes, informa também que “aí fiz um acordo com a companhia, porque tive que ser operada, e 1 ano e 6 meses depois ele foi despedido. Tinha 30 dias para desocupar a casa. Peguei meu dinheiro e sai pela cidade alta, procurando uma casa barata, porque o bairro estava começando”. Isso representa que ela é uma mulher de fibra do tipo Paraíba mulher macho sim senhor. Essa cidade alta é o atual Bairro Popular, originário da Fundação da Casa Popular, criada no Governo de Eurico Dutra, construído entre 1947/49 e graças ao Ministro Chefe da Casa Civil Professor Pereira Lira, que relacionou o nome de nossa terra para receber a fundo perdido a construção do conjunto da casa popular aqui. Informa que comprou uma casa no Bairro Popular e botou água de graça através do prefeito da época. É enfática e diz que “meu marido não me deixava ir ao comício, nem ia comigo, não gostava”, diz ainda que “estava com 21 anos de idade, ia ficar sozinha? Minha mãe queria que eu ficasse sozinha esperando por ele: seu marido foi embora com outra (Elza, sua ex-empregada doméstica) mas vai voltar, espere por seu marido”, lastima de que “mas logo que ele me deixou a vida estava muito difícil para mim. Nasceu o nenê, que morreu com 8 meses, como já contei” e agora “estava sem marido, com minha vida livre, saia gritando na rua no tempo dos votos. Gritava tanto que ficava rouca de noite, nos dias de comício” e complementa dizendo que “assim eu arrumava sapato, vestido, teve um tempo em que arrumei para Jacilene acho que uns 3 pares de sandálias”. É a prática carismática de se fazer política do toma lá dá cá de nossa terra, do antes, do durante e do depois... As coisas por aqui sempre foram assim mesmo. Diz ainda que “a cada candidato pedia um negócio. Pedia da minha parte porque votava nele, e pedia da outra parte mesmo que não votasse. Andava pelos dois partidos pedindo”. Ainda hoje tal prática vive presente na memória de nossa gente, nada mudou dos anos 50, 60 do século XX para os anos iniciais do século XXI. As conseqüências são drásticas em termos de gestão pública em qualquer nível de poder: federal, estadual e municipal, porque falta tudo em todos os setores da gestão pública, em virtude de tal prática criminosa de aliciamento aos eleitores, que são induzidos a votar em quem não devia votar. Ideologicamente falando, isso representa o criador (os eleitores) continuar sendo ignorado em termos de serviços públicos de primeira necessidade, permanentemente por sua criação ( os políticos eleitos: presidente, governador, senador, deputado, vereador), além de representar alienação social cidadã, porque nunca com tal prática o eleitorado se ver representado no poder por ele constituído através do voto comprado. Assim como as folhas secas caem das árvores, ela confirma que “nós votávamos pelo PSD ou pelo PTB. Minha mãe não queria que a gente votasse pela UDN, dizia que era só de rico, de usineiros”, destaca ainda que “naquele tempo o voto do trabalhador era para o Partido Trabalhista Brasileiro, como chama lá. Pelo Getúlio Vargas. Minha mãe quando foi a eleição dele não deixava ninguém votar pelo José Américo”. Ela tem razão de sobra o Brasil do povo pobre começou com a CLT – Consolidação das Leis Trabalhista, através de decreto-lei do Ditador Vargas, no inicio de 40 do século XX, onde todos os trabalhadores urbanos passaram a ter a carteira de trabalho assinado, isso em tese, sem fundo de garantia, enquanto que os trabalhadores rurais continuaram sem qualquer tipo de direito trabalhista social. Foi a continuação dos direitos negados mesmo depois da libertação dos escravos em 13 de maio de 1888, proclamado oficialmente pela Princesa Isabel, em nome do seu pai, Dom Pedro II. Tudo como antes no quartel de Abrantes, no tocante ao trabalhador da zona rural. Menciona com todas as letras: “e o doutor Eraldo que era deputado é muito bacana, posso chegar lá, onde me vê me abraça. É ricaço, foi ele quem pagou a operação de minha mãe, me ajudou a botar água quando comprei a casa”. E continua seu depoimento ocular de sua historicidade pessoal envolvendo a nossa querida cidade de Santa Rita, informando de “sempre quem dá mais dinheiro e auxilio é o partido dos ricos, a gente vota no outro porque gosta mesmo. Eu trabalhava no grupo que gritava nos comícios, por Eraldo Gadelha”. No dizer de Hermann Hesse, “a alegria e o sofrimento são inseparáveis como compassos diferentes da mesma música”, e isso é aqui vivenciados pela escritora quando nos informa de seu sofrimento familiar e amoroso, tendo sua alegria patrocinada pelo populismo do líder maior do povo santaritense, representado pelo: vereador, deputado, prefeito e advogado dos pobres, Heraldo da Costa Gadelha. Esclarece ainda, em seu depoimento autobiográfico de que “davam vestido, uma espécie de uniforme. Aí ia cada uma com uma bandeira gritando nos comícios e passeatas, atrás dele”. Relembra aquele passado que continua presente em sua vida quando diz: “me lembro ainda hoje, coitadinha da minha mãe, ela nem comia para ver o dr. Eraldo. Ele foi muito bom para a gente, foi e ainda é”. Isso é fato e contra fato não se tem argumento, conforme páginas 77/78 do já referido livro. Fala da intimidade pessoal dela, dizendo que arranjou um companheiro de nome Dedé, pois, “já chega um ano que estou esperando pelo Antônio, minha mãe quer que eu espere por ele, mas não vou mais esperar não” e acrescenta ainda: “mas você está doida, todo mundo vai dizer que você estava com ele”. Não ouviu o conselho materno e não obteve a benção de seus pais diante do fato de arranjar um segundo companheiro. Ficou grávida de Dedé e teve Elinaldo, via parto normal. Declara que “meu segundo também me traiu, mandei cair fora”, bem como diz ainda que o terceiro marido também a traiu quando menciona: “esse outro agora me traiu com minha própria filha, também mandei cair fora”, afirma que “tenho ódio de 2, agora não tenho ódio do pai de Elinaldo, porque me traiu mas eu nunca vi, soube porque já tinha outra esperando filho dele”. Isso parece com o dito popular de que o que os olhos não vêem o coração não sente. No capítulo terceiro do livro, ela com seu estilo próprio de contar sua caminhada de vitória e de decepção amorosa, o denomina de “o presente no Rio”, afirma que “no Rio, dormia no chão forrado com esteira” (p.90/95), adianta que “eu tão inocente, vivendo cheia de felicidade” (p. 95/102), foi quando “a Jacilene quase morreu” (p. 102/106), fez valer sua fé em Deus e em seus Santos, pois, confessa ser católica ao dizer “o senhor é médico, mas não é Deus” (p. 106/109), e assim a divindade atendeu seus pedidos e pagou suas promessas em favor de seus filhos, acrescente que “depois que foi embora me sinto mais feliz” (p.109/113), e que o trabalho lhe serve como uma terapia e ou psicanálise tendo em vista que “na fábrica esqueço meus problemas” (p. 114/122). E corrobora com esse pensamento H.L. Mencken, ao dizer que “nenhum homem merece uma confiança ilimitada - na melhor das hipóteses, a sua traição espera uma tentação suficiente”. Nos parece auto-aplicável no caso em tela.
De modo que “a única que não foi feliz com o marido fui eu, mas não estou arrependida, não sinto falta de felicidade de marido, nenhum desses maridos que já possuí estão me fazendo falta”, isso quando ela se refere aos casamentos de suas irmãs e continua tirando suas conclusões que aprendeu na escola da vida real e diz ainda: “meu marido de casada não me faz falta, meu segundo marido Dedé não me faz falta, e esse Messias que não me faz falta mesmo”, o desengano por marido traidor é tão grande que ela enfatiza que “por mim, posso conversar com ele, mas é um homem morto. Tive 3 maridos mas o mais traidor foi esse, o último, e vai ser o último marido para sempre, que homem em minha casa não entra mais”, tal pensamento cai como uma luva no que diz Carlos Drummond de Andrade, “no adultério há pelo menos três pessoas que se enganam”, pessoas essas encontradas na obra literária em ”Cicera, um destino de mulher”. O livro de sua autobiografia foi publicado em 1981 e ela enfoca seu sofrimento da infância pobre em Santa Rita, sua decepção marital, apesar de ter tido três maridos. Foi obrigada a bater a porta da Justiça e obteve a condenação de Messias, a 3 anos e 9 meses de reclusão pela prática de estupro na sua filha menor de 13 anos de idade J.F.O, no Rio de Janeiro, conforme “carta abeta dos advogados a um jornalista”, data de 12 de agosto de 1980 (p. 123/125). Por analogia, Fernando Pessoa, o escritor e poeta português tem razão de sobra ao afirmar: “o meu passado é tudo quanto não consegui ser. Nem as sensações de momentos idos me são saudosas: o que se sente exige o momento; passado este, há um virar de página e a história continua, mas não o texto”. E a odisséia do personagem principal da autobiografia, representa sem sombra de dúvida, uma vida de sacrifício e honestidade, não foi omissa diante dos fatos narrados por ela mesma, tendo em vista que nasceu em 6 de agosto de 1980, uma criança do sexo masculino, pois, “seu nascimento definiu o futuro a curto prazo da família”, daí porque, “as dúvidas e alternativas cedem lugar a uma realidade um pouco mágica, que é o despertar dum bebê para o mundo e para os que o cercam”, conforme página 127 da citada obra. E a vida de luta dela continua... e menciona que “nesse tempo, a fábrica Paraibana despediu todos os operários e fechou, não sei bem por quê. Muitas colegas minhas ficaram pedindo esmola, ajudei sempre”, finalmente, ela morrendo de saudade de Santa Rita, de seus familiares, e de seus ex-colegas da Companhia de Tecidos Paraibana, diz textualmente que “eu fiquei muito tempo no Rio sem poder visitar minha terra, e quase choro quando tocam a canção de lembrança da terra da gente” (p. 86/87). É assim mesmo, Charles Baudelaire tem razão ao citar que “aos olhos da saudade, como o mundo é pequeno”. E a vida continua...
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¹ CLAN + 10. Histórias do Feminismo no Brasil.
In.:<http://www.clam.org.br/publique/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?UserActiveTemplate=_BR&infoid=7000&sid=7 > . Página visitada em, 08/10/2015.
2 Cf. Caio Prado Jr.
In.< https://pt.wikipedia.org/wiki/Forma%C3%A7%C3%A3o_do_Brasil_Contempor%C3%A2neo >. Página visita em, 08/10/2015.
3 PRADO Jr. Caio. Formação do Brasil Contemporâneo: Colônia. Entrevista de Fernando Novais. Pósfácio Bernardo Ricupero. São Paulo:Companhia das Letras,2011.In.:< http://www.companhiadasletras.com.br/trechos/13152.pdf>. Página visitada em, 08/10/2015.