MAÇONARIA─ A CAVERNA DAS LUZES
Quem se propuser a estudar de fato os objetivos, a história e a filosofia fundamental da Maçonaria, sem se deixar enredar pelo cipoal de influências filosóficas e as variadas mistificações próprias de um sistema que envolve religião, psicologia, politica e filosofia, têm que ter em mente que a Maçonaria não é uma religião, nem uma associação filantrópica de assistência mútua, ou mesmo um clube de cavalheiros, onde os seus membros se reúnem para tratar de interesses comuns ou discutir assuntos do dia, buscando, uns nos outros, soluções para seus problemas individuais.
Infelizmente, há muita gente que pensa isso da Maçonaria, e verdade seja dita, é o próprio comportamento de alguns Irmãos que sugere essa ideia ás pessoas, que do lado de fora, olham a Ordem maçônica com desconfiança e receio, como se dentro de um templo maçônico se promovessem conspirações, se rezassem missas negras e cultos satânicos, muito a gosto das velhas tradições medievais, denunciadas por imaginativos padres, que eram muito mais supersticiosos que os próprios magos e feiticeiros a quem eles pretendiam eliminar.
A Maçonaria, para quem não entra na Ordem levado apenas pela curiosidade intelectual de um espírito ávido por bizarrices metafísicas, pode consistir em uma vigorosa experiência intelectual. E aqueles que buscam uma forma ativa de dar sua contribuição para uma sociedade mais sadia, encontrará nela um campo de atividades muito propício a essa inclinação da sua personalidade.
André Michel de Ramsay (1686 – 1743) foi um nobre cavaleiro escocês. Um dos mais famosos maçons da história, ele foi o principal disseminador da Maçonaria ao divulgar o Rito Escocês Antigo e Aceito por toda a Europa. Sua definição de Maçonaria, ainda hoje, é a que mais se ajusta aos objetivos que a Irmandade busca realizar. “ O mundo todo não passa de uma república onde cada nação é uma família e cada indivíduo um filho. É para fazer reviver e espalhar estas máximas essenciais, emprestadas da natureza do homem que a nossa Sociedade foi inicialmente estabelecida. Queremos reunir todos os homens de espirito esclarecido, maneiras gentis e humor agradável, não só pelo amor às belas artes, mas ainda mais pelos grandes princípios de virtude, ciência e religião, onde o interesse da Fraternidade se tornam aqueles de toda a raça humana, onde todas as nações podem recorrer a conhecimentos sólidos, e onde os habitantes de todos os reinos possam aprender a valorizar um ao outro, sem abrir mão de sua pátria.(...), disse ele em seu famoso discurso pronunciado aos maçons franceses em 1738.
Descontada a imaginativa forma que ele inventou para levar os franceses a apoiar o Rito que ele pregava, a sua definição de Maçonaria é a que ainda melhor nos serve, em nossa opinião.[1]
Pois a Maçonaria não é apenas uma sociedade de pessoas em busca da realização de um ideal politico ou religioso, mas uma vasta coordenação de ideias a nível mundial que trabalha com o mais profundo dos anseios humanos, que é a realização, na terra mesmo, daquela proposta que as religiões só conseguem visualizar para um outro mundo, ou seja, o mundo das realidades quiméricas, alcançáveis apenas a nível espiritual. O mundo da Maçonaria é o da ordem social justa e perfeita, que como disse Ramsay, deve ser construída sobre os ideais da beleza e cimentada pela virtude (moral e ética) a ciência (com consciência) e a religião (esclarecida).
É por isso que sempre dizemos que na Maçonaria convivem o ideal, a prática e a instituição.
É um ideal porque sua filosofia repousa no sonho utópico que sempre cativou o espírito humano na procura de um estado ideal de ordem, paz, tranquilidade e equilíbrio entre sua natureza humana e a sua parte espiritual. Esse sonho, que é arquetípico, sempre esteve presente no Inconsciente Coletivo da Humanidade. A noção da existência de um Paraíso terrestre, presente em praticamente todas as religiões, é um claro reflexo desse sonho.
É prática por que, na perseguição dessa quimera, o Irmão é concitado a desenvolver posturas morais e éticas que o induzem a praticar um comportamento compatível com o perfil que um membro da Irmandade deve ter.
E, por fim, é instituição, já que para tornar possível essa prática é preciso dar forma a ela na figura de um ente real, com identidade social e cultural, e se possível, com personalidade jurídica.
Dado o pragmatismo dos dias atuais, os maçons que veem na Ordem um ideal a defender preferem cultivá-la pelo seu lado filosófico, místico e quase sectário. Esses Irmãos são ritualistas ao extremo e se aborrecem quando os “pretensos segredos” da Maçonaria são revelados ao mundo profano, se esquecendo que os únicos segredos da Maçonaria estão na linguagem codificada que os maçons usam e nos assuntos discutidos “em Loja”, os quais são restritos até para os Irmãos que não pertencem á mesma congregação. Já aqueles que têm a Maçonaria como uma prática de vida, esses buscam nela a virtude de uma doutrina que deve funcionar como uma filosofia de autoajuda, no sentido de que ela pode aprimorar o seu caráter e fazer dele um indivíduo melhor. Já a Maçonaria, como instituição, é vista hoje por uma grande maioria de maçons como uma associação de pessoas com interesses convergentes, que pode alavancar sua promoção como indivíduo e, ao mesmo tempo proporcionar-lhes uma oportunidade de ação social.
Como todas as realizações do pensamento humano, a Maçonaria tem procurado se adaptar ao contexto em que ela se insere. Sem se afastar do ideal que justificou o seu nascimento (a construção da Ordem Social justa e perfeita), ela agasalhou em seu catecismo uma vasta gama de correntes de pensamento, desde os grandes mitos religiosos do passado até os sistemas filosóficos atuais, informadores da sociedade moderna. Essa foi a grande realização dos maçons que instituíram o chamado Rito Escocês Antigo e Aceito, cuja disseminação, por toda a Europa, se deve ao Cavaleiro de Ramsay.[2]
Justifica-se, portanto, que os seus ensinamentos comecem com uma idéia, expressa através de um simbolismo iniciático, que encerra o conceito de iluminação do espírito, que é, na verdade a aquisição da sabedoria, á moda dos praticantes da gnose e da filosofia hermética . E que terminem, nos chamados Graus Filosóficos, com alegoria da Cripta dos Grandes Filósofos, construtores do espírito universal.
Na verdade, todo o catecismo maçônico tem uma única finalidade, seja qual a forma como ela é prescrita e seja qual for o rito adotado. Essa finalidade é a construção do espírito humano, de acordo com os princípios consagrados do livre arbítrio, que reconhece para o homem o direito á busca da felicidade, fundamentado num triângulo virtuoso sustentado pela liberdade, pela igualdade e pela fraternidade.
Assim, todas as alegorias exploradas no ensino maçônico têm essa finalidade. Desde os conceitos de pedra bruta (que é o aprendiz iniciado nos mistérios da Arte Real), a pedra cúbica (que é o companheiro cujas arestas já foram rudimentarmente aparadas, mas que ainda não atingiu a plenitude da sua iniciação) a pedra lavrada ( que é o mestre finalmente apto a iniciar a sua senda pelos mistérios maiores da Maçonaria), até a Caverna das Luzes, há toda uma pedagogia habilmente desenvolvida para levar o iniciado maçom a esse resultado.[3]
A Cripta dos Grandes Filósofos, ou Caverna das Luzes é, portanto, um resumo final desse resultado. Para os Irmãos devidamente preparados nas antigas e modernas filosofias que norteiam o pensamento humano, e que também estejam devidamente informados sobre as crenças e esperanças que fazem o espírito de homem ser o que ele é, não é difícil entender o motivo de essa alegoria ter sido colocada justamente nos últimos graus do ensinamento maçônico..
Na Caverna das Luzes iremos encontrar oito colunas, sobre as quais oito bustos, representando os fundadores das grandes correntes de pensamento que orientam o espírito humano.
Em uma nona coluna, o resultado final dos ensinamentos desses grandes construtores do espírito universal é demonstrado pelo aparecimento da Estrela, que é Gnose, a Iluminação, a Sabedoria, a Sofia dos Gnósticos, a Estrela Shá dos egípcios, como a sugerir que tudo que procuramos, seja qual for a religião que adotemos, é simplesmente a Verdade. Os bustos mostram pessoas cujos ensinamentos estão, em maior ou menor grau, presentes no catecismo maçônico. São eles os pensadores e profetas Confúcio, Zoroastro ou Zaratustra, Sidarta Gautama, o Buda, Moisés, o Legislador hebreu, o lendário Hermes Trismegistus, o filósofo Platão, Jesus de Nazaré, fundador do cristianismo e Maomé, fundador do islamismo.
Cada um desses personagens deixou uma doutrina que muito influenciou o pensamento humano. Todavia, a ideia de introduzir essa alegoria nos ritos maçônicos tem uma justificativa bastante pragmática e insere-se bem no objetivo da Maçonaria. Como se sabe, a Ordem maçônica pretende foros de universalidade e na sua concepção como sociedade de pensamento, ela é ecumênica. Serve a todas as religiões, sem optar por nenhuma delas, e prega a tolerância como pedra fundamental do sua doutrina.
Assim, ninguém precisa renunciar á sua religião para ser maçom. Ser maçom não é profissão de fé, mas sim adotar uma prática de vida e uma forma de pensar, onde a ética, a moral, o respeito pelos direitos humanos, o amor á justiça e a prática do bem sejam a sua estrela guia. E a simples constatação de que existem maçons que não se enquadram nesse perfil não invalida essa proposta, que é idealística e doutrinária ao mesmo tempo e não carrega, necessariamente, foros de sectarismo. Quer dizer, não se exige do maçom, como obrigação fundamental e exclusiva, que ele seja uma criatura perfeita e virtuosa, até porque o conceito de perfeição moral e virtude é movediço e difícil de se fixar como um padrão de conduta definido para todos.
A influência do positivismo
Destarte, o que se pretende com a alegoria da Caverna das Luzes é extrair, de cada uma das doutrinas ensinadas por esses sábios, o essencial da virtude por eles ensinada, para com isso sedimentar o ensinamento maçônico. Na verdade, essa ideia, acreditamos nós, foi inspirada pelos maçons positivistas, adeptos das ideias do filósofo francês Augusto Conte. Como se sabe, o Positivismo foi um sistema de pensamento muito influente no final do século XIX e a maioria das Lojas maçônicas, especialmente no Brasil e na França, eram simpáticas a essa doutrina. Ela foi adotada, inclusive, no Pavilhão Nacional do Brasil, resumida na divisa “Ordem e Progresso”. Essa era a divisa dos chamados clubes republicanos, cujos membros, em sua grande maioria maçons, foram responsáveis pela proclamação da República brasileira. Sabe-se também que muitos adeptos do positivismo davam a essa doutrina um status de religião, tendo até fundado uma igreja com esse nome, que existe ainda hoje e chama-se, muito propriamente, Igreja Positivista do Brasil.
A Igreja Positivista do Brasil foi fundada no dia 11 de maio de 1881 por Miguel de Lemos na atual rua Benjamin Constant, n. 74, no bairro da Glória, na zona sul da cidade do Rio de Janeiro. Um de seus principais adereços são os bustos dos 13 grandes pensadores, que na crença dessa seita, glorificam os nomes mais importantes da cultura humana, nas áreas da religião, literatura, filosofia, ciência e política: Nesse rol encontraremos os bustos de Moisés (Teocracia ), Homero (Poesia), Aristóteles (Filosofia), Arquimedes (Ciência), César (Militar), São Paulo (Cristianismo) Dante (Poesia Moderna), Gutenberg (Indústria), Shakespeare (Teatro) Descartes (Filosofia Moderna), Frederico II (Política) e Bichat (Ciência Moderna), mais Heloísa (representante das "Santas Mulheres" ou "A glorificação feminina").[4]
Outras igrejas dessa seita podem, evidentemente, homenagear outros baluartes da cultura mundial, pois o objetivo dela é fundamentar sua crença em conquistas científicas e realizações do pensamento humano, ao invés de inspirações metafísicas, que segundo os positivistas, são o fundamento das demais religiões. O positivismo, ao contrário dessas religiões,pretende ter suas bases fundadas exclusivamente sobre verdades científicas e filosóficas, sem a contaminação de especulações metafíscas, que para os adeptos dessa corrente de pensamento são meras superstições.
Por fim cabe lembrar a grande influência que o positivismo teve sobre a Maçonaria do século XIX e as ideias politicas que acabaram por determinar a Proclamação da República no Brasil. Como é de conhecimento de todos os maçons, foi a primeira Constituição Rpublicana do Brasil, promulgada em 1891, que, entre outras medidas, estabeleceu a separação entre Estado e Igreja, tirou do controle da Igreja os cemitérios e os registros públicos e instituiu a necessidade do casamento civil. Todas essas medidas eram reivindicações inspiradas no modelo positivista de Estado que maçons como o Marechal Deodoro da Fonseca, Campos Salles, Prudente de Moraes, Delfim Moreira, Benjamin Constant e outros, advogavam.. [5]
Maçonaria, escola de vida
Eis, portanto, o que significa, na Maçonaria, a Caverna das Luzes ou Cripta dos Grandes Filósofos. Nela também poderiam estar Lao-Tsé, fundador do Taoísmo, Emanuel Kant, fundador do Idealismo, Karl Marx, o apóstolo do Materialismo Histórico, Charles Darwin, teórico da seleção natural, Alan Kardec, pai do espiritismo e outros cientistas e grandes filósofos, que com suas teorias e doutrinas ajudaram a construir o conhecimento humano. Isso porque todas essas doutrinas e ideias são evocadas e discutidas ao longo dos graus pelos quais o iniciado maçom tem que passar para chegar ao final dos seus estudos. Por isso é que se diz que a Maçonaria não é uma religião, mas sim uma escola de vida.
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- O ideal maçônico
Quem se propuser a estudar de fato os objetivos, a história e a filosofia fundamental da Maçonaria, sem se deixar enredar pelo cipoal de influências filosóficas e as variadas mistificações próprias de um sistema que envolve religião, psicologia, politica e filosofia, têm que ter em mente que a Maçonaria não é uma religião, nem uma associação filantrópica de assistência mútua, ou mesmo um clube de cavalheiros, onde os seus membros se reúnem para tratar de interesses comuns ou discutir assuntos do dia, buscando, uns nos outros, soluções para seus problemas individuais.
Infelizmente, há muita gente que pensa isso da Maçonaria, e verdade seja dita, é o próprio comportamento de alguns Irmãos que sugere essa ideia ás pessoas, que do lado de fora, olham a Ordem maçônica com desconfiança e receio, como se dentro de um templo maçônico se promovessem conspirações, se rezassem missas negras e cultos satânicos, muito a gosto das velhas tradições medievais, denunciadas por imaginativos padres, que eram muito mais supersticiosos que os próprios magos e feiticeiros a quem eles pretendiam eliminar.
A Maçonaria, para quem não entra na Ordem levado apenas pela curiosidade intelectual de um espírito ávido por bizarrices metafísicas, pode consistir em uma vigorosa experiência intelectual. E aqueles que buscam uma forma ativa de dar sua contribuição para uma sociedade mais sadia, encontrará nela um campo de atividades muito propício a essa inclinação da sua personalidade.
André Michel de Ramsay (1686 – 1743) foi um nobre cavaleiro escocês. Um dos mais famosos maçons da história, ele foi o principal disseminador da Maçonaria ao divulgar o Rito Escocês Antigo e Aceito por toda a Europa. Sua definição de Maçonaria, ainda hoje, é a que mais se ajusta aos objetivos que a Irmandade busca realizar. “ O mundo todo não passa de uma república onde cada nação é uma família e cada indivíduo um filho. É para fazer reviver e espalhar estas máximas essenciais, emprestadas da natureza do homem que a nossa Sociedade foi inicialmente estabelecida. Queremos reunir todos os homens de espirito esclarecido, maneiras gentis e humor agradável, não só pelo amor às belas artes, mas ainda mais pelos grandes princípios de virtude, ciência e religião, onde o interesse da Fraternidade se tornam aqueles de toda a raça humana, onde todas as nações podem recorrer a conhecimentos sólidos, e onde os habitantes de todos os reinos possam aprender a valorizar um ao outro, sem abrir mão de sua pátria.(...), disse ele em seu famoso discurso pronunciado aos maçons franceses em 1738.
Descontada a imaginativa forma que ele inventou para levar os franceses a apoiar o Rito que ele pregava, a sua definição de Maçonaria é a que ainda melhor nos serve, em nossa opinião.[1]
Pois a Maçonaria não é apenas uma sociedade de pessoas em busca da realização de um ideal politico ou religioso, mas uma vasta coordenação de ideias a nível mundial que trabalha com o mais profundo dos anseios humanos, que é a realização, na terra mesmo, daquela proposta que as religiões só conseguem visualizar para um outro mundo, ou seja, o mundo das realidades quiméricas, alcançáveis apenas a nível espiritual. O mundo da Maçonaria é o da ordem social justa e perfeita, que como disse Ramsay, deve ser construída sobre os ideais da beleza e cimentada pela virtude (moral e ética) a ciência (com consciência) e a religião (esclarecida).
- Na prática, uma filosofia de autoajuda
É por isso que sempre dizemos que na Maçonaria convivem o ideal, a prática e a instituição.
É um ideal porque sua filosofia repousa no sonho utópico que sempre cativou o espírito humano na procura de um estado ideal de ordem, paz, tranquilidade e equilíbrio entre sua natureza humana e a sua parte espiritual. Esse sonho, que é arquetípico, sempre esteve presente no Inconsciente Coletivo da Humanidade. A noção da existência de um Paraíso terrestre, presente em praticamente todas as religiões, é um claro reflexo desse sonho.
É prática por que, na perseguição dessa quimera, o Irmão é concitado a desenvolver posturas morais e éticas que o induzem a praticar um comportamento compatível com o perfil que um membro da Irmandade deve ter.
E, por fim, é instituição, já que para tornar possível essa prática é preciso dar forma a ela na figura de um ente real, com identidade social e cultural, e se possível, com personalidade jurídica.
Dado o pragmatismo dos dias atuais, os maçons que veem na Ordem um ideal a defender preferem cultivá-la pelo seu lado filosófico, místico e quase sectário. Esses Irmãos são ritualistas ao extremo e se aborrecem quando os “pretensos segredos” da Maçonaria são revelados ao mundo profano, se esquecendo que os únicos segredos da Maçonaria estão na linguagem codificada que os maçons usam e nos assuntos discutidos “em Loja”, os quais são restritos até para os Irmãos que não pertencem á mesma congregação. Já aqueles que têm a Maçonaria como uma prática de vida, esses buscam nela a virtude de uma doutrina que deve funcionar como uma filosofia de autoajuda, no sentido de que ela pode aprimorar o seu caráter e fazer dele um indivíduo melhor. Já a Maçonaria, como instituição, é vista hoje por uma grande maioria de maçons como uma associação de pessoas com interesses convergentes, que pode alavancar sua promoção como indivíduo e, ao mesmo tempo proporcionar-lhes uma oportunidade de ação social.
- A caverna das luzes
Como todas as realizações do pensamento humano, a Maçonaria tem procurado se adaptar ao contexto em que ela se insere. Sem se afastar do ideal que justificou o seu nascimento (a construção da Ordem Social justa e perfeita), ela agasalhou em seu catecismo uma vasta gama de correntes de pensamento, desde os grandes mitos religiosos do passado até os sistemas filosóficos atuais, informadores da sociedade moderna. Essa foi a grande realização dos maçons que instituíram o chamado Rito Escocês Antigo e Aceito, cuja disseminação, por toda a Europa, se deve ao Cavaleiro de Ramsay.[2]
Justifica-se, portanto, que os seus ensinamentos comecem com uma idéia, expressa através de um simbolismo iniciático, que encerra o conceito de iluminação do espírito, que é, na verdade a aquisição da sabedoria, á moda dos praticantes da gnose e da filosofia hermética . E que terminem, nos chamados Graus Filosóficos, com alegoria da Cripta dos Grandes Filósofos, construtores do espírito universal.
Na verdade, todo o catecismo maçônico tem uma única finalidade, seja qual a forma como ela é prescrita e seja qual for o rito adotado. Essa finalidade é a construção do espírito humano, de acordo com os princípios consagrados do livre arbítrio, que reconhece para o homem o direito á busca da felicidade, fundamentado num triângulo virtuoso sustentado pela liberdade, pela igualdade e pela fraternidade.
Assim, todas as alegorias exploradas no ensino maçônico têm essa finalidade. Desde os conceitos de pedra bruta (que é o aprendiz iniciado nos mistérios da Arte Real), a pedra cúbica (que é o companheiro cujas arestas já foram rudimentarmente aparadas, mas que ainda não atingiu a plenitude da sua iniciação) a pedra lavrada ( que é o mestre finalmente apto a iniciar a sua senda pelos mistérios maiores da Maçonaria), até a Caverna das Luzes, há toda uma pedagogia habilmente desenvolvida para levar o iniciado maçom a esse resultado.[3]
A Cripta dos Grandes Filósofos, ou Caverna das Luzes é, portanto, um resumo final desse resultado. Para os Irmãos devidamente preparados nas antigas e modernas filosofias que norteiam o pensamento humano, e que também estejam devidamente informados sobre as crenças e esperanças que fazem o espírito de homem ser o que ele é, não é difícil entender o motivo de essa alegoria ter sido colocada justamente nos últimos graus do ensinamento maçônico..
Na Caverna das Luzes iremos encontrar oito colunas, sobre as quais oito bustos, representando os fundadores das grandes correntes de pensamento que orientam o espírito humano.
Em uma nona coluna, o resultado final dos ensinamentos desses grandes construtores do espírito universal é demonstrado pelo aparecimento da Estrela, que é Gnose, a Iluminação, a Sabedoria, a Sofia dos Gnósticos, a Estrela Shá dos egípcios, como a sugerir que tudo que procuramos, seja qual for a religião que adotemos, é simplesmente a Verdade. Os bustos mostram pessoas cujos ensinamentos estão, em maior ou menor grau, presentes no catecismo maçônico. São eles os pensadores e profetas Confúcio, Zoroastro ou Zaratustra, Sidarta Gautama, o Buda, Moisés, o Legislador hebreu, o lendário Hermes Trismegistus, o filósofo Platão, Jesus de Nazaré, fundador do cristianismo e Maomé, fundador do islamismo.
Cada um desses personagens deixou uma doutrina que muito influenciou o pensamento humano. Todavia, a ideia de introduzir essa alegoria nos ritos maçônicos tem uma justificativa bastante pragmática e insere-se bem no objetivo da Maçonaria. Como se sabe, a Ordem maçônica pretende foros de universalidade e na sua concepção como sociedade de pensamento, ela é ecumênica. Serve a todas as religiões, sem optar por nenhuma delas, e prega a tolerância como pedra fundamental do sua doutrina.
Assim, ninguém precisa renunciar á sua religião para ser maçom. Ser maçom não é profissão de fé, mas sim adotar uma prática de vida e uma forma de pensar, onde a ética, a moral, o respeito pelos direitos humanos, o amor á justiça e a prática do bem sejam a sua estrela guia. E a simples constatação de que existem maçons que não se enquadram nesse perfil não invalida essa proposta, que é idealística e doutrinária ao mesmo tempo e não carrega, necessariamente, foros de sectarismo. Quer dizer, não se exige do maçom, como obrigação fundamental e exclusiva, que ele seja uma criatura perfeita e virtuosa, até porque o conceito de perfeição moral e virtude é movediço e difícil de se fixar como um padrão de conduta definido para todos.
A influência do positivismo
Destarte, o que se pretende com a alegoria da Caverna das Luzes é extrair, de cada uma das doutrinas ensinadas por esses sábios, o essencial da virtude por eles ensinada, para com isso sedimentar o ensinamento maçônico. Na verdade, essa ideia, acreditamos nós, foi inspirada pelos maçons positivistas, adeptos das ideias do filósofo francês Augusto Conte. Como se sabe, o Positivismo foi um sistema de pensamento muito influente no final do século XIX e a maioria das Lojas maçônicas, especialmente no Brasil e na França, eram simpáticas a essa doutrina. Ela foi adotada, inclusive, no Pavilhão Nacional do Brasil, resumida na divisa “Ordem e Progresso”. Essa era a divisa dos chamados clubes republicanos, cujos membros, em sua grande maioria maçons, foram responsáveis pela proclamação da República brasileira. Sabe-se também que muitos adeptos do positivismo davam a essa doutrina um status de religião, tendo até fundado uma igreja com esse nome, que existe ainda hoje e chama-se, muito propriamente, Igreja Positivista do Brasil.
A Igreja Positivista do Brasil foi fundada no dia 11 de maio de 1881 por Miguel de Lemos na atual rua Benjamin Constant, n. 74, no bairro da Glória, na zona sul da cidade do Rio de Janeiro. Um de seus principais adereços são os bustos dos 13 grandes pensadores, que na crença dessa seita, glorificam os nomes mais importantes da cultura humana, nas áreas da religião, literatura, filosofia, ciência e política: Nesse rol encontraremos os bustos de Moisés (Teocracia ), Homero (Poesia), Aristóteles (Filosofia), Arquimedes (Ciência), César (Militar), São Paulo (Cristianismo) Dante (Poesia Moderna), Gutenberg (Indústria), Shakespeare (Teatro) Descartes (Filosofia Moderna), Frederico II (Política) e Bichat (Ciência Moderna), mais Heloísa (representante das "Santas Mulheres" ou "A glorificação feminina").[4]
Outras igrejas dessa seita podem, evidentemente, homenagear outros baluartes da cultura mundial, pois o objetivo dela é fundamentar sua crença em conquistas científicas e realizações do pensamento humano, ao invés de inspirações metafísicas, que segundo os positivistas, são o fundamento das demais religiões. O positivismo, ao contrário dessas religiões,pretende ter suas bases fundadas exclusivamente sobre verdades científicas e filosóficas, sem a contaminação de especulações metafíscas, que para os adeptos dessa corrente de pensamento são meras superstições.
Por fim cabe lembrar a grande influência que o positivismo teve sobre a Maçonaria do século XIX e as ideias politicas que acabaram por determinar a Proclamação da República no Brasil. Como é de conhecimento de todos os maçons, foi a primeira Constituição Rpublicana do Brasil, promulgada em 1891, que, entre outras medidas, estabeleceu a separação entre Estado e Igreja, tirou do controle da Igreja os cemitérios e os registros públicos e instituiu a necessidade do casamento civil. Todas essas medidas eram reivindicações inspiradas no modelo positivista de Estado que maçons como o Marechal Deodoro da Fonseca, Campos Salles, Prudente de Moraes, Delfim Moreira, Benjamin Constant e outros, advogavam.. [5]
Maçonaria, escola de vida
Eis, portanto, o que significa, na Maçonaria, a Caverna das Luzes ou Cripta dos Grandes Filósofos. Nela também poderiam estar Lao-Tsé, fundador do Taoísmo, Emanuel Kant, fundador do Idealismo, Karl Marx, o apóstolo do Materialismo Histórico, Charles Darwin, teórico da seleção natural, Alan Kardec, pai do espiritismo e outros cientistas e grandes filósofos, que com suas teorias e doutrinas ajudaram a construir o conhecimento humano. Isso porque todas essas doutrinas e ideias são evocadas e discutidas ao longo dos graus pelos quais o iniciado maçom tem que passar para chegar ao final dos seus estudos. Por isso é que se diz que a Maçonaria não é uma religião, mas sim uma escola de vida.
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[1] Para despertar a simpatia dos franceses, Ramsay cunhou o mito de que a Maçonaria tinha sido fundada em Jerusalém pelos exércitos cristãos no tempo das Cruzadas e mantida durante a Idade Média pelas Ordens militares que lá se estabeleceram. Particularmente as Ordens dos Templários e dos Cavaleiros de São João do Hospital. Essa foi uma grande inspiração de Ramsay pois ele sabia que os nobres e os intelectuais franceses mantinham uma ligação espiritual muito profunda com esses mitos do seu passado.
[2] Os ritos praticados pela Maçonaria antiga foram sensivelmente modificados pelos maçons praticantes do REAA para agasalhar as mais variadas correntes de pensamento existentes na época em que ele foi criado. Até essa época a Maçonaria só praticava os três graus da chamada Loja Simbólica, centrados principalmente nas tradições da antiga maçonaria operativa herdada dos construtores medievais. É a partir da instituição do REAA que começam a aparecer, nos ritos maçônicos, alusões á pratica da alquimia, os temas relacionados á Gnose, á Cabala e principalmente a conexão com a tradição da Cavalaria, expressos principalmente na conexão da Irmandade com as Ordens dos Templários e Hospitalários. Outros ritos maçônicos, como o Arco Real (York), a Estrita Observância e demais, também seguiram caminho idêntico, incorporando em seus rituais elementos estranhos á antiga maçonaria dos construtores medievais.
[3]Esses três primeiros estágios (pedra bruta, pedra cúbica e pedra lavrada) são inspirações da antiga maçonaria operativa. Já as demais alegorias inseridas nos graus superiores são concessões ás correntes de pensamento que a Maçonaria, dita especulativa, adotou para conformá-la ás exigências da época.
[4] Heloísa, mulher que o filósofo Simão, o Mago, considerava como sendo a encarnação da sabedoria divina, uma espécie de Sofia dos gnósticos.
[5] Castelanni e Almeida- Madras, São Paulo, 2010