Quem merece a pena de morte?

A despeito de qualquer resposta que tenha lhe passado pela cabeça, todos estamos condenados à pena de morte. Somos vítimas da consciência de que vamos morrer. A diferença é que um condenado pela lei à pena de morte tem uma data marcada para morrer. Até a execução da pena, que dependendo do país, pode demorar anos, morrerão milhões de pessoas vítimas de doenças, acidentes e das mais diversas causas que não guardam qualquer relação com crime e condenação. Estão errados aqueles que acreditam que a vida continua depois da morte? Não, inclusive eu torço muito para que eles estejam certos. Honestamente, não acho provável. Acredito que seja uma forma legítima de afastar à ideia de que vamos morrer. Só que esquecemos de combinar isso com à natureza. Ela nos sentenciou a consciência de que vamos envelhecer e morrer. E envelhecer é apenas uma possibilidade. A morte é certa. Alguns leitores, o a maioria, já devem estar pensando porque falar nesse assunto? O que só comprova o quanto nos incomoda a inevitável morte. Qual o interesse em falar sobre a morte, tanto para aqueles que acreditam na eternidade, quanto os que estão convictos que c’est fini . É um paradoxo, mas falamos sobre a morte para nos certificar que estamos vivos. Para valorizar a vida. Há religiões que pregam a eternidade do espírito e a viabilidade da comunicação com os mortos. Também torço para que estejam certos, já que só há dois casos em que a nossa morte nos soa preferível a de outrem: a morte de nossos filhos e a vida em agonia. Não experimentei, e espero não experimentar o primeiro caso. Peço a Deus que tenha a compaixão de levar-me antes do que meus filhos. Que Ele respeite a ordem natural da vida. Quanto ao segundo caso, infelizmente, sofro de depressão, não crônica, mas o suficiente para entender porque um depressivo em crise se suicida. Não estou só, 5% da população mundial sofre de episódios eventuais de depressão e as estatísticas indicam que 30% dela sofrerá de pelo menos um episódio depressivo durante a vida. Depressão não é tristeza, nem mau humor, nem baixo astral, muito menos loucura. Depressão é uma doença com sintomas definidos, que a exemplo de todas as outras, assim como o envelhecimento e a morte não deveriam existir. A lógica de adoecer, envelhecer e morrer só faz sentido do ponto de vista do que a natureza arbitrariante estabeleceu. Peço licença aos religiosos, mas não consigo absorver a ideia de que Deus nos colocou neste planeta para ser vítima de um câncer, de ver nosso corpo definhar e de morrer bestamente vítima de uma bala perdida. Não fomos consultados se gostaríamos de que não existisse nenhuma doença, ou sobre a possibilidade do nosso corpo estacionar no auge dos 25 anos, muito menos de que nessas condições a morte estaria restrita a acidentes e assassinatos. Talvez se assim fosse, respeitaríamos mais a integridade do próximo, tendo a decência de poupar a vida alheia, conscientes da dimensão de extinguir a vida de quem poderia viver eternamente. Restaria a morte por acidentes ou por uma crueldade da natureza, a exemplo da erupção de um vulcão. Não tenho certeza de que funcionaria, assim como não tenho certeza de nada. Tenho princípios e convicções. Mas é preciso admitir que a suposta imortalidade poderia resultar em uma supervalorização da vida, na qual, frente a ao poder de evitar a morte, tanto poderíamos nos restringir obsessivamente de qualquer risco, a ponto de não usufruir a vida, como poderíamos assumir uma atitude de barbárie, matando despudoradamente para não ser morto. Ou as duas coisas. Entendo, agora, porque é tão atraente a ideia de uma alma imortal e do Paraíso. Ela contextualiza com perfeição o sentimento de segurança total com a irresistível vontade de viver feliz para sempre. Pensando bem, é muito plausível que o sofrimento e as dores de envelhecer nos tenham sido legados, por uma força divina ou pelas leis do acaso e da evolução, para que possamos nos livrar das consequências de uma supervalorização da vida, convivendo de maneira mais digna com o fato de que todos estamos sentenciados à vida e à morte.