ABORTO – UM ATENTADO CONTRA A VIDA
A eliminação da vida é para todas as civilizações, exceto em casos específicos e peculiares à cada cultura, um crime a ser punido pelo Estado, ao qual se outorgou este poder, assim como a incumbência de garantir a vida, com todos os direitos dela decorrentes, aos seus súditos, porém, nunca como hoje no mundo dito civilizado este dom supremo do ser humano se viu ameaçado pelas mais diferentes formas de interrupção violenta, que já se convencionou falar até na chamada “indústria da morte!”.
Às antigas e conhecidas ameaças à vida humana, tais como a miséria, a fome, as epidemias e a violência das guerras, vêm se juntar outras com modalidades inéditas e dimensões inquietantes, e este panorama, longe de se reverter, tem se dilatado com as perspectivas oriundas do progresso científico e tecnológico, mascarando outras formas de atentados à dignidade do ser humano.
Enquanto se delineia e se consolida uma nova situação cultural que dá aos crimes contra a vida um aspecto inédito e, se possível, ainda mais iníquo, suscitando novas e graves preocupações, a opinião pública é levada a crer que seriam justificáveis alguns atentados contra a vida, posto que em nome dos direitos da liberdade individual e, sobre tal pressuposição, pretendem não só a sua inimputabilidade, mas também a própria autorização do Estado para os praticar acobertados pelo manto da legalidade, como nos casos do aborto, da pena de morte e da eutanásia.
O aborto, no dizer de José Afonso da Silva, “é outro tema controvertido que a Constituição não enfrentou diretamente”(*), mas que implicitamente parece permitir em certos casos o abortamento, carecendo, porém, de legislação complementar ou ordinária, especialmente a lei penal à qual cabe definir, embora já o faça em casos específicos, quando e em que situações é o aborto um ato criminoso, mas sempre dependendo de se saber com precisão o início da vida no seio materno.
Contudo, é oportuno lembrar que há no Congresso Nacional um projeto de reforma de nosso Código Penal, e dentre os temas a serem discutidos não haverá de faltar certamente o aborto, por sinal já muito debatido nos meios sociais, o que vem causando muita polêmica, quando se coloca a questão como sendo um direito que tem a mulher de dispor do próprio corpo, mesmo que isso custe a vida do filho em gestação, como se este fora parte de si mesma e não uma outra individualidade.
Em outras palavras, o problema é posto nos seguintes termos: de um lado o inquestionável (mas é justamente esta inquestionabilidade que se está discutindo) direito à vida do feto, e de outro o direito irrestrito que teria a mulher de, além de dispor do próprio corpo, também o de ter ou não um filho.
No entanto, como o abortamento consiste na eliminação da vida que se inicia, consequentemente trata-se de uma forma de homicídio que deve ser punido na forma da lei, uma vez que o ordenamento jurídico aí está para garantir também a vida do feto, que não se confunde com a pessoa da mãe, de vez que não é seu corpo nem parte deste, mas um indivíduo independente, embora não autônomo, que somente temporariamente, e em cumprimento a uma função natural, jaz no ventre materno para, numa existência uterina de poucos meses, aperfeiçoar-se o suficiente e estar em condições físicas de sobreviver no mundo externo.
Considerando que não raro as pessoas têm a tendência em admitir como justo tudo aquilo que é legal, é extremamente contraproducente uma lei permissiva do aborto, já que estaria pedagogicamente deturpando as consciências, mormente a dos jovens, ainda em formação, que seriam levados a crer que nenhuma vida valeria por si mesma e que sua razão de ser dependeria única e exclusivamente do ordenamento jurídico.
É de se ressaltar ainda que a garantia da inviolabilidade do direito à vida, prevista do artigo 5º da Constituição Federal, abrange tanto a vida da mãe como a do feto, sendo ambas objetos da tutela legal, uma vez que se assim não fora, o princípio da igualdade entre os seres humanos restaria violado, ferindo de morte a segurança jurídica das relações sociais.
Ao que parece, entretanto, esta questão está ainda muito distante de um desfecho, em torno do qual se estabeleceria um consenso geral, daí porque o núcleo da polêmica, entre a moral e a ciência, é o fato de não se saber com certeza se o feto é ou não um indivíduo e, se o for, a partir de quando!
(*)SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 206), 15 ed. rev. São Paulo: Malheiros, 1998.