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"Caso a clonagem de seres humanos se torne uma realidade, vamos ter um problema de difícil solução: geneticamente um clone é uma cópia de si mesmo, portanto é gerado por apenas um indivíduo.
Se fizermos um exame de DNA de um clone, este terá o mesmo código genético de quem o gerou, portanto não terá um pai ou uma mãe.
A discussão ética sobre a clonagem é pertinente a partir do momento em que sabemos que a ciência está a serviço da humanidade, e não contra ela."
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Fonte:
http://gens.fateback.com/gn_genetica.html
“A compreensão humana não é um exame desinteressado, mas recebe infusões da vontade e dos afetos; disso se originam ciências que podem ser chamadas ‘ciências conforme a nossa vontade’. Pois um homem acredita mais facilmente no que gostaria que fosse verdade. Assim, ele rejeita coisas difíceis pela impaciência de pesquisar; coisas sensatas, porque diminuem a esperança; as coisas mais profundas da natureza, por superstição; a luz da experiência, por arrogância e orgulho, coisas que não são comumente aceitas, por deferência à opinião do vulgo. Em suma, inúmeras são as maneiras, e às vezes imperceptíveis, pelas quais os afetos colorem e contaminam o entendimento.”Francis Bacon, Novum Organon (1620)*
Introdução.
Muito se tem falado ultimamente a respeito do futuro da Genealogia com a entrada em cena dos exames de DNA. O novo e revolucionário processo de seqüenciamento dos genes certamente irá expor muitos problemas das atuais pesquisas, mas constitui-se em exagero afirmar que a Genealogia tradicional está com seus dias contados.
O presente trabalho pretende demonstrar o atual estágio de desenvolvimento da Genealogia Genética, e os antagonismos que ela terá com Genealogia tradicional em futuro próximo. A genética vai obrigar a Genealogia a transformar-se em ciência, sob a pena desta transformar-se em mito, exatamente como aconteceu com a Astrologia em relação à Astronomia. Tais mudanças encontrarão resistência por parte de alguns. Muitas transformações são mal assimiladas por aqueles que se julgam prejudicados por elas. A realidade científica é implacável, e destrói verdades consolidadas por milênios. Os exemplos são fartos.
É sabido que a ciência no seu afã de ampliar o campo do conhecimento, em muitos casos atropela a ética, principalmente se houver interesses financeiros envolvidos. Tais aspectos serão abordados, e deverão ser debatidos pela comunidade genealógica antes que se tornem realidade. No campo social, as transformações são mais lentas do que no científico.
Genealogia Genética.
Existem, basicamente, três tipos de exames de DNA aplicáveis ao estudo da Genealogia: o DNA mitocondrial, que estabelece uma linhagem materna a partir do indivíduo pesquisado; o Cromossomo Y, que estabelece uma linhagem paterna também a partir do indivíduo pesquisado e o estudo genômico, que estabelece o peso dos genes na formação das linhagens. Todos esses três tipos de pesquisa estão acessíveis aos interessados, e no Brasil são feitos pela empresa Gene – Núcleo de Genética Médica, com sede em Belo horizonte, e com a supervisão do geneticista Sérgio Danilo Pena, da UFMG.
Vamos comentar cada um dos três exames: o DNA mitocondrial produz uma seqüência de marcadores genéticos femininos, que podem se estender até períodos pré-históricos. Isso quer dizer que no Gráfico Ahnentafel podemos ter marcadores genéticos a partir da pessoa pesquisada sempre na linhagem materna, ou seja: os números 3, 7,15, 31, e assim por diante. O mesmo raciocínio se aplica ao Cromossomo Y, ou seja: os números 2, 4, 8, 16, 32, e assim por diante. Para determinar os números da linhagem paterna, multiplicamos por 2 a partir do pai pesquisado. Para determinar os números da linhagem materna multiplicamos por 2 + 1 o número da mãe pesquisada. O estudo genômico percorre uma trilha genética objetivando estabelecer a origem a origem etnogeográfica do indivíduo pesquisado.
E os números intermediários? É esse o atraso que a genética está correndo atrás: é necessária a criação de um banco de dados de seqüenciamento genético, para poder não só cruzar as informações obtidas, como também para identificar e corrigir erros da Genealogia tradicional.
Vamos explicar melhor, usando o gráfico Ahnentafel como guia. Já vimos como estabelecemos as linhagens-tronco paterna e materna de um indivíduo. Para preencher os números intermediários, vamos precisar de exames de pessoas que estejam na linhagem-tronco do número que pretendemos pesquisar. Exemplo: não temos como através do exame do nosso DNA, estabelecer os marcadores genéticos da nossa avó paterna, que corresponde ao número 5 do gráfico, porque ela não está em nenhuma linhagem-tronco nossa. Para conseguir isso, temos que pedir a um filho dela que faça o exame, ou a uma filha da filha. Ao receber o resultado, vamos ter os marcadores de toda linhagem-tronco materna da nossa avó paterna, ou seja: os números 11, 21, 41, 81 e assim por diante. Se o exame foi feito a partir de um filho ou filha da avó, também iremos ter a linhagem-tronco paterna destes, ou seja os números: 10, 20, 40, 80 e assim por diante.
O problema é que o trabalho não é tão simples. A Genealogia genética rastreia os genes sem consultar as linhagens conhecidas e aceitas como verdade, tendo como base documentos oficiais, como: registros civis, paroquiais, etc. Tais documentos atestam que as pessoas foram registradas como filhos dos seus pais, mas do ponto de vista da genética isto pode não ser verdade, e o resultado é que serão expostos muitos casos de bastardia, que eram desconhecidos. Vamos analisar um exemplo prático: um indivíduo está pesquisando a seu avô materno a partir dos genes de sua mãe. Em seguida esse indivíduo compara os marcadores do Cromossomo Y com o resultado do mesmo exame feito por um irmão de sua mãe, e conclui que o pai dele e a seu avô não são a mesma pessoa. Todos os documentos atestam que sim, mas a prova científica é incontestável. Exemplos como esse vão acontecer com uma impressionante freqüência nos estudos genealógicos feitos nos moldes tradicionais.
Dilema metodológico.
Diante de um fato consumado, como o citado anteriormente, o pesquisador estará num dilema metodológico difícil de resolver: se ignorar o exame de DNA, vai virar de costas para a ciência e construir uma genealogia baseada em informações que não correspondem à verdade científica. Se aceitar a verdade científica, terá que desconstruir a história da família, cuja tradição remonta a diversas gerações, e tentar descobrir quem é o novo integrante da árvore genealógica que surgiu, comparando os marcadores genéticos dele, com bancos de dados de seqüenciamento genético.
Nenhuma metodologia pode dar conta de dilemas. A solução deles tem um componente moral e individual. Sendo assim, as escolhas irão variar de acordo com a interpretação de cada pesquisador, o que certamente vai ocasionar a divisão da Genealogia em duas partes: a Genealogia genética, que será uma ciência exata, e a Genealogia histórica, que será uma ciência social voltada para o estudo de agrupamentos familiares e populacionais, consangüíneos ou não. Ambas seguirão caminhos diferentes com metodologia própria. É possível que em futuro distante haja uma fusão das duas. Para tanto, terá de ser criado um novo conceito de verdade que englobe os aspectos históricos e científicos. No momento presente estamos longe desse conceito.
A Genealogia histórica não irá escapar sem traumas desse processo. O caráter pouco científico das pesquisas feitas será exposto de forma cruel, o que vai obrigar os pesquisadores a buscar métodos de trabalho mais condizentes com a nova realidade. E que métodos seriam esses? Em primeiro lugar a Genealogia vai precisar partir de um conceito que estabeleça a verdade que se quer pesquisar. Feito isso, deverão ser estabelecidos parâmetros de procedimentos que irão orientar os pesquisadores e dar um embasamento metodológico às pesquisas. A grande dificuldade de se fazer isso está na própria natureza do ser humano. Conforme foi dito no texto de abertura, o homem acredita mais facilmente no que gostaria que fosse verdade. A Genealogia da forma como conhecemos está fundamentada em provas documentais. Tais provas tiveram até hoje valor como verdade, mas esse conceito será superado pela prova científica, mais consistente e inquestionável. O fato é que a prova científica supera toda e qualquer prova documental, até mesmo em termos jurídicos.
Mitos genealógicos.
Quando a ciência avança no campo social e impõe mudanças que podem alterar o perfil histórico de uma sociedade, surgem naturais resistências ao novo processo. Sabemos que a Genealogia nos moldes tradicionais está impregnada de componentes mitológicos que serão derrubados em sua maior parte. Alguns desses mitos estão incorporados em praticamente todas as pesquisas de maior abrangência histórica. Muitas verdades genealógicas foram assentadas sobre bases frágeis, que não resistirão a uma análise mais profunda. Citamos como exemplo, a crença generalizada de que a maior parte da população européia é descendente de Carlos Magno. Aqui no Brasil, a paulicéia quinhentona acredita que todos são descendentes dos caciques Tibiriçá e Piquerobi. É claro que ambos deixaram grande descendência, e que muitos estão entre nós, mas o seu número deve estar muito aquém do que é divulgado. Se os ossos que estão enterrados na Catedral da Sé em São Paulo forem realmente do cacique Tibiriçá, esse mito poderá facilmente ser derrubado.
Não são apenas o mitos que viciam as pesquisas. Algumas fontes possuem uma credibilidade discutível, e precisam ser melhor analisadas e confrontadas com outras fontes. Como exemplo, os processos de habilitação de Genere, que em muitos casos se constituem em preciosa fonte de informação, podem conter muitos erros, inclusive propositais por parte dos seus autores, com o intuito de esconder sangue judeu, ou como prova de nobreza. Podemos fazer comentário semelhante com relação aos processos do Santo Ofício. Até os próprios registros paroquiais estão sob forte ameaça, quando forem confrontados com os marcadores do DNA. A Genealogia até hoje serviu de prova nos tribunais, e esses processos sempre assumiram o valor de verdade oficial.
Como vimos, o risco da Genealogia tradicional entrar para o campo da mitologia é real, caso não modernize seus métodos de pesquisa, e faça uma profunda revisão de tudo aquilo que já foi pesquisado, publicado e divulgado. Sabemos que é muito difícil e complicado fazer isso, mas esse processo é inevitável, tendo em vista a sobrevivência da própria Genealogia histórica.
Ética em Genealogia.
Diante da situação que foi colocada cabe uma pergunta: a verdade científica substitui a verdade histórica? Depende. No caso de uma fraude comprovada, sim. Nos demais casos, não. A convivência familiar é que cria os laços de parentesco. A identidade de um indivíduo está ligada ao ambiente em que viveu, e não ao código genético que carrega. A genética e a história seguem percursos diferentes, algumas vezes antagônicos. A dicotomia entre ambas não é apenas metodológica. O peso da tradição familiar não pode ser desprezado em nome de uma verdade científica. Não se trata de negar a ciência, mas de preservar a história da família. Se não houver um entrelaçamento histórico entre os indivíduos, a Genealogia perderá o sentido. A genética não está preocupada com isso, apenas em rastrear os genes.
Como lidar com isso? Já dissemos anteriormente que o estudo da Genealogia vai se dividir entre Genealogia genética e histórica. Cada uma vai oferecer importantes subsídios para a outra, porém alguns aspectos se tornarão antagônicos, e vão precisar de uma discussão ética. Com efeito, ninguém será obrigado a aceitar uma prova científica que possa alterar uma relação sólida e estruturada em uma família. Bancos de dados de DNA de pessoas vivas deverão ser protegidos por lei e proibida a sua divulgação. Apenas a justiça poderá ter acesso a material genético. A razão para tanto cuidado é muito simples: existem muitos bancos de sêmen e óvulos espalhados pelo mundo, que são usados para fertilização in vitro. Se o código genético puder ser divulgado, todos aqueles que foram gerados usando este material poderão identificar os doadores. A confusão jurídica que vai se estabelecer será enorme. Além disso, todos aqueles que doaram seus filhos para adoção têm o direito de exigir sigilo sobre suas identidades.
Caso a clonagem de seres humanos se torne uma realidade, vamos ter um problema de difícil solução: geneticamente um clone é uma cópia de si mesmo, portanto é gerado por apenas um indivíduo. Se fizermos um exame de DNA de um clone, este terá o mesmo código genético de quem o gerou, portanto não terá um pai ou uma mãe. A discussão ética sobre a clonagem é pertinente a partir do momento em que sabemos que a ciência está a serviço da humanidade, e não contra ela. Se a ciência for direcionada para fins exclusivamente financeiros, irá cometer desvios que poderão comprometer o próprio futuro da humanidade. Sabemos que a evolução é o resultado da diversidade. Com a clonagem, a sociedade poderá retornar aos antigos sistemas familiares fechados, o que representa um retrocesso.
O Futuro.
Sabemos que a ciência não tem o poder de desmentir a História. Esta por sua vez não tem como negar certas evidências, que alteram a visão até então aceita. O dilema só será completo se uma verdade excluir a outra, o que parece não ser o caso. A Genealogia histórica terá que trilhar por um caminho mais científico, o que só será possível com a implantação de uma metodologia que dê um embasamento mais consistente aos resultados apresentados. O debate ético sobre o futuro da genética, em alguns aspectos já começou. Em outros, o debate torna-se urgente em função da divulgação que se aproxima de bancos de dados de DNA mitocondrial e Cromossomo Y.
Mas a grande revolução que a genética vai provocar já está acontecendo. Alguns estudos já divulgados de ancestralidade genômica estão derrubando velhos mitos sobre migrações e composição étnica de muitas populações. Certamente que tais estudos servirão como fator de combate à discriminação de minorias raciais, quando ficar provado que cada indivíduo carrega os genes de muitas etnias diferentes. Já se sabe que o peso da aparência física é muito pequeno para a determinação de uma ancestralidade genômica de longo prazo. Não há dúvida que esse é o grande aspecto positivo das pesquisas genéticas. O estudo das doenças hereditárias seria outro grande fator positivo. Há um campo aberto de largas possibilidades de colaboração entre as duas vertentes da Genealogia. Não criar antagonismos e tentar entender as diferenças, talvez seja a melhor forma de convivência entre as duas verdades.
Observação:
Agradecemos o autor:
Pela publicação deste texto, tão importante para entendermos o processo destas duas genealogias, a genética e a história, talvez no futuro seja a GENISTÓRIA, A NOVA CIÊNCIA.
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