Imagem do Google / www.radioprogressoam.com.br




 
MORRE UM DEMOCRATA
 
 
      Em tempos de tanta lassidão de caráter nas pessoas, expressa em tantas corrupções, em dias de tanto oportunismo e de tamanho mau-caratismo de maus homens públicos, quando se vai um democrata – e ainda mais com a fibra, coragem e a tenacidade de um Paes de Andrade – a gente fica mambembe, desgostoso e macambúzio.
 
      Antônio Paes de Andrade faleceu ontem, no Distrito Federal, aos 88 anos.  Foi, no cenário da política nacional, com P maiúsculo, uma das grandes e honrosas reservas morais. Tinha ele uma hercúlea capacidade de resistência ao arbítrio, como poucos o fizeram, no Brasil.
 
      Cearense de Mombaça, ainda alisando bancos universitários, aos 23 anos já se fazia deputado estadual em seu Estado, o Ceará. A partir de janeiro de 1963, ele iria ter papel de destaque no enfrentamento à ditadura que, desgraçadamente, se instalaria no País em 1º de abril de 64.
 
      Foi deputado estadual por três mandatos. Professor universitário e autor de livros, como “Itinerário da Violência” (a violência da ditadura), Paes de Andrade ocupou quase todas as pastas do secretariado de Estado, até se tornar deputado federal, em cujos sucessivos e diversos mandatos ele desempenhou papel preponderante em favor do “Estado de Direito”, vale dizer, o retorno à democracia.
 
      Deu o bom combate à “quartelada de abril”, tanto na Câmara Federal como nas passeatas de rua, marchando ao lado de operários, estudantes e servidores públicos. Por inteiro, perfilou a favor das liberdades essenciais e dos direitos humanos, ombreando com os vultos mais significativos do Parlamento brasileiro de seu tempo, como Ulysses Guimarães, Franco Montoro, Alencar Furtado e tantos outros expoentes do velho MDB, depois PMDB, quando a ditadura só permitiu o bipartidarismo no País.
 
      Pelo PMDB, foi presidente de sua executiva nacional e ainda presidente da Câmara, em cujas funções ele chegou interinamente a ocupar a Presidência da República. Em um dos governos de Lula, se me lembro no segundo mandato, o ilustre parlamentar foi embaixador do Brasil em Portugal.
 
      No Ceará, como presidente da República, foi quem assinou o ato de construção do Açude Castanhão, reservatório hídrico que hoje abastece Fortaleza da água que o povo toma.
 
     Uma vez, a convite do poeta Barros Pinho, eu fui a um comício em Maranguape. Era ali por volta de 77/78, acho que em 78. Em cima do palanque do PMDB, que então representava a nossa frente ampla das esquerdas contra a ditadura, eu disse para o deputado Paes: “- Faz uns quinze anos, nessa ditadura, que só voto nulo, deputado. Mas estou de volta às urnas, agora para votar de verdade”.  Aí o combatente político tocou meu ombro e disse: “Está na hora de votar. Você é um cidadão consciente”.
 
      De fato, era a hora de voltarmos a votar. E não mais "votando nulo”, como fizera durante pelo menos três lustros. Tanto valeu a pena que, logo em 1979, pela força da voz do povo e pela valentia de tantos democratas, inclusive no Parlamento, com Paes de Andrade, eu iria ouvir na “Voz do Brasil” o ato da nossa própria anistia política.
 
Fort., 18/06/2015.
Gomes da Silveira
Enviado por Gomes da Silveira em 18/06/2015
Reeditado em 18/06/2015
Código do texto: T5281197
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2015. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.