O MELHOR TRAVESSEIRO...
“As obras que eu faço dão testemunho de mim, mostrando que o Pai me enviou.” (João, 5,31-47)
Eu deveria ter meus oito ou nove anos quando obtive uma experiência do valor de se estar com a consciência tranquila, embora na época, sem elaboração de raciocínios suficiente para alcançar a profundidade da lição, não deva ter atribuído ao fato tanta importância. No entanto, é sabido que a principal fundamentação de valores e de personalidade acontece com as vivências aparentemente insignificantes desta fase. E hoje, se me recordo do episódio singelo, não há de ser sem uma razão boa que o justifique.
Lembro que, já naquele tempo, gostava de estudar português. E obtinha pequenas vitórias com o exercício criativo da redação, que volta e meia me valiam elogios de algumas das ótimas professoras que tive o privilégio de contar na minha formação estudantil.
Naquele caso, entretanto, da correção de um exercício de ditado, em que a professora do ano que eu cursava se equivocou, ao considerar ser um s o x com que escrevi a palavra exercício, decepcionou-me grandemente o erro de consideração injusta da docente. Expliquei a ela, ditado valendo pontos na mão, que eu sabia que exercício se escreve com x, e que aquilo era um x!
Ela, naquele dia, porém, talvez enviesada com problemas de outra ordem, mal me olhou, e somente respondeu: ah! Vá me desculpar, mas isso não é um x!
Perdi injustamente um ponto naquele exercício. Mas alguns saldos positivos da experiência ficaram.
O primeiro, é a percepção da realidade de que não importa a sua perspectiva, de dentro de inúmeras circunstâncias, e isso nos ensaia para a necessidade da serenidade diante do posicionamento alheio! Sobretudo em situações em que, estando com a razão, se veja alvo de injustiças, intencionais ou não; porque aquilo era um x, e, de modo algum, se justificaria ser confundido com a letra s! O que pode ter ocorrido é que, no cansaço da correção de dezenas de exercícios, em época em que os professores – louve-se! – ainda se dignavam a fazê-lo, ela cochilou, se enganou - e tirou, do meu x, um meu louro por urubu.
O segundo saldo é que, como ainda hoje se observa, existe o vício lamentável na conduta humana de se nivelar, e muitas vezes gratuitamente, a atitude do próximo por baixo. De nada vale a palavra! Em dependendo da circunstância, você pode dispor de dados palpáveis de que agiu certo, de que concluiu com exatidão - não importa! Porque, se de outro indivíduo depender o juízo de valor de suas ações, e este contar com algum desvio de percepção lamentável, você perderá o seu tempo apresentando provas conclusivas de que dois mais dois são quatro. Na consideração deste outro, dois mais dois serão sempre, e de algum modo, seis!
Mas o terceiro e principal saldo, confirmado um sem número de vezes depois dessa fase incipiente em que os pequenos ensaiam os caminhos por vezes tortuosos do convívio com o outro, é o que nos demonstra a constatação observável no excerto que principia este artigo, ensinado em atitudes e palavras – nesta ordem! – por Jesus, há mais de dois mil anos:
“As obras que eu faço dão testemunho de mim!”
A compreensão e realização desta verdade, amigo leitor, nos colocará, ao longo da eternidade, acima e além das armadilhas das aparências; dos eventuais erros de julgamento, de consideração, e dos episódios lamentáveis da maldade humana, com que vez por outra muitos são perseguidos, no exercício sombrio da calúnia e da maledicência!
Nosso trabalho, nossa exemplificação no dia a dia, nas maiores quanto nas menores coisas, falará por nós - e muito mais alto e eficientemente do que o que poderíamos tentar através do convencimento mediante palavras escritas ou de oratória brilhante!
Jesus, quando entre nós, exemplificou – nada deixou escrito! - e, com isso, nos legou o eterno rastro de Luz, a ser seguido por todos rumo ao autêntico estado de felicidade espiritual, na trajetória do nosso aperfeiçoamento do espírito!
Saibamos, portanto, que não vem ao caso os erros de julgamentos a nosso respeito! Efetivamente, aquele x será eternamente um x, não importando que tenha sido, nalgum momento, e por razões obscuras, confundido com um s!
Façamos de nossa curta jornada material terrena, e nos caminhos do porvir nas dimensões da eternidade, um canteiro de semeadura de amor, de honestidade, de retidão de intenções e de ações na convivência com o próximo e nos desafios diários, para a certeza de uma colheita segura de consciência tranquila!
E, creiam! Que, apesar das tempestades transitórias da vida, por vezes nos ferindo, ameaçando a nossa paz interior, será, esta consciência tranquila, o nosso permanente porto seguro - porque nos sintoniza com as dimensões iluminadas da Espiritualidade amiga e protetora, e aos mesmos desígnios divinos a nos escudarem constantemente contra o assédio insidioso das sombras!
Consciência tranquila!
O melhor dos travesseiros, a que podemos confiar o nosso descanso, de corpo e de alma!