Reforma Política: uma interminável discussão sem proposição
Acima de quaisquer questões, queria colocar em pauta sobre um assunto que, volta e meia, é alardeado. Todavia, entre tantos discursos dos diversos cientistas políticos, quadros partidários, parlamentares e vários formadores de opinião, esse tema vem se arrastando há anos, contudo sem ter um significado mais útil e decisivo. Trata-se da tão mencionada Reforma Política, ansiada por muitos; no entanto efetivada por poucos, em suas práticas e ações políticas efetivas.
Querendo ou não, o atual sistema eleitoral brasileiro não dá qualquer credibilidade tanto às agremiações políticas quanto para a própria classe política. A falta de identidade partidária de muitos partidos políticos (acrescida pelos "partidos de aluguel" e pela prática infame da infidelidade partidária e político-ideológica de vários partidos) reproduz diuturnamente o caos e a falta gradual de credibilidade dos Partidos que, em tese, deveriam ser os depositários da escolha ideológica dos seus eleitores.
Ainda que eu não coloque em qualquer momento o grau ideológico do "eleitor mediano" (onde ainda existe o voto ligado à pessoa e não ao partido), as mazelas do sistema eleitoral reproduzem o personalismo messiânico, o "coronelismo" informal, a compra de votos, dentre outras práticas que em nada contribuem para a solidificação da democracia brasileira.
Se existe por um lado o mito da democracia, na sábia definição de Karl Marx ("a ditadura da maioria sobre a minoria") e de Antonio Gramsci (a respeito do domínio hegemônico pelo consenso, ao invés do aparato coercitivo do Estado), por outro lado, a democracia, se não é o melhor estilo, é o mais aproximado para atender os anseios da população. No caso, não seria essa a liberal - a "democracia" que vê no voto e na participação individual o fim e a razão de ser para uma sociedade mais justa -, mas a rousseauniana, utilizada em larga escala por Leonel Brizola, onde o voto, em si, não é o fim, mas é um meio, dentre outras formas diretas de participação popular mais direta.
Seja como for, é um tema bastante polêmico. No entanto, arrisco-me a mencionar alguns pontos, ainda que, por eles, eu possa ser elogiado ou criticado. No entanto, não me furto de fazê-las integralmente, independentemente daquilo que penso.
Os pontos principais que norteiam a Reforma Política são, a saber:
1) FINANCIAMENTO: O grau abusivo do uso indiscriminado do poder econômico, inclusive com práticas nefastas e lesivas à própria democracia (como o famoso "Caixa 2" e o tráfico de influência, por meio de "pactos escusos" - através de vantagens posteriores na Administração Pública feitas pela chapa vitoriosa, por meio de vantagens nas licitações e de parlamentares que façam os seus lobbies), impede que o financiamento privado possa sustentar o caráter participativo de promissoras lideranças populares. As poucas que existem, por meio de sua atuação política nos diversos movimentos sociais, são corrompidas pelos esquemas de financiamento privado (e reféns, no seu mandato eletivo, dos interesses dos seus doadores). Caso contrário, sequer possuem êxito em sua empreitada eleitoral. Raríssimos exemplos existem de lideranças políticas autênticas que, furando o bloqueio dos grandes financiadores, levaram a cabo suas propostas e seu projeto de sociedade e tiveram o aval legítimo dos seus eleitores. São as mesmas lideranças, em certos casos, alijadas dos grandes meios de comunicação, que possuem o espaço reduzido, mal tendo um "holofotezinho" do portal da internet da instituição que os representa, seja no Poder Executivo ou no Legislativo. Muitas vezes, em nome da "democracia capitalista", esses parlamentares - ou até prefeitos e governadores eleitos - não tem o espaço à altura de sua conquista nas próprias instâncias partidárias, pois esses, com independência, conseguiram legitimar o seu espaço e esforço com o voto popular. É por esse voto que estes políticos estão comprometidos; alheios aos pactos, alianças pragmáticas e, quiçá, em certos momentos, espúrias e escroques - maléficas à democracia liberal (no sentido mais formal e institucionalizado) e subserviente a interesses antipopulares ou meramente corporativistas.
No caso, o finaciamento público de campanha ou o misto (colocando limites para a doação de recursos e o maior controle frente às formas ilegais de captação de verbas) seria uma forma possível (não perfeita, por sinal) para sanar, em parte, certas mazelas que se reproduzem continuamente, por conta da falta de interesse e vontade política de parcelas dos setores políticos em adequar o sistema eleitoral à soberania do sufrágio universal.
2) ESCOLHA DOS PARLAMENTARES PELO PARTIDO: Embora a ordem vigente seja a votação aberta (em tese, democrática), nada impede que a lista aberta fique à mercê das oligarquias partidárias que, em convenções partidárias, lima um ou outro aspirante e põem, por vezes, pessoas que sequer tem identificação ideológica com o partido, com a sua linha programática, com a sua militância e com os seus compromissos históricos. Por vezes, muitos, por conta do seu prestígio social ou financeiro, cooptam e subornam os dirigentes partidários, estando, em um espaço privilegiado, ao lado dos quadros políticos reconhecidos do partido, na escolha da nominata.
Por outro lado, a lista fechada (ou pré-ordenada), embora pareça "antidemocrática", é a forma mais séria de dar identidade ao Partido e aos quadros que o representam. Embora, a princípio, possa parecer bem oligarquizado, a sua prática faz com que os líderes políticos (oriundos dos diversos segmentos representativos da sociedade civil) possam ascender politicamente, a partir do cargo eletivo mais simples (o de Vereador) para galgar gradualmente aos diversos postos, tendo em mente não só a ascensão política do quadro político - contudo o GRAU DE IDENTIFICAÇÃO DO POLÍTICO COM O PARTIDO. Isto remete diretamente a dois itens: o da fidelidade partidária e do financiamento público de campanha. A fidelidade remete diretamente à idéia de que o cargo que a pessoa tem se identifica com o do Partido que ele pertence. Já o financiamento público consiste que a doação pública vem ao respectivo partido e não à pessoa postulante ao cargo eletivo, de forma que o aspirante ao parlamento ou ao cargo do Executivo não fará campanha mais para si e sim ao seu Partido, com seus compromissos político-ideológicos. Esta, sim, é a questão chave e polêmica que norteará a discussão da Reforma Política e que incomodará muitos setores dos diversos partidos, pois mexe com diversos interesses imediatos de longa data.
A minha proposição, frente à situação histórica brasileira, residiria na lista PRÉ-ORDENADA MISTA, onde parte seria escolhida partidariamente, a partir dos parlamentares eleitos e os que já foram candidatos pelo partido na eleição anterior (o que não significa, necessariamente, que eles serão eleitos "ad eternum", até porque, como a política é dinâmica, diversos fatos supervenientes podem tanto legitimar como descredenciar vários quadros políticos) e a outra parte, escolhida pela militância (na modalidade direta) ou pelo diretório (no estilo oligárquico), cabendo aos partidos escolher o tipo de escolha.
3) FIDELIDADE POLÍTICA: Ela não deve apenas estar ao campo do compromisso do político com a agremiação partidária, mas, radicalizando, do próprio partido, com os compromissos programáticos. O partido que se destoasse de sua aliança em "federações", no campo parlamentar, perderia verbas do fundo partidário, como forma exemplar de punição. A fidelidade partidária está associada diretamente ao comprometimento do filiado ao seu partido e não aos interesses intermediários ou lobbies.
4) CLÁUSULA DE BARREIRA: Ela deve existir, no sentido de fortalecer e dar credibilidade aos partidos políticos representativos, embarreirando os "partidos de aluguel" e os nanicos. No entanto, a necessidade de manter partidos pequenos representativos de cunho histórico (PCdoB, PV e inclusive o PSC) faz com que a cláusula de barreira seja um pouco mais amena. Na minha visão, acho que deveria aumentar o percentual de 2 para 3% da votação e manter o ítem, ao menos, de 1 parlamentar por cada estado, no total mínimo de 5 estados da federação. A idéia da cláusula de barreira, por mais antagônica que possa parecer a minha afirmação tautológica, é democrática, uma vez que assegura à população uma maior representatividade e identificação aos partidos existentes, ao invés da salada mista, com mais de 25 legendas que convivem entre si na democracia tupiniquim.
5) FUNDO PARTIDÁRIO: A proposta atual é que 1% do valor seja dividido aos partidos existentes, 14% aos partidos com representação parlamentar e 85% divididos proporcionamente ao número de parlamentares que cada partido possuem. Tal assertiva privilegia os partidos do "status qüo" (PT, PSDB, DEMO e PMDB), não contemplando, por vezes, partidos com representação e caráter histórico, tanto à esquerda quanto ao centro e à direita (PDT, PCdoB, PSB, PTB, PP, PR, PSC, PV e PPS). Sugiro que o percentual de partidos com representação no Congresso aumente de 14% para 29% e 70% seja destinado aos partidos com seus respectivos números de parlamentares proporcionalmente, ao invés dos 84%. Igualmente, defendendo o projeto de lei sobre Reforma Política, para evitar a máfia de determinados "caciques" e dirigentes partidários, no sentido de maior lisura, nenhuma verba orçamentária do fundo partidário deverá ser utilizada por qualquer candidato a cargo eletivo, pois já existirá o financiamento público (ou misto) de campanha.
6) REGRAS DE ADMISSÃO, PUNIÇÃO E EXPULSÃO DO FILIADO AO PARTIDO: Cada partido é soberano, em seu estatuto, para decidir as regras de filiação, seus deveres e direitos, além dos critérios de punição e expulsão, tendo o militante infrator - ou indiciado como tal - o direito de defesa (até por conta do Estado Democrático de Direito vigente na Constituição de 1988 que, por seus princípios, não pode compactuar com organizações de fundo nitidamente antidemocrático ou com práticas autoritárias de funcionamento). O partido tem autonomia para reger o seu funcionamento, as formas de contribuição e a eleição dos seus dirigentes, entre os integrantes de Diretórios e Executivas do partido, nas suas diferentes esferas (municipal, estadual e nacional).
7) ESCOLHA DOS PARLAMENTARES: Além da listagem pré-ordenada mista e a criação de federações, o atual modelo, por conta do voto de legenda, está esgotado - seja pela infidelidade partidária, pelo enfraquecimento dos partidos e pelo poderio econômico. Dos parlamentares eleitos atualmente na Câmara dos Deputados, 4% foram eleitos diretamente pelos seus votos e 96% tiveram de ser eleitos pelo coeficiente eleitoral do partido (pelo voto dado à legenda do partido ou mesmo pelo "puxador" de votos da agremiação, isto é, o parlamentar mais votado do partido).
Embora eivadas de polêmicas, este tema é passível de uma forte discussão. Enfim, um debate que envolva a população na escolha plausível e legítima dos seus representantes, ainda que em meio às falhas nos mecanismos de escolha dos postulantes aos diversos cargos eletivos.