Conclusões do livro "O Capital no Séc. XXI"

O best-seller "O Capital no Século XXI", escrito pelo frances Thomas Piketty, é um dos livros mais vendidos do mundo desde o seu lançamento em 2013.

O livro procura debater sobre a desigualdade de renda no mundo, e nele, Piketty defende que no capitalismo existe a tendência inerente à concentração de renda, fato que intensifica a desigualdade sócio-econômica.

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Para quem se interessar pelo livro, ele é facilmente encontrado na internet em português e em formato pdf.

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Vou postar aqui uma parte da conclusão do livro, para quem estiver interessado.

Os principais resultados obtidos neste estudo

Quais foram as principais conclusões que pude tirar dessas fontes históricas inéditas? A primeira é que se deve sempre desconfiar de qualquer argumento proveniente do determinismo econômico quando o assunto é a distribuição da riqueza e da renda. A história da distribuição da riqueza jamais deixou de ser profundamente política, o que impede sua restrição aos mecanismos puramente econômicos. Em particular, a redução da desigualdade que ocorreu nos países desenvolvidos entre 1900-1910 e 1950-1960 foi, antes de tudo, resultado das guerras e das políticas públicas adotadas para atenuar o impacto desses choques.

Da mesma forma, a reascensão da desigualdade depois dos anos 1970-1980 se deveu, em parte, às mudanças políticas ocorridas nas últimas décadas, principalmente no que tange à tributação e às finanças. A história da desigualdade é moldada pela forma como os atores políticos, sociais e econômicos enxergam o que é justo e o que não é, assim como pela influência relativa de cada um desses atores e pelas escolhas coletivas que disso decorrem. Ou seja, ela é fruto

da combinação, do jogo de forças, de todos os atores envolvidos.

A segunda conclusão, que constitui o cerne deste livro, é que a dinâmica da distribuição da riqueza revela uma engrenagem poderosa que ora tende para a convergência, ora para a divergência, e não há qualquer processo natural ou espontâneo para impedir que prevaleçam as forças desestabilizadoras, aquelas que promovem a desigualdade.

Comecemos pelos mecanismos que levam à convergência, isto é, que

reduzem e comprimem a desigualdade. As principais forças que propelem a convergência são os processos de difusão do conhecimento e investimento na qualificação e na formação da mão de obra. A lei da oferta e da demanda, assim como a mobilidade do capital e do trabalho (uma variante dela), pode operar a favor da convergência, mas de maneira menos intensa, e muitas vezes de forma ambígua e contraditória. O processo de difusão de conhecimentos e

competências é o principal instrumento para aumentar a produtividade e ao mesmo tempo diminuir a desigualdade, tanto dentro de um país quanto entre diferentes países, como ilustra a recuperação atual das nações ricas e de boa parte das pobres e emergentes, a começar pela China. Ao adotar os métodos de produção e alcançar os níveis de qualificação de mão de obra dos países mais ricos, as economias emergentes conseguiram promover saltos na produtividade,

aumentando a renda nacional. Esse processo de convergência tecnológica pode ser favorecido pela abertura comercial, mas trata-se, em essência, de um processo de difusão e partilha do conhecimento — o bem público por excelência —, e não de um mecanismo de mercado.

De um ponto de vista estritamente teórico, pode haver outras forças que

aumentem o grau de igualdade. É possível, por exemplo, supor que as tecnologias de produção tendem a exigir uma capacitação crescente do trabalhador, de tal modo que a participação do trabalho na renda deveria aumentar (enquanto a do capital deveria diminuir), algo que poderíamos chamar de “hipótese do capital humano crescente”. Ou seja, o progresso da racionalidade tecnológica deveria conduzir automaticamente ao triunfo do capital humano sobre o capital financeiro e imobiliário, dos executivos mais habilidosos sobre os grandes acionistas, da competência sobre o nepotismo. Se assim fosse, a desigualdade se tornaria, por natureza, mais meritocrática e menos estática (embora não necessariamente mais baixa) ao longo da história: a racionalidade econômica, nesse caso, levaria à racionalidade democrática.

Outra crença otimista muito difundida na atualidade é a ideia de que o

aumento da expectativa de vida faria com que a “luta de classes” fosse

substituída pela “luta das gerações” — uma forma de conflito muito menos polarizada e aguerrida do que os conflitos de classe, pois, afinal, todos seremos jovens e velhos em algum momento de nossas vidas. Esse inexorável fato biológico supostamente leva a crer que a acumulação e a distribuição da riqueza não mais conduziriam a um confronto implacável entre as dinastias de herdeiros e as dinastias dos que nada possuem além da sua força de trabalho, mas sim a uma lógica de poupança do ciclo da vida: as pessoas constroem seu patrimônio

durante a juventude para que possam manter determinado padrão de vida na velhice. O progresso da medicina, aliado às melhorias da qualidade de vida, muitos argumentam, teria transformado por completo a própria natureza do capital.

Infelizmente, as duas crenças otimistas (a “hipótese do capital humano

crescente” e a substituição da “luta de classes” pela “luta das gerações”) são em grande parte ilusões. Transformações desse tipo são logicamente plausíveis e, em certa medida, reais, mas sua influência é bem menor do que se gostaria de imaginar. Não há evidência de que a participação do trabalho na renda nacional tenha aumentado de modo substancial ao longo dos anos. O que se sabe é que o capital (não humano) é quase tão indispensável no século XXI quanto foi nos séculos XVIII e XIX — e que é possível que se torne ainda mais indispensável no futuro. Podemos também afirmar que, tal qual acontecia no passado, a desigualdade da riqueza ocorre, sobretudo, dentro de cada faixa etária, e

veremos que a riqueza herdada é quase tão decisiva para o padrão de vida de uma família no século XXI quanto era na época em que Balzac escreveu O pai Goriot. No longo prazo, a força que de fato impulsiona o aumento da igualdade é a difusão do conhecimento e a disseminação da educação de qualidade.

Forças de divergência

Ainda que a difusão do conhecimento seja muito potente, sobretudo para

promover a convergência entre países, às vezes ela pode ser contrabalançada e dominada por outras forças que operem no sentido contrário — as de divergência, isto é, na direção do aumento da desigualdade. É evidente que a falta de investimento adequado na capacitação da mão de obra pode excluir grupos sociais inteiros, impedindo-os de desfrutar dos benefícios do crescimento

econômico, ou até mesmo rebaixá-los em benefício de novos grupos sociais:

vejam, por exemplo, a substituição de operários americanos e franceses por operários chineses. Ou seja, a principal força de convergência — a difusão do conhecimento — só é natural e espontânea em parte. Ela também depende muito das políticas de educação e do acesso ao treinamento e à capacitação técnica, e de instituições que os promovam.

Neste livro, procuro dar atenção especial a algumas das forças de divergência mais preocupantes — elas são tão inquietantes porque podem existir mesmo num mundo onde haja um nível de investimento adequado em treinamento e capacitação da mão de obra e onde todas as condições que asseguram a eficiência dos mercados (na definição dos economistas) estejam presentes.

Quais são essas forças de divergência? São aquelas que garantem que os

indivíduos com os salários mais elevados se separem do restante da população de modo aparentemente intransponível, ainda que por ora esse problema pareça um tanto pontual e localizado. São também, sobretudo, um conjunto de forças de divergência atreladas ao processo de acumulação e concentração de riqueza em um mundo caracterizado por crescimento baixo e alta remuneração do capital.

Esse segundo processo é potencialmente mais desestabilizador do que o primeiro, o do distanciamento dos salários, e sem dúvida representa a principal ameaça para a distribuição igualitária da riqueza no longo prazo.

Vamos direto ao ponto: os Gráficos I.1 e I.2 ilustram duas regularidades sobre as quais discorrerei a seguir, uma vez que elas evidenciam a relevância dos dois processos de divergência. Ambos mostram curvas em formato de “U”, isto é, momentos de queda da desigualdade seguidos de aumentos expressivos.

Poderíamos supor que as realidades representadas nos dois gráficos se

assemelham, mas isso não é verdade. Os fatores que explicam cada gráfico são distintos e envolvem mecanismos econômicos, sociais e políticos bem diferentes.

A primeira curva retrata a desigualdade de renda nos Estados Unidos, enquanto as representadas no Gráfico I.2 dizem respeito sobretudo à Europa e poderiam se aplicar também ao Japão. Não é fora de propósito acreditar que essas duas forças de divergência venham a se juntar ao longo do século XXI — na verdade, isso já é, em parte, realidade em alguns países — e ainda se generalizar para o mundo todo. Nesse caso, alcançaríamos níveis de desigualdade jamais vistos, além de nos defrontarmos com uma estrutura de desigualdade inédita. Até o

momento, entretanto, essas duas impressionantes evoluções correspondem a dois fenômenos distintos.

A curva representada no Gráfico I.1 mostra a participação do décimo superior da hierarquia de distribuição de renda na renda nacional americana durante o período 1910-2010. Trata-se simplesmente da extensão das séries históricas elaboradas por Kuznets nos anos 1950. Encontramos de fato ali a forte compressão das desigualdades observada por Kuznets entre 1913 e 1948, com uma baixa de quinze pontos na participação do décimo mais alto, que detinha cerca de 45-50% da renda nacional entre 1910 e 1920 antes de cair para 30-35% ao final dos anos 1940. Em seguida, a desigualdade se estabilizou nesse nível de

1950 a 1970. Depois se observa um aumento muito rápido da desigualdade a partir dos anos 1970-1980, até que, quando chegamos aos anos 2000-2010, retornamos ao nível anterior de 45-50% da renda nacional — isto é, voltamos a ver os mais ricos se apropriarem de quase metade da renda do país. A amplitude da reviravolta é impressionante. É natural se perguntar até onde pode ir uma tendência desse tipo.

Essa elevação espetacular da desigualdade reflete, em grande medida, a

explosão sem precedentes de rendas muito altas derivadas do trabalho, um verdadeiro abismo entre os rendimentos dos executivos de grandes empresas e o restante da população. Uma explicação possível é que tenha havido um aumento repentino da qualificação e da produtividade desses superexecutivos, em comparação com a de outros assalariados. Outra explicação, que me parece mais plausível e também mais condizente com as evidências, é que os executivos conseguem estabelecer a sua própria remuneração, às vezes sem limite algum

ou mesmo sem relação clara com sua produtividade individual, que, de todo modo, é muito difícil de mensurar sobretudo nas grandes corporações. Tal evolução se observa, principalmente, nos Estados Unidos e, em menor grau, no Reino Unido, o que pode ser explicado pela história das normas sociais e fiscais que caracteriza esses dois países durante o século XX. A tendência é menos visível nos outros países ricos (Japão, Alemanha, França e outros da Europa continental), mas segue na mesma direção. Seria prematuro achar que esse fenômeno pode alcançar em outros países as mesmas proporções a que chegou nos Estados Unidos antes que se tenham submetido todos eles a uma análise

completa — o que não é tão simples, levando-se em conta os limites dos dados disponíveis.

Essa “curva em U” corresponde a uma transformação absolutamente

fundamental, assunto que revisitaremos várias vezes ao longo do livro. O

reaparecimento das relações elevadas entre o estoque de capital e o fluxo de renda nacional durante as últimas décadas se explica pela volta de um regime de crescimento relativamente lento. Nas economias que crescem pouco, a riqueza acumulada no passado naturalmente ganha uma importância desproporcional, pois basta um pequeno fluxo de poupança para aumentar o estoque de forma constante e substancial.

Se, além disso, a taxa de retorno do capital permanecer acima da taxa de

crescimento por um período prolongado (o que é mais provável quando a taxa de crescimento é baixa, embora isso não seja automático), há um risco muito alto de divergência na distribuição de renda.

Essa desigualdade fundamental, que denotarei como r > g, em que r é a taxa de remuneração do capital (isto é, o que rende, em média, o capital durante um ano, sob a forma de lucros, dividendos, juros, aluguéis e outras rendas do capital, em porcentagem de seu valor) e g representa a taxa de crescimento (isto é, o crescimento anual da renda e da produção), desempenhará um papel essencial neste livro. De certa maneira, ela resume a lógica das minhas conclusões.

Quando a taxa de remuneração do capital excede substancialmente a taxa de crescimento da economia — como ocorreu durante a maior parte do tempo até o século XIX e é provável que volte a ocorrer no século XXI —, então, pela lógica, a riqueza herdada aumenta mais rápido do que a renda e a produção. Basta então aos herdeiros poupar uma parte limitada da renda de seu capital para que ele cresça mais rápido do que a economia como um todo. Sob essas condições, é quase inevitável que a fortuna herdada supere a riqueza constituída durante uma vida de trabalho e que a concentração do capital atinja níveis muito altos,

potencialmente incompatíveis com os valores meritocráticos e os princípios de justiça social que estão na base de nossas sociedades democráticas modernas.

Essa força de divergência fundamental pode, além disso, ser reforçada por

outros mecanismos, como, por exemplo, se a taxa de poupança aumentar muito com o nível de riqueza ou, ainda, se a taxa média de retorno do capital for maior quanto mais elevada for a dotação inicial de capital de um indivíduo (como parece ser cada vez mais comum). O caráter imprevisível e arbitrário do retorno do capital, que permite que a riqueza aumente de diversas maneiras, também apresenta um desafio para o ideal meritocrático. Por fim, todos esses efeitos podem ser agravados pelo princípio da escassez ricardiano: as altas cotações do petróleo ou os preços elevados dos imóveis podem contribuir para a

divergência estrutural.

Em suma, os processos de acumulação e distribuição da riqueza contêm em si poderosas forças que impulsionam a divergência, ou, ao menos, levam a um nível de desigualdade extremamente elevado. Há, também, forças de convergência, e em alguns países ou em determinados momentos elas podem predominar; contudo, as forças de divergência têm sempre a capacidade de se restabelecer, como parece estar acontecendo no mundo agora, neste início do século XXI. A queda provável no crescimento econômico e no ritmo de expansão da população ao longo das próximas décadas torna essa tendência ainda mais alarmante.

Boris Becker
Enviado por Boris Becker em 22/04/2015
Código do texto: T5215756
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