Administração Pública: o devido pagamento dos precatórios e o princípio da moralidade administrativa
Certamente, deve-se afirmar que a Administração Pública, ao adimplir suas próprias dívidas, está respeitando o princípio da moralidade administrativa, eis que demonstra agir com lealdade, transparência e boa fé.(1)
Aliás, como pontuado por Christian Luís de Oliveira Girardi, quanto à moralidade do Estado, seria plausível indagar: “se o governo não paga suas próprias dívidas, por que os cidadãos devem pagar? A função social do Estado não se compatibiliza com o seu descrédito”. (2)
Nesse contexto, vale transcrever o voto do Min. Rel. Ayres Brito a repeito do Regime Especial de pagamento de precatorios, instituído pela Emenda Constitucional 62/2009 (3):
Certamente, deve-se afirmar que a Administração Pública, ao adimplir suas próprias dívidas, está respeitando o princípio da moralidade administrativa, eis que demonstra agir com lealdade, transparência e boa fé.(1)
Aliás, como pontuado por Christian Luís de Oliveira Girardi, quanto à moralidade do Estado, seria plausível indagar: “se o governo não paga suas próprias dívidas, por que os cidadãos devem pagar? A função social do Estado não se compatibiliza com o seu descrédito”. (2)
Nesse contexto, vale transcrever o voto do Min. Rel. Ayres Brito a repeito do Regime Especial de pagamento de precatorios, instituído pela Emenda Constitucional 62/2009 (3):
50. Com a devida vênia daqueles que entendem diversamente, penso adequada a referência dos autores à Emenda Constitucional nº 62/2009 como a “emenda do calote”. Calote que termina por ferir o princípio da moralidade administrativa, que se lê no caput do art. 37 da Constituição Federal, na medida em que se reconheça – como pessoalmente reconheço – o adimplemento das próprias dívidas como um dos necessários conteúdos do princípio da moralidade administrativa. Noutros termos, o Estado reconhece que não cumpriu, durante anos, as ordens judiciais de pagamento em desfavor do Erário; propõe-se a adimpli-las, mas limitado o valor a um pequeno percentual de sua receita. Com o que efetivamente força os titulares de créditos assim inscritos a levá-los a leilão. Certame em que o objeto a ser “arrematado” é o direito à execução de sentença judicial transitada em julgado! E que tem por “moeda”, exatamente, o perdão de parte desse direito! Pelo que se verifica, de pronto, a inconstitucionalidade do inciso I do § 8º e de todo o § 9º, ambos do art. 97 do ADCT (grifo nosso).
Acerca da violação ao princípio da moralidade administrativa, são pertinentes os ensinamentos do jurista Leonardo Carneiro de Cunha (4):
A instituição do regime especial para pagamento de precatórios viola, em verdade, princípio constitucional da moralidade administrativa. Segundo Humberto Ávila, o art. 37 da Constituição Federal põe a moralidade como sendo um dos princípios fundamentais da atividade administrativa, mas o texto constitucional, “longe de conceder uma palavra isolada à moralidade, atribui grande importância em vários dos seus dispositivos. A sumária sistematização do significado preliminar desses dispositivos demonstra que a Constituição Federal preocupou-se com padrões de conduta de vários modos”.
[...]
Tudo está a demonstrar que o texto constitucional impõe que a conduta administrativa seja impulsionada por grande carga ética. Os recursos públicos devem ser aplicados e geridos com seriedade, motivação, objetividade e correção, atendendo ao interesse público.
Tudo está a demonstrar que o texto constitucional impõe que a conduta administrativa seja impulsionada por grande carga ética. Os recursos públicos devem ser aplicados e geridos com seriedade, motivação, objetividade e correção, atendendo ao interesse público.
Significa que ofende a moralidade administrativa não cumprir determinada promessa, bem como frustrar uma expectativa legítima criada pela própria Administração. Se não atende à moralidade administrativa legítima frustrar uma expectativa legítima criada pela própria Administração, ofende, a fortiori, o descumprimento de ordem judicial, que reconheceu expressamente um direito a ser atendido pelo Poder Público.
[...]
A moralidade administrativa relaciona-se, como se percebe, com a confiança legítima que se deve ter frente aos atos públicos.
A instituição do regime especial para pagamento de precatórios é incompatível com a confiança legítima, atentando contra a lealdade e boa-fé, necessárias à promoção da moralidade administrativa. (grifamos)
A moralidade administrativa relaciona-se, como se percebe, com a confiança legítima que se deve ter frente aos atos públicos.
A instituição do regime especial para pagamento de precatórios é incompatível com a confiança legítima, atentando contra a lealdade e boa-fé, necessárias à promoção da moralidade administrativa. (grifamos)
Outrossim, não é demais salientar que, de acordo com a Teoria dos Atos Próprios, não pode se contrariar conduta anterior causando prejuízo a quem confiara na atitude inicial, sendo aplicável a mencionada teoria no âmbito das relações com a Administração Pública.(5)
Dessa forma, não é admissível que a expectativa do credor em receber o seu crédito seja frustrada, em razão de tal expectativa haver sido criada pela própria Administração quando reconheceu expressamente um direito a ser atendido pelo Poder Público. Há, nesse caso, a violação da confiança legítima, ferindo-se, assim, a lealdade e boa-fé que deveriam ser inerentes a qualquer ato administrativo.
Nesse sentido, cabe transcrever as lições de Diogo de Figueiredo Moreira Neto (6)
Como se observa, a segurança jurídica é um megaprincípio do Direito, o cimento das civilizações, que, entre outras importantes derivações relevantes para o Direito Administrativo, informa particularmente o princípio da confiança legítima, o princípio da boa-fé objetiva, o princípio da coerência administrativa, o instituto da presunção de validade dos atos do Poder Público e a teoria da evidência, como adiante serão expostos. (Grifei)
Ademais, é de se ressaltar que a questão da moralidade administrativa no cumprimento das obrigações é tão séria que a própria Constituição dispõe expressamente a respeito da responsabilização do Presidente do Tribunal em caso de retardamento ou tentativa de frustrar a liquidação regular de precatórios, nos termos do artigo 100, § 7º da Constituição Federal.
Dessa forma, pela leitura do artigo acima mencionado, tem-se que, paralelamente à caracterização do crime de responsabilidade estabelecido pela Constituição, os Presidentes dos Tribunais deverão responder administrativamente perante o CNJ.
Todavia, o jurista Francisco Wildo Lacerda Dantas observa que tal previsão constitucional é absolutamente inócua, não pelo fato de desconhecer a existência de um único precatório deixar de ser pago por ato do Presidente do Tribunal comissivo ou omissivo, mas, sim, pela não inclusão no orçamento por parte da entidade devedora, em flagrante desrespeito à requisição judicial (7)
Nesse sentido, afirma que (8):
A norma, no meu modesto pensar, é, pois, supérflua e somente pode se explicar como uma espécie de satisfação do constituinte reformador pelas mudanças introduzidas em respeito ao administrador, a quem cabe incluir as verbas devidas ao pagamento do precatório e dispô-las para que o pagamento se realize no prazo estabelecido.
Como bem pontuado por Kiyoshi Harada, o precatório enseja diversas consequências, dentre as quais, deve-se destacar a caracterização do ato de improbidade administrativa, nos termos do que preconiza o art. 11, incisos I e II da Lei 8.429/92. (9)
Portanto, tendo em vista o cumprimento dos diversos princípios estabelecidos pela Constituição Federal, sobretudo, o princípio da moralidade administrativa, é forçoso admitir que o sistema de precatórios está sujeito a todos os tipos de controles aos quais estão submetidos os atos administrativos.
Notas de rodapé:
(1) GARCIA, Fernando Couto. O princípio jurídico da moralidade administrativa. Disponível em: . Acesso em: 1 ago. 2013.
(2) GIRARDI, Christian Luís de Oliveira. Precatórios: a inconstitucionalidade da EC 62/2009, a esterilização. Acesso em 9 set. 2013. 60 BRASIL.
(3) Supremo Tribunal Federal. Voto do Min. Relator. Ayres Britto – EC AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 4.357 DISTRITO FEDERAL. jun. 2011. 8. p. Disponível em . Acesso em: 9 set. 2013
(4) CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 11. ed. São Paulo: Dialética, 2013. p. 393. 62 SCHREIBER, Anderson.
(5) SCHREIBER, Anderson. A Teoria dos Atos Próprios e a segurança jurídica. Aplicação da Teoria dos Atos Próprios aos Atos Administrativos. Disponível em: . Acesso em: 27 mar. 2014.
(6) NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Curso de Direito Administrativo. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 84.
(7) DANTAS, Francisco Wildo Lacerda. Execução contra a Fazenda Pública. Regime de Precatório. 2. ed. São Paulo: Método, 2010. p. 363.
(8) Ibid., p. 364.
(9) HARADA, Kiyoshi. Descumprimento de precatório judicial. Ato de Improbidade administrativa. Mobilização da sociedade. Disponível em: . Acesso em: 27 out. 2013
Bibliografia:
CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 11. ed. São Paulo: Dialética, 2013. p. 393. 62 SCHREIBER, Anderson.
DANTAS, Francisco Wildo Lacerda. Execução contra a Fazenda Pública. Regime de Precatório. 2. ed. São Paulo: Método, 2010.
NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Curso de Direito Administrativo. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009.
GIRARDI, Christian Luís de Oliveira. Precatórios: a inconstitucionalidade da EC 62/2009, a esterilização. Acesso em 9 set. 2013. 60 BRASIL.
HARADA, Kiyoshi. Descumprimento de precatório judicial. Ato de Improbidade administrativa. Mobilização da sociedade. Disponível em: . Acesso em: 27 out. 2013
SCHREIBER, Anderson. A Teoria dos Atos Próprios e a segurança jurídica. Aplicação da Teoria dos Atos Próprios aos Atos Administrativos. Disponível em: . Acesso em: 27 mar. 2014.
Supremo Tribunal Federal. Voto do Min. Relator. Ayres Britto – EC AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 4.357 DISTRITO FEDERAL. jun. 2011. 8. p. Disponível em . Acesso em: 9 set. 2013