Virgem de Itapiranga IV
Ouvindo outras opiniôes
Muitas vezes, ao fazermos algum trabalho, esquecemos o óbvio. O óbvio no caso das aparições é consultar quem lida com isso no dia a dia. Assim pensando me dirigi a Fundação Allan Kardec em busca de alguém que me desse uma opinião do ponto de vista do espiritismo, a respeito das Aparições de Nossa Senhora. Tive a felicidade de encontrar uma senhora, amiga de longa data – que eu não sabia ser líder espírita - que se prontificou a falar sobre o assunto. Impôs a condição de permanecer no anonimato, porque falaria de suas experiências pessoais e não em nome da Instituição. Justificou que os kardecistas não gostam de criar polêmicas e que os esclarecimentos que prestaria, seriam uma espécie de caridade para com as pessoas confusas ante tantas notícias contraditórias..
Esta senhora nasceu dentro do kardecismo e já esta á mais de 30 anos liderando o movimento espírita no qual, entre outras coisas, é orientadora de cursos do Ensino Sistematizado da Doutrina Espírita, assim como dirigiu mesas mediúnicas de perder a conta. Vou tentar sintetizar a conversa muito demorada que tivemos.
Manifestações espirituais
Em primeiro lugar, as aparições, manifestações, quer por psicofonia ou psicografia não são consideradas miraculosas ou sobrenaturais. São manifestações de espíritos que, na maior parte das vezes, vêm pedir ajuda. Os espíritos que se manifestam para trazer mensagens, são evoluídos e prestam ajuda àqueles que ainda estão no “envoltório carnal”. (Com isso ela se refere a todos os que ainda estão vivos). Os espíritos necessitados são em maior número, segundo ela, e se manifestam com maior freqüência, têm necessidade de ajuda e muitas vezes se encostam até em quem não está capacitado para dar esta ajuda. Por isso os Centros Espíritas promovem as mesas mediúnicas para que estes espíritos perdidos possam encontrar apoio e orientação seguras. Mesmo sendo uma pessoa experiente e capacitada, ela conhece suas limitações e não participa de atos que podem gerar conseqüências negativas. Pergunto-lhe que atos seriam estes.
- Por exemplo, muitas pessoas me procuram pensando que eu deva entrar em contato com um ente querido, falecido há algum tempo. Eu digo a estas pessoas que podem participar de grupos de preces em mesas mediúnicas. Se alguma entidade quiser se manifestar, nessa ocasião, o grupo tem condições de avaliar sua autenticidade. Se eu evocar espíritos, estando sozinha, qualquer malandro desencarnado pode se apresentar como sendo aquele espírito, fazendo imitação de voz e tudo. Se eu falar para a pessoa, ávida em saber notícias, de que esta é uma demonstração falsa, ela não acredita. Também evito de, sozinha, fazer preces em lugares de muito sofrimento, onde aconteceram grandes tragédias ou cemitérios. Isto pode ter um efeito muito nocivo. É como oferecer um prato de comida a um indivíduo que está cercado de gente faminta. Aqueles famintos podem vir atrás da gente até a nossa casa ou trabalho. Somente pessoas espiritualmente evoluídas e moralmente corretos, conseguem neutralizar este efeito.
Os espíritos evoluídos, por serem mais puros, não se manifestam para satisfazer curiosidade, nem escolhem como médium uma pessoa moralmente devassa. Nada a ver com vidente Edson Glauber, que parece levar uma vida correta. Contudo, espíritos como de Maria ou de Jesus (para os kardecistas Jesus é o Irmão Maior e não filho unigênito de Deus), dificilmente se manifestariam personalizados, mesmo porque seriam tão luminosos que não poderíamos vê-los.
Identidade dos espíritos
No caso específico das aparições em Itapiranga, ela acredita que há espíritos querendo transmitir mensagens, mas não se trata de Maria nem de Nosso Senhor. Ela continua dizendo que, das manifestações espíritas analisadas pela Federação Espírita Brasileira, somente 2% (dois por cento) são consideradas autênticas. Nas mensagens de Maria, segundo ela, há contradições. Pelos relatos contidos no livro Terra da Fé, volume 2 há manifestação de mais de um espírito. Isto é, não é sempre o mesmo espírito que se apresenta como Maria. Ela cita o caso do Tribunal dos Céus (uma manifestação relatada no livro) como um relato cheio de medos infantis. Não é compreensível que, conforme o relato, Jesus presidisse um julgamento de dois jovens, querendo condená-los, Maria intercedendo por eles e o demônio puxando-os do outro lado. Maria Santíssima só obteve sucesso porque contou com a ajuda das orações da terra. É um tanto bizarro. Ela diz que há muitas outras. Os relatos também são dúbios. Não citam nomes, endereços e outros dados que poderiam identificar as pessoas favorecidas pela graça de Maria. Por outro lado a Santa não é muito amorosa. Pelos relatos que constam do mesmo livro, ela não gosta de ser desrespeitada, porque castiga feio as pessoas que fazem pouco caso de suas mensagens. Espíritos evoluídos não têm este comportamento.
Nossa imaginação
Ela recomenda muita cautela em ver imagens em sombras, em nuvens ou em manchas provocadas pela luz ou pela infiltração de água. A nossa própria mente pode nos pregar peças e veremos e ouviremos aquilo que queremos ver ou ouvir. “Um músico é capaz de perceber melodias no barulho do vento ou nos pingos da chuva”, completa minha amiga.
Falou ainda do local das aparições em Itapiranga. onde, segundo ela,num passado remoto, deve ter havido muito sofrimento. Muito sangue derramado, muito espírito que não se desvinculou daquelas cenas e que precisa de preces para deixar aquela “vida” errática.
Deve-se sempre levar em conta que os espíritas não crêem na existência do Céu e do Inferno da mesma maneira como os demais cristãos.
Confesso aos caros leitores que saí do encontro um pouco confuso. Em primeiro lugar porque uma amiga, que eu pensava conhecer, revelou uma face dela que eu nem imaginava existir. Ela falava do mundo espiritual como se falasse do mundo real, com uma naturalidade de quem fala sobre o tempo. É realmente difícil fazer uma síntese imparcial do que ela disse, sem usar o “filtro” dos preconceitos da minha própria educação religiosa.