Ler para aprender: Cidades perdidas na Amazônia

     “Ao completar doze dias de maio, chegamos às províncias de Machiparo, que são terras populosas, que fazem fronteiras com outra região muito grande chamada Omagua, e são amigos que se juntam para a guerra com outras regiões que ficam terra adentro e que atacam diariamente as suas casas.
     Quando chegamos a umas duas léguas da região vimos que     estava repleta de aldeias e não andamos muito e avistamos, rio     acima, grande quantidade de canoas em posição de combate.     (...)
     Aí tivemos uma batalha perigosa, porque como havia muitos     índios na água e na terra, em todos os lugares, a guerra era dura.”


Esse é um pequeno trecho do relatório do Frei jesuíta Gaspar de Carvajal que acompanhou a primeira expedição à Amazônia, realizada em 1542.

Partindo de Quito, no Peru, cruzaram todo o rio Amazonas, dos Andes ao Atlântico. A aventura tinha como objetivo encontrar uma civilização perdida no meio da selva e sua fabulosa cidade de ouro: El Dorado.
 
El Dorado é uma antiga lenda indígena da época da colonização das Américas. Essa lenda atraiu muitos aventureiros europeus. Ela contava sobre uma cidade que foi toda feita de ouro maciço e ouro puro, repleta de todo tipo de tesouros.

Apesar das várias lendas e relatos que existiam desde que os espanhóis chegaram à América, ninguém sabia onde procurar a fantástica cidade de El Dorado, ou por onde iniciar a busca.

Mesmo assim uma grande expedição comandada oficialmente pelo conquistador espanhol Gonzalo Pizarro partiu de Quito, no Peru, certa de encontrar tesouros e fazer fortuna. Oito meses depois da partida do grupo, metade dos homens havia morrido e os que restavam passavam fome ou estavam fracos e doentes. O capitão Orellana se ofereceu, então, para seguir com um grupo avançado e encontrar comida e ajuda navegando rio abaixo.

Comandando cerca de 60 homens e alguns escravos, Orellana partiu levando o único barco que havia e deixando para trás o restante do grupo isolado, à espera de seu retorno com ajuda.

O grupo comandado pelo capitão Orellana percorreu quase mil quilômetros até encontrar alguma comida. Porém, os homens fracos e enlameados se recusaram a remar rio acima para levar ajuda ao grupo que ficara para trás. Orellana, então, decidiu navegar rio abaixo, certo de que desembocaria no oceano Atlântico.

Gonzalo Pizarro, passado algum tempo, decidiu tomar a rota de volta a Quito com 80 dos homens restantes, enquanto o capitão Orellana iniciava uma aventura não planejada em que fez uma incrível descoberta: a Amazônia tinha uma civilização sofisticada, que habitava cidades muradas e gerenciava a selva como uma enorme fazenda.

A questão que ficou para historiadores e pesquisadores seria reconhecer os relatos sobre a expedição como verdadeiras crônicas históricas da conquistas espanholas ou como falsos registros, escritos apenas para salvar a vida do capitão Orellana, que abandonara centenas de homens na selva e continuara sua viagem.
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Hoje, observada do ar, a Amazônia não se parece nada com uma fazenda, não mostra vocação para ser cultivada ou habitada, nem há nenhuma evidência visível de ocupação humana anterior.

Pesquisadores ortodoxos afirmam que a inundação em grandes áreas é severa demais e o solo é muito pobre para sustentar uma população.

Porém, cientistas estão descobrindo novos dados que estão revolucionando a história da Amazônia. Eles acreditam que os ameríndios eram pessoas complexas, muito desenvolvidas, que formavam há séculos uma grande civilização.

Revendo os relatos sobre a expedição de Orellana, os pesquisadores coletam provas evidentes de que era possível viver no coração da selva Amazônica, com fartura de alimentos e em grandes centros que reuniam milhares de pessoas.

O trabalho de observação de arqueólogos e pesquisadores revela que a Amazônia já foi ocupada, bem antes da chegada dos europeus, e existiam várias aldeias onde viviam milhares de pessoas. 

O antropólogo Robert Carneiro, do American Museum of Natural History de Nova York, morou na década de 50 com os cuicuro, grupo indígena que vive na região do Alto Xingu. A partir de suas pesquisas, registrou evidências de que a região já teve um sítio pré-histórico (designado X11 em pesquisas arqueológicas) cercado de imensos fossos.

Os irmãos Villas Boas – indianistas brasileiros indicados para o Prêmio Nobel da Paz pela sua participação na criação do Parque do Xingu – já haviam relatado esses trabalhos no solo perto de muitas aldeias.

Em 1993 o arqueólogo norte americano Michael Heckenberger junto com uma equipe de pesquisadores chegou à aldeia dos cuicuro.

Durante as pesquisas na aldeia cuicuro Michael Heckenberger foi guiado até uma grande vala próxima à aldeia. No local encontrou cacos cerâmicos.

Esses cacos comprovavam que a vala não era natural. Era uma espécie de aterro, feito pelo homem. A vala havia sido escavada e indicava que haviam sido construídos grandes muros para proteger um antigo assentamento no local. Ela era parte de um desses muros e essa poderia ser a chave para encontrar a localização das possíveis cidades perdidas da Amazônia.

Novamente a descoberta combinava com as alegações do frei Gaspar de Carvajal quando relatava ter visto grandes comunidades muradas e fortificadas durante a expedição do capitão Orellana. 

O desenvolvimento das observações e pesquisas levou a equipe de Michael Heckenberger a encontrar, no meio da selva, várias estradas imensas, totalmente retas, que se dirigiam a uma clareira gramada, cercada de enormes palmeiras, que marcavam uma antiga praça.

Tudo levava a crer que havia existido ali uma antiga cidade murada, muito parecida com a aldeia cuicuro atual. Apresentava sua praça central e estradas radiais, apenas com uma diferença fundamental: eram dez vezes maiores.

Mas isso não era tudo: vários povoados estavam distribuídos equidistantes do principal formando grandes núcleos populacionais murados, interligados e espalhados numa enorme área. A escala dos povoamentos sugeria uma população muito superior à atual, chegando de 30 a 50 mil pessoas.

Há uma grande probabilidade de que a atual aldeia dos cuicuro pode ser o que restou da lendária cidade perdida na floresta. 

Então, pode-se concluir que:
     > existiram antigas cidades amazônicas;
     > podemos aprender muito com o estudo e observação das ruínas de antigas civilizações amazônicas;
     >  os antigos habitantes da floresta conseguiam fazer coisas muito melhores das que o homem faz hoje.

Pode-se dizer que em relação à floresta as antigas sociedades amazônicas eram mais desenvolvidas e sofisticadas do que o homem moderno.

A maneira com que manuseavam o meio ambiente, modificando-o e tornando-o mais produtivo sem destruí-lo, é precursora dos movimentos ecológicos atuais.

O sistema de gerenciamento da floresta com a criação de cidades interligadas e integradas a uma rede, é certamente futurista.

Na Amazônia atual, tudo apenas começou: há muito para se descobrir e realizar.