Redução da Maioridade Penal e Responsabilização Penal

Palavras-chave: Redução da Maioridade Penal, Responsabilização Penal

Área do Conhecimento: Direito

Resumo: O artigo visa apresentar a divergência entre a maioridade penal e a responsabilização penal, enfatizando os porquês de quem é a favor de se manter a maioridade penal fixada em 18 anos. O estudo foi realizado por meio de pesquisas realizadas na rede mundial de computadores, objetivando a obtenção de informações que fundamentassem o presente trabalho. Foi possível identificar alguns fatores que contribuem para o ingresso de adolescentes no “mundo do crime”.

Introdução

Já se tornou histórica a discussão sobre a redução da maioridade penal no Brasil. Há os que julgam a redução da maioridade penal improcedente, pautados no que diz a Constituição Federal “são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas de legislação especial.” (SARAIVA, 2013, p.74); Código Civil “os menores de 18 (dezoito anos) são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial.” (SARAIVA, 2013, p. 158) e ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) “os menores de 18 (dezoito anos) são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial.” (SARAIVA, 2013, p. 951), neste último sendo necessário considerar à aplicação da lei a idade do adolescente à data do fato.

Há ainda, àqueles que clamam pela redução, declarando-se ávidos por uma sociedade mais segura (que na verdade é um anseio de toda a sociedade), onde adolescentes sejam julgados por seus atos infracionais como se adultos fossem e que com eles disputem espaço no nosso já obsoleto, inflado e falido sistema prisional.

Não podemos deixar de citar o papel que a mídia exerce enquanto veículo de informação e formadora de opinião, estampando nas capas dos jornais e fazendo virar manchete do horário nobre, todo e qualquer ato delituoso cometido por um menor, acirrando a discussão entre os interessados na matéria e polarizando as pesquisas mais recentes a cerca do tema.

O presente trabalho tem como objetivo principal distinguir os conceitos de maioridade penal e responsabilização penal, contextualizando a fala de quem é contra a implementação da PEC (Proposta de Emenda à Constituição), número 33 de 2012 que versa sobre a possibilidade de redução da maioridade penal de dezoito para dezesseis anos.

Materiais e Métodos (ou Metodologia)

Para tornar possível este estudo foi realizada uma pesquisa sobre o tema em sites da rede mundial de computadores, objetivando-se coletar dados e informações que pudessem fundamentar o presente trabalho.

Foram utilizados dois materiais básicos: o “Cross-national comparison of youth justice” que é um estudo bastante abrangente sobre vários temas relativos à dicotomia penalização versus responsabilização de menores, estudo este realizado por Neal Hazel da The University of Salford e uma pesquisa realizada pela Secretaria Especial de Comunicação Social em parceria com a Secretaria de Pesquisa e Opinião Pública e Equipe Alô Senado sob o título “Segurança Pública no Brasil” Pesquisa de opinião pública nacional, disponível no site da Defensoria Pública da União.

Resultados

Agora, serão demonstrados alguns dados que nortearam e fundamentaram o presente estudo.

Dados obtidos na pesquisa de opinião publica “Segurança Pública no Brasil”:

Na sua opinião, qual é a principal causa da criminalidade no Brasil?

- Desigualdade social 31%

- As leis são ruins 29%

- Policiais corruptos 16%

- A justiça solta os bandidos 12%

- A polícia não trabalha bem 6%

- Outro 5%

- NS/NR 2%

Total 100%

Base 1242

Fonte: DataSenado

Para você, qual a melhor maneira de reduzir a criminalidade?

- Melhorar a educação 39%

- Tornar as penas mais rígidas 23%

- Diminuir a pobreza 12%

- Acabar com a impunidade 11%

- Investir na polícia 7%

- Aumentar o número de policiais 5%

- Outra 2%

- NS/NR 0%

Total 100%

Base 1242

Fonte: DataSenado

Você concorda ou discorda da seguinte afirmação? O menor de idade que comete um crime deve ser punido como adulto?

- Concorda 87%

- Discorda 11%

- NS/NR 2%

Total 100%

Base 1242

Fonte: DataSenado

Dados obtidos no estudo “Cross-national comparison of youth justice”:

Idade de Responsabilização Criminal:

Inglaterra e País de Gales 10

Alemanha 14

Namíbia 10

Argélia 13

Grécia 13

Holanda 12

Andorra 16

Honduras 12

Nova Zelândia 10

Argentina 16

Hong Kong 16

Irlanda do Norte 10

Armênia 14

Hungria 14

Noruega 15

Austrália 10

Islândia 15

Panamá Nenhum

Áustria 14

Índia 7

Filipinas 9

Azerbaijão 9

Iraque 14

Polônia 13

Barbados 7

Irlanda 12

Portugal 16

Belarus 14

Israel 13

Romênia 16

Bélgica 16

Itália 14

Rússia 16

Bósnia 14

Jamaica 7

São Marino 12

Brunei Nenhum

Japão 14

Arábia Saudita Nenhum

Bulgária 14

Cazaquistão 14

Escócia 8

Canadá 12

Quênia 7

Senegal 13

Ilhas Cayman 8

Coreia 14

Singapura 7

Chile 16

Kuwait 7

Eslováquia 15

China 15

Letônia 16

Eslovênia 14

Colômbia 18

Líbano 12

África do Sul 10

Costa Rica 12

Líbia 8

Espanha 14

Croácia 14

Liechtenstein 7

Suécia 15

Cuba 16

Lituânia 14

Suíça 7

Chipre 7

Luxemburgo 18

Tanzânia 15

República Checa 15

Macedônia 14

Tailândia 7

Dinamarca 15

Malásia 10

Togo 13

Equador 12

Malta 9

Trinidade 7

Egito 15

Maurício 14

Turquia 12

Estônia 16

México 6

Ucrânia 14

Finlândia 15

Moldávia 16

Estados Unidos 6

França 13

Mongólia 14

Zâmbia 14

Fonte: YJB

Discussão

Conforme exposto na seção anterior deste artigo, um número considerável de entrevistados identifica o quesito desigualdade social sendo a principal causa de criminalidade no Brasil. Para os mesmos entrevistados a melhor maneira de reduzir a criminalidade é melhorando a educação, proposta essa que contradiz a afirmação “O menor de idade que comete um crime deve ser punido como adulto”, onde 89% dos entrevistados declararam estar de acordo com a sentença apresentada.

Após leitura dos dados apresentados no estudo “Cross-national comparison of youth justice” pode-se constatar que existe uma confusão no que tange ao significado de idade de responsabilização penal e idade de maioridade penal.

O brasileiro em geral, trata suas questões, mesmo as mais complexas, com certo cunho futebolístico, escolhe um time e passa a torcer, por sua vez, de se salientar que debater a forma de tratamento da criança e do adolescente com serenidade e sem casuísmos é imprescindível, pois o resultado traz consigo a medida de civilização de um povo.

Nos debates apaixonados travados, tem-se por vezes utilizado de forma absolutamente equivocada a analogia com outros países, muitas vezes por informações incorretas trazidas pela mídia em geral, que fantasiada da isenção de mero informante, traveste os interesses da classe que a domina.

Assim é necessário conceituar brevemente a diferença entre responsabilização penal e maioridade penal.

Desde já podemos afirmar categoricamente que a responsabilização criminal de adolescentes no Brasil se dá a partir dos 12 anos e não aos 18 anos como se costuma afirmar.

A responsabilização criminal trata do dever jurídico de se responder pela ação delituosa, já a maioridade penal trata da forma de aplicação da lei penal ao autor do fato delituoso.

Assim o adolescente, entre 12 e 18 anos, quando em conflito com a lei, havendo violado os ditames do Código Penal, irá responder criminalmente por seus atos da forma estabelecida pelo ECA, diferenciando-se do adulto na execução e cumprimento da pena vez que esse obedecerá o rito do Código de Processo Penal.

Assim quando tratamos do tema da maioridade penal, de forma alguma estamos tratando de discutir a punição ou não daquele que transgrediu a lei, mas sim qual o rito a ser aplicado.

- Adulto: Comete crime. Cumpre pena. Caráter Retributivo: a prisão serve como castigo pelo mal que ele cometeu para a sociedade. Prioriza o Castigo: a prisão tem como fundamento a mera segregação do indivíduo da sociedade como “pagamento” ao malfeito.

- Adolescente: Comete ato infracional. Cumpre medida socioeducativa. Caráter Pedagógico: deve educar com a finalidade de evitar conduta delituosa, sendo a internação uma medida excepcional. Prioriza a Educação: o adolescente internado ou não, deve ser educado, estabelecendo limites e novos paradigmas, facilitando o acesso à profissionalização, cultura, lazer, na medida em que deveria ter direito, mesmo quando não estava em conflito com a lei.

Reforçando o argumento anteriormente trazido, acerca dos efeitos que o resultado do debate da idade penal traz consigo, mede-se a civilidade de um povo, isso porque, na escala evolutiva tem-se:

- a criança e o adolescente como meros objetos – não são sujeitos de direitos, podem ser compradas, vendidas, castigadas fisicamente, mutiladas, mortas, estão adstritas à vontade de seu possuidor;

- a criança e o adolescente como objeto de vigilância – A Declaração de Genebra sobre Direitos da Criança, pela Liga das Nações de 1924, ainda que não tenha sido aceita pela maioria dos países trouxe modificações e avanços. No Brasil, foi editado o Decreto 17.943/27 (Código de Menores), que, ainda que não tenha trazido o reconhecimento de sujeitos de direitos, não mais poderiam ser tratados como objeto, estando sujeitos à vigilância do Estado;

- a criança como sujeito de proteção – Assim a Declaração Universal dos Direitos da Criança e do Adolescente da ONU em 1959, traz o esboço dos princípios de proteção afirmando que a família, a sociedade e o Estado, são os responsáveis por protegê-los;

- a criança como sujeito de direitos – Somente 1988 com a promulgação da Constituição cidadã, se reconhece o princípio da proteção integral, precedendo a promulgação do ECA em 1990, que consolida a criança e o adolescente como sujeito de direitos no ordenamento brasileiro.

O ECA foi concebido como uma lei moderna e é tido como um paradigma mundial na forma de tratamento da criança e do adolescente.

Contudo, diante do fenômeno nacional de leis que “pegam” e leis que “não pegam”, pode-se dizer que o ECA “pegou” mais ou menos, mais para menos, de sorte que sistematizado partindo dos direitos para as obrigações, contudo, fato notório, é bastante falho no cumprimento sistemático que se propõe, mitigando a primeira parte e exigindo a exacerbação da segunda parte, que trata exatamente dos atos infracionais. Tal falha na ordem de cumprimento do ECA se reflete em todos os níveis de proteção: Família, Comunidade, Sociedade e Estado.

Mas ainda assim, o ECA, mantém aspectos que encontram eco nas legislações dos países de maior índice de desenvolvimento humano, entre elas a idade penal em comparação ao quadro adiante, com os verdadeiros números, encartando séria pesquisa sobre o assunto:

Maioridade Penal:

Inglaterra e País de Gales 18

Alemanha 18/21

Namíbia 18

Grécia 21

Hungria 18

Honduras 18

Nova Zelândia 17/18

Argentina 18

Hong Kong 20

Irlanda do Norte 18

Noruega 18

Austrália 17

Filipinas 15

Índia 16M/18F

Barbados 16

Polônia 17

Jamaica 14

Irlanda 18

Israel 18

Belarus 16

Bélgica 18

Romênia 21

Rússia 18

Itália 18

Ilhas Cayman 17

Japão 20

Canadá 18

Escócia 16/18

Eslováquia 18

Singapura 12

Letônia 18

China 25

África do Sul 18

Eslovênia 18

Croácia 21

Espanha 21

Suécia 18/21

Áustria 18

Lituânia 16

Cuba 16

Bósnia 18

Suíça 18

Macedônia 16

República Checa 18

Dinamarca 18

Singapura 12

Egito 18

Países Baixos 21

Turquia 15

Estônia 18/20

Finlândia 20

Ucrânia 16

Estados Unidos 15/17

Moldávia 16

França 18

Fonte: YJB

Desta feita, de fácil percepção que a legislação brasileira está alinhada com grandes democracias do mundo, tais como Alemanha (21), Japão (20), Suécia (18/21), Canadá (18), Itália (18), Suíça (18), entre outros, sendo elemento indiciário de que a questão da violência não tem relação com a idade penal.

Conclusão

Tendo como base os estudos analisados, a discussão e os diversos fatores que afetam a nossa sociedade e induzem o menor a entrar para a criminalidade nos vemos em um impasse, a maioridade penal dever ser diminuída? Acredita-se que não. O sistema penitenciário brasileiro, por exemplo, necessitaria de ser modificado drasticamente para suportar tal alteração, por isso é importante considerar as consequências de uma possível redução da maioridade penal. Conforme exposto, grande parte da população (dados obtidos por amostragem) concordam que a educação é um fator determinante no futuro do adolescente, ou seja, a sociedade tem a responsabilidade e o dever de educá-lo.

O modo como a criança é tratada pelo Estado teve uma grande evolução com a criação do ECA, mesmo o estatuto dando espaço para que seja usado, em alguns casos, a favor de um criminoso que alicia menores a cometerem um crime baseados na ideia de que o adolescente sofrerá uma punição mais leve. Esse é um dos motivos pelos quais muitas pessoas são a favor da redução da maioridade penal. Fica o questionamento: não seria mais viável cortar o problema pela raiz, investindo em políticas públicas de promoção do bem estar dos adolescentes, melhorando a educação e com isso as oportunidades de sucesso na vida?

É possível fazer uma separação entre responsabilização criminal e maioridade penal. Como mostrado, no Brasil a responsabilização criminal acontece a partir dos 12 anos e o que diferencia a pena de um adolescente do de um adulto é o rito processual previsto no ECA (no caso dos adolescentes) ou o Código de Processo Penal (para os adultos).

Espera-se que o Brasil chegue a um nível de desenvolvimento social que ao invés de propor punições, seja possível oferecer aos adolescentes formação profissional e inserção no mercado de trabalho. Dar apoio na fase em que é muito difícil arrumar um emprego pode fazer toda a diferença no momento em que for necessário um jovem fazer suas opções de vida.

Enfim, buscar entender os verdadeiros fatores que culminam com a concretização de um ato infracional pode ajudar toda uma sociedade a compreender o que é crítico fazer em benefício de políticas públicas voltadas à juventude.

“Jogar” um adolescente em uma cela com um adulto criminoso pode ter um efeito contrário ao esperado.

Referências

BARBATO JR., Roberto. Redução da maioridade penal: entre o direito e a opinião pública. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 459, 9 out. 2004 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/5771>. Acesso em: 07 jun. 2013.

HAZEL, Neal. Cross-national comparison of youth justice. Reino Unido. 2008. Disponível em: <http://www.yjb.gov.uk/publications/resources/downloads/cross_national_final.pdf>. Acesso em 07 jun. 2013.

JORGE, Éder. Redução da maioridade penal. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/3374>. Acesso em: 07 jun. 2013.

SARAIVA, Editora. Vade Mecum Compacto/obra coletiva de autoria da Editoria Saraiva com a colaboração de Luiz Roberto Curia, Livia Céspedes e Juliana Nicoletti. – 9. Ed. atual e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2013.

SENADO, Agência. Segurança Pública no Brasil. Pesquisa de Opinião Pública Nacional. Brasil. 2012. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/noticias/DataSenado/pdf/datasenado/DataSenado_Seguranca_Publica.pdf>. Acesso em 11 jun 2013.

TAVARES, Heloisa Gaspar Martins. Idade penal (maioridade) na legislação brasileira desde a colonização até o Código de 1969. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 508, 27 nov. 2004. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/5958>. Acesso em: 07 jun. 2013.