Retratos de Mulher III - Zila Mamede.

EVELYNE FURTADO

Especial para a GAZETA

‘Gostaria que Nova Palmeira fizesse parte do Rio Grande do Norte’, dizia Zila Mamede, uma poetisa potiguar, nascida na Paraíba, em 1928.

De família norte-rio-grandense, muito cedo Zila mudou-se para Currais Novos (RN), onde permaneceu até o advento da Segunda Guerra, quando o seu pai foi trabalhar na base aérea de Parnamirim e a família estabeleceu-se em Natal.

A moça, que desejou ser freira, cursou biblioteconomia em Recife, onde teve seus primeiros contatos com a literatura.

Concluindo pós-graduação nos Estados Unidos, Zila voltou a Natal e organizou a biblioteca da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (que hoje tem seu nome) e a Biblioteca Estadual Câmara Cascudo.

Em 1953, foi lançado Rosa de Pedras, primeiro livro de Zila Mamede, considerado por Manoel Bandeira um dos melhores livros brasileiros em versos.

A poesia de Zila contém o sertão de sua infância, o mar que sempre a fascinou, os rios e as lagoas do Rio Grande do Norte.

Seu poema Banho (Rural), incluído na Coletânea Os Cem Melhores Poemas, da Editora Objetiva, revela entre os elementos campesinos uma suave sensualidade:

"De cabaça na mão, céu nos cabelos

à tarde era que a moça desertava

dos arenzés de alcova. Caminhando

um passo brando pelas roças ia

nas vingas nem tocando; reesmagava

na areia os próprios passos, tinha o rio

com margens engolidas por tabocas,

feito mais de abandono que de estrada

e muito mais de estrada que de rio

onde em cacimba e lodo se assentava

água salobre rasa. Salitroso

era o também caminho da cacimba

e mais: o salitroso era deserto.

A moça ali se perdia, afundava-se

enchendo o vasilhame, aventurava

por longo capinzal, cantarolando:

desfibrava os cabelos, a rodilha

e seus vestidos, presos nos tapumes

velando vales, curvas e ravinas

(a rosa de seu ventre, sóis no busto)

libertas nesse banho vesperal.

Moldava-se em sabão, estremecido,

cada vez que dos ombros escorrendo

o frio d'água era carícia antiga.

Secava-se no vento, recolhia

só noite e essências, mansa carregando-as

na morna geografia de seu corpo.

Depois, voltava lentamente os rastos

em deriva à cacimba, se encontrava

nas águas: infinita, liquefeita.

Então era a moça regressava

tendo nos olhos cânticos e aromas

apreendidos no entardecer rural."

Zila pesquisou as obras de Cascudo e de João Cabral de Melo Neto, sendo do poeta uma grande admiradora. Em Drummond teve um leitor e um mestre. Esteve entre os grandes e foi, ela também, um expoente da poesia no Brasil.

Publicou cinco livros de poesias: Rosa de Pedras (1953), Salinas (1958), O Arado (1959), Exercício da Palavra (1975) e Corpo a Corpo (1978). Ainda em 1978, foi publicado Navegos, reunindo todas as obras anteriores.

De Corpo a Corpo, destaco o poema "Onde". Nele a autora inova na forma e expõe questões existenciais com perfeita harmonia:

Entre a ânsia

e a distância

onde me ocultar?

Entre o medo

e o multiapego

onde me atirar?

Entre a querência

e a clarausência

onde me morrer?

Entre a razão

e tal paixão

onde me cumprir?

Em 13 de dezembro de 1985, Zila Mamede integrou-se às águas cálidas e mansas da Praia do Forte em Natal. O mar que sempre a fascinou devolveu seu corpo sem vida na Praia da Redinha. A hipótese de suicídio não foi sustentada e para aqueles que a admiravam, a poeta teve a morte que merecia, pois como cantou Dorival Caymmi "é doce morrer no mar / nas ondas verdes do mar".

Evelyne Furtado
Enviado por Evelyne Furtado em 07/06/2007
Código do texto: T517460
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