Em um segundo
Não sou um bom exemplar feminino nem humano. Sou do tipo "come quieto", que anda a passos lentos e se demora olhando uma ave cortando o céu. Tipo que para no meio de uma tarefa, só para tentar distinguir os diferentes cantos de pássaros em um quintal. Sou do tipo que sabe alguma coisa da história, alguma coisa do mundo e pouca coisa da vida. E quem sabe alguma coisa, na verdade não sabe nada. Os dias para mim não são contados como impulso para o futuro, nem valem tanto no presente, são princesinhas que saboreiam o leito do passado. O passado não é visto como baú de lembranças, está bem mais para engenheiro daquilo que sou. Nada de grande obra concluída ou inacabada, não duvido que eu tenha sido ou que seja apenas uma despretensiosa pincelada da evolução. Se eu fosse caricaturista e fosse fazer uma auto-retrato, ele teria olhos imensos ocupando quase todo o espaço, olhos bem abertos, bem perplexos e bem indignados. Não aqueles famosos "olhos de ressaca", mas com sua própria originalidade.Seriam eles o dedo apontado para o dedo de Deus.
Talvez eu ousasse projetar-me nessa fantasia como escritora. Com certeza eu precisaria de dezenas de lixeiras ao lado da mesa. Das ciências tudo que sei, já foi escrito, aliás os escritos de outros são os guardiões dessa minha "sabedoria". Das artes, esse é o mesmo quadro. Das filosofias ainda permaneço na parte onde Aristóteles questiona o que é o conhecimento. Grande pergunta! Espero a verdade absoluta deitada em uma rede sob um céu de estrelas em uma manhã de primavera. Resta-me questionar o tempo, essa coisa finita que tantas vezes ignoramos. Game Over! É isso que ocorre em um tempo no tempo da existência.
Creio que então,pensando assim, é necessário fazer uma bagagem. Mas, o que devo colocar nessa bagagem para uma viagem a um lugar mundialmente desconhecido que denominam além? Além da vida, além de mim, além de nós... Colocaria as ciências? A arte? A filosofia? Colocaria o canto dos pássaros! No entanto de alguma forma eu sei, que não posso capturar o canto dos pássaros, não podemos mesmo fazer isso. Então, parada ainda frente a mala vazia , decido ir para essa viagem com a coisa que me parece mais lógica: um par de meias furadas.