50 TONS NA TELONA

Mesmo separados no tempo e no espaço por quase quatro décadas e meia, é difícil para quem está assistindo “50 Tons de Cinza” e tem mais de cinquenta anos, não se lembrar de “O Último Tango em Paris”, com Marlon Brando e Maria Schneider. Eu lembrei.

Enquanto Brando e Maria dirigidos por Bertolucci escandalizam indo muito além do explícito com a “manteiga”, 50 Tons de Cinza fica na tentativa. Quem for vê-lo pensando em sexo, ou em ficar com tesão, perderá o dinheiro do ingresso. Então leia o livro. É provável que acabe ficando. Só que o livro custa bem mais caro sem pirataria.

A ideia nem é mostrar sexo ou ser excitante. É em apenas alguns poucos momentos. 50 Tons de Cinza não está interessado em mostrar a nudez do corpo. Sem você se dar conta já está excitado pela linha tênue que separa o amor do instinto. Então percebe que a alma também pode ficar nua. Quando nossos diabinhos se desnudam explicitamente.

Muitos sairão do cinema com a convicção de que a culpada pelo sadomasoquismo do personagem foi à tia dele. Aquela... E adoramos dizer alguns adjetivos feios. Outros sairão com uma pontinha de inveja do seu sucesso profissional e da sua ostentação. E nem lembrarão que a mesma tia poderia ter um papel decisivo nessa parte também.

Para os donos de um pudor exacerbado, algumas cláusulas do contrato que a personagem nunca assinou como “mão no ânus ou na vagina” são puras aberrações. Alguém lembrará que o contrato também proibia uso de álcool de drogas? Todos nós sabemos como é o fim de um viciado.

A sala dos brinquedinhos, que poderíamos chamar de “sala dos horrores”, é mais uma sala de curiosidades. Os estoques dos sex shop possuem a maioria deles. E ficaríamos espantados com os números das pesquisas de vendas.

O enredo do filme é mais psique do que sexual. É a estória do sadomasoquista que quis experimentar o amor, e do amor que experimentar o sadomasoquismo. O enredo mostra que instinto e sentimento caminham por linhas paralelas. E de como é difícil, quase impossível os dois se encontrarem. Quando isso acontece o fim é trágico.

Tanto a ficção quanto a realidade nos empurram para uma pergunta crucial da evolução humana. O que seria do nosso sentimento e do nosso instinto sem o prazer sexual. Na escala evolutiva o sexo tem a capacidade de nos hipnotizar e de nos manter dominadores e submissos. Nem o sentimento e nem o instinto sobreviveria sem ele.

E se a última cena do filme deixou alguma duvida, essa é outra faceta humana. Temos um medo terrível daquilo que mais desejamos. Fato é que nenhum sentimento ou instinto termina como se fosse simplesmente uma porta de elevador se fechando.