A inserção do negro na sociedade brasileira: uma questão indiscutível
Foram os tempos que o negro, mesmo construindo a riqueza e o desenvolvimento nacional, foi esquecido. De fato, não houve a extensão dos direitos sociais a ele, mesmo após a alforria coletiva do dia 13 de maio de 1888. Ao negro, sobrou então as funções mais subalternas e indignificantes no exercício de sua parca cidadania.
Diferente das perspectivas e demandas do movimento negro nos EUA e da visão marxista eurocêntrica, particularmente creio que devemos ter uma séria inflexão na análise em torno da situação do negro brasileiro, dentro de uma sociedade mestiça e miscigenada. Todavia, por trás da suposta "democracia racial", ainda mantém-se resquícios autoritaristas, em códigos velados racistas, por meio de práticas culturais e expressões que reproduzem a segregação e o racismo informal aos afro-descendentes.
Longe da visão da democracia-liberal, creio que é necessário a eqüalização de espaços do negro entre os formadores de opinião, os profissionais liberais e o empresariado nacional. É, talvez, uma medida salutar e nobre. Entretanto, dentro dos marcos do capitalismo excludente do Brasil, sem ao menos existir a construção de um Estado de Bem-Estar Social ou mesmo de um governo nacional-desenvolvimentista, essa suposta "igualdade" seria parca e não teria efeito prático, na luta em defesa da causa do negro.
Por outro lado, o marxismo nos moldes europeus não contempla à diversidade e à cultura política brasileira, com outros tons diferenciados do marxismo brasileiro e da esquerda tradicional, pautada, em sua grande parte, por um nacionalismo popular, pelo repúdio ao imperialismo norte-americano e pela preservação das conquistas do trabalhismo (que até certos setores da esquerda trotskistas, como o PSOL e o PSTU, mesmo com uma outra leitura e perspectiva, também defendem).
Creio que pode haver uma certa conciliação na visão da democracia liberal, no sentido de assegurar as cotas, em uma forma paliativa a assegurar a inserção do negro nos espaços de maior visibilidade na sociedade. Ela é útil - dada a omissão histórica secular em torno do negro (mesmo com as atuações progressistas de Vargas e Jango) -, inclusive como forma compensatória de reparar as perdas consideráveis da comunidade afro-descendente na conquista de espaços e ascensão sócio-econômica.
No entanto (creio eu, na minha ótica bem particular), que a visão única e exclusivamente posta no "cotismo", é por si só insuficiente. Inclusive, os movimentos negros da linha popular, progressista e/ou de esquerda caem no mesmo equívoco da linha liberal norte-americana (baseada na conquista de espaços, em uma sociedade americana bastante dividida entre "brancos" e "negros", diferente da miscigenação brasileira). Os negros, querendo ou não, ao meu ver, deveriam apostar em uma releitura marxista, na visão classista que considero a situação de milhões de negros brasileiros como a "maioria minorizada". Dentre a classe trabalhadora, o percentual considerável (ou inclusive esmagador) pertence a etnia afro-descendente. Mais ainda: a possibilidade de ascensão social do branco pobre e maior que a do negro pobre, sendo reservado a ele as posições menos vistas e apreciadas pelo conjunto da sociedade.
É útil que os negros lutem pela ampliação dos espaços, dentre os formadores de opinião. Mas eles, por si só, são insuficientes e agravariam o mito falacioso da "democracia racial", institucionalizando a visão racista, construída por parte considerável do movimento. Creio que o papel integrador do negro, dentro da sociedade miscigenada brasileira e tendo uma perspectiva de classe (diferente da visão "powerment" norte-americana liberal), na construção de espaços que assegurem a plena igualdade, é um passo útil e, quiça, revolucionário e até subversivo para os setores políticos extremamente conservadores.
A reprodução das conquistas norte-americanas do negro não aumentou a dignidade econômica do negro nos EUA, onde existem uma forte parcela de desempregados, ligados aos "guetos" negros, no sul norte-americano. Ou, em um exemplo mais microcósmico, o bairro de Harlem, em Nova Iorque, não deixa de fugir a esse exemplo.
Não quero trazer polêmica. Não gosto (e nem tenho vocação!) para querer deter a verdade. Mas acho, de suma importância, trazer este tema para a pauta de discussões, ainda que seja incômodo enfrentá-los, por conta das nossas idiossincrasias. Talvez, esse assunto seja um passo na busca de uma sociedade mais justa e fraterna, se é assim que ansiamos, como seres humanos, carentes e sedentos por justiça social, paz e fraternidade.