O CIÚME (duendes do amor e do ódio)
Na análise sequencial dos jogos da paixão cada uma das atitudes surge entre a raiva inopinada e o doce exercício do amar, por serem os dois extremos da mesma possessão traduzida em atos. É preferível ficar ouvindo, mudo que nem a estatueta que está ao alcance dos olhos, símbolo estatuário daquela fábula chinesa em que o personagem tapa com as mãos os ouvidos, os olhos e a boca. Assim é possível escusar-se do extremo e no caso dos atos de autodomínio, vir a tentar proteger a amizade. Uma pessoa com a paixão a lhe tomar os sentidos é muito especial, por si e pelos seus alter egos, que são, em regra, muito ricos em densidade humana, e por razões evidentes, visivelmente precários – como tudo que é inerente ao humano ser. Preciosa por seus talentos e também por seus aparentes acessos de raiva, traduzida no verbo atirado ao léu, o qual alivia ou minimiza os diabinhos internos. Vale esperar. O escoar do tempo sempre conduz à paciência. Mas, normalmente não sabemos conviver com o ódio, nem com a sua ação efetiva: a raiva em relação ao outro polo – aquele que o ciumento crê objeto de seu afeto no mais alto grau. Em vez de ferir alguém, é preferível encasular-se e magoar a si próprio, na maioria dos casos. Como tudo no âmbito do ciúme decorre de um sentimento unilateral, sempre é necessário acatar e respeitar a decisão da fuga eventual ou do rompimento. E são hóspedes nem sempre de boa paz essas variegadas personalidades que moram dentro da gente. Porque, repito, não deve haver lugar para a mágoa e o ciúme no coração de quem ama. Por fim, é de todo aconselhável esperar que os bons ventos da espera amainem os duendes que habitam o parque de diversões, onde brincam e se embaralham as silhuetas do amor e do ódio. O ato de escrever é uma maneira de confidenciar aos nossos sentidos, sempre em à busca da libertação espiritual. Porque a paixão é sempre atração fatal e inesperada...
– Do livro O CAPITAL DAS HORAS, 2014/15.
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