O AMAR SEM LIBIDO

Cuidado, amigo! Não caminhes na passarela do inferno, com os seus extremos e perigos. Tua justificativa para o raciocínio sobre o poético não é boa, porque nele, no íntimo, está contida a possessão sobre o texto criado – aquilo que tanto deploro. Em anteposição reflexiva, ofereço sempre a tese da Confraternidade. Esta, para os meus botões, é a aplicação do conceito de fraternidade (generalizada) entre parceiros de cabeça e de ações ou objetivos, assentados no amar sem libido. Caluda! Repito que cada um necessita de amar e ser amado – em regra ao menos, pois o ser humano é vário. Toda a criatura humana é sentimento e razão. Então todos têm mãos e dedos para a construção deste sentimento e o amar vivifica em lampejos no cuore dos amantes. E este se esvai, por vezes, a cada um deles, por entre os dedos das mãos. O que percebo é que a realidade e a literatura são universos distintos, personalizados, já que estou convicto que no amar a possessão psíquica permanece a todo o tempo, em qualquer lapso e idade, basta estar-se vivo. Tenho em meu rol de amizades uma poetisa amiga de 80 anos, que ama o objeto de sua possessão tão desesperadamente que não consegue dar-se conta de que o seu amor é doentio e, portanto, opressor e invasivo dos domínios do outro polo. Imagine-se quando esta pessoa tinha cerca de vinte anos... Destarte, isto ocorre no plano da realidade, no mundo dos fatos, porém o texto poético não é mera cópia do mundo real. Mesmo assim, creio que a arte copia a vida... Pode ocorrer, no máximo, alguma alusão a situações tidas e havidas. E o gênero poético – em Prosa Poética e na Poesia – não pode ser um mero relato da possessão no mundo cotidiano que vivemos. E sim, é a TRANSFIGURAÇÃO da matéria da vida, à força e sugestão de vocábulos em que aparecem figuras de linguagem que, quanto mais próximas da veracidade ocorrida, menos poético é o texto como boa literatura... A realidade e o poema são mundos diversos e anacrônicos. A arte não se aplica diretamente no plano dos fatos. No entanto, pode ser farsa e imaginação que se destinam a serenar o espírito, minimizando o inferno das inquietações e inconformidades. Talvez seja este um dos segredos da felicidade - o bálsamo.

– Do livro O CAPITAL DAS HORAS, 2014/15.

http://www.recantodasletras.com.br/artigos/5114995