DAS BRIGAS
...DAS BRIGAS
{{{do livro JUDAS, do escritor AMÓS OZ, página 158}}}
...entre eles. Mas nisso ele errou. Entre judeus e árabes não há e nunca houve mal-entendido. Pelo contrário. Já faz algumas décadas que entre eles há uma compreensão total e absoluta. Os árabes nativos do lugar se agarraram a esta terra porque ela é sua única terra, não têm outra para seu lugar, e nós nos agarramos a esta terra pelo mesmo motivo. Eles sabem que nós nunca poderemos desistir dela, e nós sabemos que eles não desistirão dela nunca. Essa compreensão mútua é, pois, bem clara e irretocável. Não há e nunca houve mal-entendido entre nós. O pai de Atalia era uma dessas pessoas que pensam que toda briga que há no mundo não passa de um mal-entendido: uma pequena dose aconselhamento familiar, um pouquinho de terapia de grupo, uma ou duas gotas de boa vontade – e logo seremos todos irmãos de coração e alma, e a briga entre nós está como se não tivesse existido. Ele era desses que acredita que tudo que se exige dos que estão brigando é que se conheçam melhor, e eles logo começarão a gostar um do outro. Só precisam tomar juntos um copo de café bem forte e bem doce e ter uma conversa amigável – e logo o sol vai brilhar e os que se odeiam cairão em lágrimas no pescoço um do outro, como no romance de Dostoiévsky. E, eu lhe digo, meu caro, dois homens que amam a mesma mulher, dois povos que reclamam a mesma terra, mesmo se beberem juntos rios de café, esses rios não irão apagar seu ódio, e muitas águas não o varrerão. E ainda lhe digo mais, no obstante tudo, que eu lhe disse antes, felizes os sonhadores, e maldito aquele que lhe abre os olhos. É verdade que os sonhadores não irão nos salvar, nem eles nem seus discípulos, mas sem sonhos e sem sonhadores essa maldição que paira sobre nós seria mil vezes mais pesada. Graças aos sonhadores, nós também, os sóbrios, talvez fiquemos um pouco menos petrificados e desesperançados do que estaríamos sem eles...
P. S. Só quero mostrar as razões de cada um de nós por algumas brigas...