Pequeno Fórum
Pequeno Fórum
Esse artigo é fruto da leitura da crônica de Celso Panza - "Brasileiro Executado. Tráfico" e dos comentários de Lúcia Constantino, MVA e do próprio Celso. Na verdade, esse artigo não passa de uma extensa opinião a tudo que foi exposto ali, mas que não caberia no box de comentário. Daí o Fórum... Também penso que, ao escrever, estou me dirigindo ao autor e comentaristas, ao mesmo tempo. Julgo estarmos conversando como em filmes passados onde ocorriam longas conversas e as pessoas não se interrompiam com altercações para provar algo. Não há nada a ser provado, além da arte da conversa e no momento chegou minha vez de falar, ou, se preferir, dar um pitaco:
Aconteceu anteontem em São Paulo capital uma ação policial para coibir meliantes que tentavam (para variar) explodir Caixas Eletrônicos. Saldo da operação: 4 bandidos mortos. Não senti pena deles. Nenhuma. Confesso sem orgulho, mera constatação de viajante que se julga, excrusive, num "caminho espiritual". Oh céus... Ouvi dizer que populares aplaudiram a ação da polícia. Conversei com amigos e um deles exultou, acrescentando: só quatro? Essa reação não foi construída hoje no meu cerne. Venho me surpreendendo com isso há algum tempo. Essa reação reage a algo, que reage a algo, que reage a algo. Foram-se os tempos em que houve uma população que aplaudia John Dilinger e similares. Ademais, Robin Hood pode ser uma história bonitinha em outras paragens. O brasileiro mediano, categoria a qual me incluo, sai de casa sem saber se volta. Água mole em pedra dura chega um dia em que esse tipo de angústia atinge tal ponto que sem querer querendo a gente aplaude interna ou externamente os 4 abatidos, e se fossem mais a ovação extrapolava.
Celso abre sua crônica falando sobre a soberania da Indonésia e sobre o papel do Estado em matar. Dois pontos cruciais. Um, onde tremula a bandeira do finado Sukarno, escreveu não leu, fuzilamento. Dois, o papel do Estado não é matar. Impossível discordar de ambas as proposições. Pessoalmente, sou fã de carteirinha de um nova-iorquino chamado Barry C. Scheck, idealizador e diretor do Innocence Project, que se dedica a utilização do DNA como evidência, tratando deste como um meio eficaz para livrar pessoas condenadas injustamente. Livraram cerca de 500 inocentes do corredor da morte.
Insiro agora, na íntegra, o comentário de MVA: "Sou a favor da vida, o que traficante não é. Não sinto dó pelo traficante morto. Sinto as vidas que se perdem pela droga, pelo tráfico, pelas balas perdidas dirigidas de traficantes a traficantes que acabam atingindo incentes ainda bebês. Por esses últimos eu choro e muito. Pelo traficante morto nem uma lágrima, nem de raiva, de ódio, pois ele não merecia. Ele não era um adolescente incauto. Sabia o que fazia e o que queria: dinheiro. Pagou pra ver e viu a Lei que ele achou que poderia ser leve ou contava com as beneces do nosso governo sempre favórável aos marginas, por óbvia dedução. Abraços!".
Li esse comentário e fiz afirmativamente com a cabeça. Acompanhei sem me aprofundar as notícias e imagens dele, e veio aquela sensação da vida jogada fora num passo mal calculado, 10 ou 12 anos de cana numa prisão estrangeira, a agonia dos apelos pelos canais oficiais, a pífia esperança, o pelotão de fuzilamento. Não é uma história alegre.
A crônica do Celso pode ser encarada em duas partes, a primeira no corpo da publicação, a segunda na réplica que ele faz ao comentário de MVA.
No segundo e terceiro parágrafo da primeira parte Celso tece, sempre com a postura de um mandarim com pleno domínio da palavra e do raciocínio aliado a ela, ou seja, não são palavras vazias, mas plenas de significado sobre a insanidade do Estado que mata e da total falência da Guerra contra as Drogas.
Agora eu tiro uns dados da gaveta para sublinhar essa falência. 1990 – EUA gastam 5 bilhões de dólares no combate ao tráfico. Em 2.000, 16 bilhões. Dos presos federais, 60% é por tráfico, contra 2,5% de crimes violentos. Percentualmente, os EUA prenderam mais do que a Rússia no comunismo e a África do Sul no apartheid. Mais de 65% (fala-se até em 80%) da população carcerária é viciada em álcool e drogas.
Ainda na primeira parte, Celso nos diz que a ausência de compaixão faz do carrasco o maior criminoso e que o brasileiro morto poderia ter uma segunda chance. Que isso seria uma possibilidade. Bingo. Bem, esse sujeito não teve uma segunda chance, mas este Pequeno Fórum pretende que essa morte não seja completamente em vão - há muita coisa em jogo para simplesmente fingir que o assunto não existe e nossa maior comiseração pode muito bem residir nesse pensar na questão.
O comentário da Lúcia fala por si e exprime uma corrente pensamento cuja validade começa a se ampliar (ainda bem), juntando assim mais um tijolo na construção: "Boa noite, Celso. Endossando o seu super lúcido comentário, norteado pelo seu texto sempre sábio, lembro da entrevista de um jornalista de peso dizendo que esses corruptos do lava-jato (e claro, por extensão a todos os corruptos) não eram somente corruptos, mas também assassinos - por que quanto bem em todos os sentidos para o povo não poderia ter sido feito com o dinheiro que eles roubaram - dinheiro para a saúde, para a segurança, para a educação. Enfim...sem mais palavras. Boa noite, meu amigo".
É preciso dizer mais?
Celso nos dá uma aula muito boa sobre legislação, mecanismos da lei aqui no Brasil, e encerra dizendo que não estamos de todo perdidos, que ainda existem legisladores responsáveis.
Fiquei sem entender a questão do Tráfico Privilegiado e aproveito para falar de um assunto chamado "Mínimo mandatório" (tradução capenga) sobre a justiça dos USA no que tange ao pequeno traficante. Exemplo: fulano, 18 anos, bom aluno, sem antecedente de qualquer espécie, perturbado supõe-se pela difícil separação dos pais, foi descoberto traficando LSD via correio. Pelo parâmetro do Mínimo mandatório (insisto na fragilidade da tradução) ele puxa 8 anos de xadrez sem conversa. O caso de fulano foi reportado na virada dos 2.000, tendo ele se suicidado na prisão.
Hoje, noticiado na Globo News, o maior traficante do DF teve alvará de soltura durante a madrugada, zarpando num carro preto. A TV mostrou sua riqueza na forma de casas&carros&barcos etc. e o âncora indagava o por que da soltura.
Somos o país das indagações elementares. Rumores dos últimos dias aventavam acerca de suposto luto nacional pela execução do traficante na Indonésia. Me abstenho de comentar, mas acho que um luto nacional seria mais cabível às crianças mortas por balas perdidas nesta semana.
Encerro com as palavras do próprio Celso, parte do comentário que ele faz aos seus leitores e assim o procedo porque diante do exposto e da barbárie que presenciamos palavras positivas e esclarecedoras são como bóias para o náufrago e nunca será demais enfatiza-las:
"A corrupção sistêmica mata mais, muito mais que a droga, O FAZ EM CADEIA E POR SISTEMA POLÍTICO, como vemos em nosso sistema político, sob nossos olhos, formalmente, e nada acontece,MATA MUITO NA SAÚDE E NA FALTA DE ASSISTÊNCIA TOTAL PELO DESCUMPRIMENTO DAS BALIZAS CONSTITUCIONAIS, INCLUSIVE EM DAR EDUCAÇÃO A TRAFICANTES E DROGADOS, OS PRIMEIROS DESERDADOS DA SORTE E ABANDONADOS QUASE SEMPRE, OS SEGUNDOS QUE MOTIVAM O TRÁFICO INSERIDOS EM TODAS AS CAMADAS SOCIAIS. AO MENOS TRATAR O DROGADO COMO VÍTIMA SE FAZ NECESSÁRIO, QUEM CONHECE O SISTEMA SABE DO QUE FALO, A TUTELA DA LEI É A SAÚDE PÚBLICA".
(Imagem: Vivian Maier, October 10, 1954. New York, NY)
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Esse artigo é fruto da leitura da crônica de Celso Panza - "Brasileiro Executado. Tráfico" e dos comentários de Lúcia Constantino, MVA e do próprio Celso. Na verdade, esse artigo não passa de uma extensa opinião a tudo que foi exposto ali, mas que não caberia no box de comentário. Daí o Fórum... Também penso que, ao escrever, estou me dirigindo ao autor e comentaristas, ao mesmo tempo. Julgo estarmos conversando como em filmes passados onde ocorriam longas conversas e as pessoas não se interrompiam com altercações para provar algo. Não há nada a ser provado, além da arte da conversa e no momento chegou minha vez de falar, ou, se preferir, dar um pitaco:
Aconteceu anteontem em São Paulo capital uma ação policial para coibir meliantes que tentavam (para variar) explodir Caixas Eletrônicos. Saldo da operação: 4 bandidos mortos. Não senti pena deles. Nenhuma. Confesso sem orgulho, mera constatação de viajante que se julga, excrusive, num "caminho espiritual". Oh céus... Ouvi dizer que populares aplaudiram a ação da polícia. Conversei com amigos e um deles exultou, acrescentando: só quatro? Essa reação não foi construída hoje no meu cerne. Venho me surpreendendo com isso há algum tempo. Essa reação reage a algo, que reage a algo, que reage a algo. Foram-se os tempos em que houve uma população que aplaudia John Dilinger e similares. Ademais, Robin Hood pode ser uma história bonitinha em outras paragens. O brasileiro mediano, categoria a qual me incluo, sai de casa sem saber se volta. Água mole em pedra dura chega um dia em que esse tipo de angústia atinge tal ponto que sem querer querendo a gente aplaude interna ou externamente os 4 abatidos, e se fossem mais a ovação extrapolava.
Celso abre sua crônica falando sobre a soberania da Indonésia e sobre o papel do Estado em matar. Dois pontos cruciais. Um, onde tremula a bandeira do finado Sukarno, escreveu não leu, fuzilamento. Dois, o papel do Estado não é matar. Impossível discordar de ambas as proposições. Pessoalmente, sou fã de carteirinha de um nova-iorquino chamado Barry C. Scheck, idealizador e diretor do Innocence Project, que se dedica a utilização do DNA como evidência, tratando deste como um meio eficaz para livrar pessoas condenadas injustamente. Livraram cerca de 500 inocentes do corredor da morte.
Insiro agora, na íntegra, o comentário de MVA: "Sou a favor da vida, o que traficante não é. Não sinto dó pelo traficante morto. Sinto as vidas que se perdem pela droga, pelo tráfico, pelas balas perdidas dirigidas de traficantes a traficantes que acabam atingindo incentes ainda bebês. Por esses últimos eu choro e muito. Pelo traficante morto nem uma lágrima, nem de raiva, de ódio, pois ele não merecia. Ele não era um adolescente incauto. Sabia o que fazia e o que queria: dinheiro. Pagou pra ver e viu a Lei que ele achou que poderia ser leve ou contava com as beneces do nosso governo sempre favórável aos marginas, por óbvia dedução. Abraços!".
Li esse comentário e fiz afirmativamente com a cabeça. Acompanhei sem me aprofundar as notícias e imagens dele, e veio aquela sensação da vida jogada fora num passo mal calculado, 10 ou 12 anos de cana numa prisão estrangeira, a agonia dos apelos pelos canais oficiais, a pífia esperança, o pelotão de fuzilamento. Não é uma história alegre.
A crônica do Celso pode ser encarada em duas partes, a primeira no corpo da publicação, a segunda na réplica que ele faz ao comentário de MVA.
No segundo e terceiro parágrafo da primeira parte Celso tece, sempre com a postura de um mandarim com pleno domínio da palavra e do raciocínio aliado a ela, ou seja, não são palavras vazias, mas plenas de significado sobre a insanidade do Estado que mata e da total falência da Guerra contra as Drogas.
Agora eu tiro uns dados da gaveta para sublinhar essa falência. 1990 – EUA gastam 5 bilhões de dólares no combate ao tráfico. Em 2.000, 16 bilhões. Dos presos federais, 60% é por tráfico, contra 2,5% de crimes violentos. Percentualmente, os EUA prenderam mais do que a Rússia no comunismo e a África do Sul no apartheid. Mais de 65% (fala-se até em 80%) da população carcerária é viciada em álcool e drogas.
Ainda na primeira parte, Celso nos diz que a ausência de compaixão faz do carrasco o maior criminoso e que o brasileiro morto poderia ter uma segunda chance. Que isso seria uma possibilidade. Bingo. Bem, esse sujeito não teve uma segunda chance, mas este Pequeno Fórum pretende que essa morte não seja completamente em vão - há muita coisa em jogo para simplesmente fingir que o assunto não existe e nossa maior comiseração pode muito bem residir nesse pensar na questão.
O comentário da Lúcia fala por si e exprime uma corrente pensamento cuja validade começa a se ampliar (ainda bem), juntando assim mais um tijolo na construção: "Boa noite, Celso. Endossando o seu super lúcido comentário, norteado pelo seu texto sempre sábio, lembro da entrevista de um jornalista de peso dizendo que esses corruptos do lava-jato (e claro, por extensão a todos os corruptos) não eram somente corruptos, mas também assassinos - por que quanto bem em todos os sentidos para o povo não poderia ter sido feito com o dinheiro que eles roubaram - dinheiro para a saúde, para a segurança, para a educação. Enfim...sem mais palavras. Boa noite, meu amigo".
É preciso dizer mais?
Celso nos dá uma aula muito boa sobre legislação, mecanismos da lei aqui no Brasil, e encerra dizendo que não estamos de todo perdidos, que ainda existem legisladores responsáveis.
Fiquei sem entender a questão do Tráfico Privilegiado e aproveito para falar de um assunto chamado "Mínimo mandatório" (tradução capenga) sobre a justiça dos USA no que tange ao pequeno traficante. Exemplo: fulano, 18 anos, bom aluno, sem antecedente de qualquer espécie, perturbado supõe-se pela difícil separação dos pais, foi descoberto traficando LSD via correio. Pelo parâmetro do Mínimo mandatório (insisto na fragilidade da tradução) ele puxa 8 anos de xadrez sem conversa. O caso de fulano foi reportado na virada dos 2.000, tendo ele se suicidado na prisão.
Hoje, noticiado na Globo News, o maior traficante do DF teve alvará de soltura durante a madrugada, zarpando num carro preto. A TV mostrou sua riqueza na forma de casas&carros&barcos etc. e o âncora indagava o por que da soltura.
Somos o país das indagações elementares. Rumores dos últimos dias aventavam acerca de suposto luto nacional pela execução do traficante na Indonésia. Me abstenho de comentar, mas acho que um luto nacional seria mais cabível às crianças mortas por balas perdidas nesta semana.
Encerro com as palavras do próprio Celso, parte do comentário que ele faz aos seus leitores e assim o procedo porque diante do exposto e da barbárie que presenciamos palavras positivas e esclarecedoras são como bóias para o náufrago e nunca será demais enfatiza-las:
"A corrupção sistêmica mata mais, muito mais que a droga, O FAZ EM CADEIA E POR SISTEMA POLÍTICO, como vemos em nosso sistema político, sob nossos olhos, formalmente, e nada acontece,MATA MUITO NA SAÚDE E NA FALTA DE ASSISTÊNCIA TOTAL PELO DESCUMPRIMENTO DAS BALIZAS CONSTITUCIONAIS, INCLUSIVE EM DAR EDUCAÇÃO A TRAFICANTES E DROGADOS, OS PRIMEIROS DESERDADOS DA SORTE E ABANDONADOS QUASE SEMPRE, OS SEGUNDOS QUE MOTIVAM O TRÁFICO INSERIDOS EM TODAS AS CAMADAS SOCIAIS. AO MENOS TRATAR O DROGADO COMO VÍTIMA SE FAZ NECESSÁRIO, QUEM CONHECE O SISTEMA SABE DO QUE FALO, A TUTELA DA LEI É A SAÚDE PÚBLICA".
(Imagem: Vivian Maier, October 10, 1954. New York, NY)