Estudos cristológicos
Leitura do presente texto e outros
A HUMANIDADE DE DEUS
A originalidade da fé cristã é o Deus crucificado: “loucura para os gregos e escândalo para os judeus” (1 Cor 1. 23).
Apesar de se afirmar que os evangelhos são uma leitura retrospectiva da vida de Jesus, a partir da experiência da fé pascal e das exigências catequéticas dos destinatários, a exegese atual esclarece que os relatos evangélicos possuem um núcleo histórico.
Lucas no seu prólogo afirma: “Depois de haver diligentemente investigado tudo desde o princípio, escrevo a ti Teófilo, para que conheças a solidez daqueles ensinamentos que tens recebido.” (Lc 1,1-4)
Este prólogo é o testemunho da seriedade e fidelidade com a qual os evangelistas se puseram a narrar o núcleo histórico da vida de Jesus. Os doze são a garantia de fidelidade ao núcleo histórico: podem comprovar que Jesus o Crucificado é o mesmo que ressuscitou. O Cristo da fé é o mesmo Jesus histórico.
Alguns núcleos históricos:
• Jesus é o Nazareno
• Jesus foi batizado por João Batista
• Ele se dedica a pregar e a fazer o bem e à medida que o tempo passa as pessoas vão tirando o seu apoio e reconhecimento. Ficam os doze e algumas mulheres (Lc 8,1-3)
• Anuncia o Reino de Deus. Os milagres são testemunho de que o Reino está presente no meio do povo
• Declara os pobres, as crianças, os pecadores e os pequenos como sendo os privilegiados do amor de Deus
• Jesus foi condenado pelas autoridades civis e religiosas
• É condenado por Pôncio Pilatos e morre na cruz (a pior das mortes conhecidas pela justiça romana). Foi um escândalo para os seus seguidores que se dispersaram
• Finalmente Jesus Ressuscita: “... Saiba a casa de Israel com a maior certeza, de que este Jesus que vós crucificastes, Deus o constituiu Senhor e Cristo” (At 2,36).
Segundo Bruno Forte (1985) a originalidade da fé cristã consiste no Deus crucificado: “Loucura para os gregos e escândalo para os judeus”(1Cor 1.23) = Deus da história = história da humanidade de Deus.
ATIVIDADES
1. Após leitura das reflexões acima (A HUMANIDADE DE DEUS), diga o que você pensa sobre o fato de a cruz constituir a originalidade da fé cristã e o ápice da manifestação da humanidade de Deus.
Resposta: Nossa razão, disse João Paulo II, nunca vai poder esgotar o mistério de amor que a cruz representa, mas a cruz pode dar à razão a resposta última que esta procura. São Paulo coloca, não a sabedoria das palavras, mas a Palavra da Sabedoria como critério, simultaneamente, de verdade e de salvação» (JP II, Fides et ratio, 23). Ao meu ver a cruz de Jesus é um sinal excepcional para os cristãos e, portanto, constitui um fato singular para a mesma fé cristã em razão da continuidade do processo da revelação do Primeiro Testamento, consumado no Segundo Testamento. Na perspectiva cristã, o sacrifício cruento da cruz consuma os rituais de sacrifícios dos antigos judeus, sendo os mesmos indispensáveis de ora em diante em virtude da abrangência universal-cosmíca do atual sacrifício da Cruz. O cristianismo, como religião originada do judaísmo antigo, caminha na perspectiva do esquema de culto e adoração do Primeiro Testamento, onde incluía os sacrifícios e abluções e não desconectada da história (Javé é o Deus da História). O fato da originalidade da cruz situa-se no fato da compreensão da abrangência do seu efeito e significado: é para todos os humanos (perspectiva sócio-libertadora) e para toda a Criação (perspectiva ecológica). O Padre Teilhard de Chardin “nos seus ensaios sobre o Cristo Cósmico, buscou em São Paulo sua idéia do Cristo cósmico, Cristo sentido da criação, seu ponto de convergência e de união, que a tudo vivifica, que está trabalhando no íntimo de todo ser e de toda a evolução, orientando-a para o Pai: o qual é justamente o ponto Ômega, ao qual vai submeter-se e entregar o seu Reino. A cristogênese é também um movimento de subida e de convergência, prenunciado pelas fases anteriores, mas que representa sua realidade definitiva: para Ele existe o cosmo, e só “por Cristo, com Cristo e em Cristo” alcança sua plena verdade e seu destino” (Do artigo de Paulo Meneses, in www.unicap.br/neal/artigos/Texto5PePaulo.pdf). É o ápice da manifestação de Deus em virtude daquilo que o Evangelista João nos atesta: “E a Palavra se fez carne e habitou entre nós; vimos sua glória, a glória do Filho único do Pai, cheio de graça e verdade(João 1, 14 Bíblia da Editora Vozes). Através de Jesus, o Homem-Deus, situado no tempo histórico, rompe-se a barreira da distância: Deus não está longe dos humanos, mas no meio deles, numa evidente predileção pelos pobres e desvalidos ou alijados do processo de partilha dos bens da Criação. A “morte” de Deus na cruz é manifestação mais expressiva da solidariedade do mesmo com a humanidade. O trânsito não está mais impedido para a plena posse do divino; Deus se fez próximo, se tornou nosso irmão. A paixão e morte de cruz expressa o estado permanente de morte e de dor dos humanos; na cruz todo o sofrimento é re-significado pelo ardor da esperança. A morte não mata mais. O Apóstolo Paulo atesta com veemência: “A morte foi tragada pela vitória. Morte, onde está tua vitória? Morte, onde está teu aguilhão?” (1Cor. 15,54). A solidariedade de Deus com a dor dos homens, mediante o sacrifício da Cruz de Jesus, nos parece o ponto determinante do significado da fé cristã. A solidariedade não se deu apenas com os do momento histórico da paixão, mas foi retroativa a todos que já haviam morrido (gerações passadas). Interessante que o sacrifício antigo foi significativamente substituído pelo sacrifício do Calvário. Jesus assume o lugar do cordeiro (vitima) e do altar (mesa do sacrifício) e do sacerdote (eterno sacerdote), de modo único e necessariamente insubstituível. Assim João Batista pode atestar com propriedade sobre ele: “Ecce Agnus Dei, ecce que tollit peccáta mundi”(João 1,29). A cruz que era o símbolo de humilhação, derrota e morte para todos, em Cristo tornou-se o contrário: mudou a humilhação em exaltação, a derrota em vitória, a morte em vida e a cruz em caminho para a luz. Justamente neste re-significado reside o ponto central da relevância da mesma, como caminho de fé, para a vida da humanidade que adere a Cristo, por ser o instrumento ponte para a esperança para a superação de todos os males existenciais e sociais. Se no passado o mistério da cruz e da ressurreição atendeu a uma mística desencarnada da realidade, servindo até para justificar a dor dos escravos e o conformismo dos pobres com sua situação de exclusão, em nossos dias a cruz e o seu significado precípuo é re-lido e re-significado a partir da dor dos pobres. O assento não é mais a contemplação passiva do sacrifício cruento, mas entrar dentro dele e do interior do mesmo, reacender a chama da esperança que determinou a marcha do Povo Hebreu rumo a terra da libertação. Nesse sentido, não podemos desconsiderar que a cruz do Senhor seja o ponto de partida da vivencia ética dos que velejam no seguimento de Jesus. Desta feita, uma eclesiologia objetiva não pode prescindir da relevância do significado da cruz para que as expressões pastorais expresse o mesmo desejo de Jesus: libertar a humanidade e o mundo de todo tipo de aprisionamento que impede o processo de equidade.
2. Tendo como referência o texto de JON SOBRINO ( páginas 25-73) e o texto de B. FERRARO (páginas 17 - 30).
a. responda:
Quais são os desafios da cristologia para homens e mulheres da América Latina que vivem inseridos num contexto de pós-modernidade e ao mesmo tempo de exclusão sócio-econômica e cultural?
Resposta: O primeiro desafio é conhecer a pós modernidade, quais os elementos culturais que a sustentam e a que tipo de linguagem a pessoa pós moderna, situada no contexto da América Latina, expressa e compreende. Sabemos que o discurso da Teologia da Libertação não responde mais a este magno desafio. Aliás, o referido discurso, de inegável valor no que tange ao enfrentamento das situações sociais adversas, não foi acolhido pelo todo da prática eclesial da América Latina. Quando pensamos que havíamos descoberto os veios da Nova Evangelização e nos lançamos com a Conferencia de Medellin na atitude profética e corajosa da opção preferencial pelos pobres, os pobres optaram pelos pentecostais. No começo não era possível entender, mas hoje sabemos que fomos engolidos pelos apelos da pós modernidade. Enquanto a Teologia da Libertação racionalizava o discurso da fé e o impunha de mondo sócio analítico, os anseios da pessoa pós moderna era pelo emocional e aí os discursos das seitas pentecostais falaram mais intensamente ao imaginário emocional. Enquanto nosso discurso apelava para o comunitário, para a participação e o entrosamento no processo da descoberta do sujeito historico-social, a pós modernidade re-afirma o individualismo e o fechamento ao outro; nessa linha vai também a prática religiosa. O grande desafio para a cristologia em nosso contexto está no “como” vamos apresentar Jesus Cristo à pessoa pós moderna e quais elementos destacar no perfil do próprio Cristo. Precisamos entender melhor a lente cultural pela qual as pessoas estão lendo o mundo e quais as necessidades que essa mesma cultura está formatando no imaginário das pessoas. É sugestivo o quadro religioso que começa a ser desenhado na América Latina. Nota-se um visível ambiente de descristianização da sociedade, sobretudo da juventude, a largos passos (influencia do iluminismo e do positivismo europeus). O emocional sobrepõe ao racional, o relativo ao absoluto, o pessoal ao coletivo, o corpo ao espírito e etc. Nesse ambiente, a experiência religiosa passa ao nível do descartável, buscado em vista de necessidades imediatas; passada a situação, aquieta-se ao indiferentismo religioso. As seitas estão colaborando intensamente para a emergência do indiferentismo religioso e para com o próprio secularismo, por não ter solidez no discurso e por se apresentar como um supermercado religioso ou como serviço de terapia orante. Não restam dúvidas que o prenúncio de Bento XVI, quando ainda cardeal, de que o cristianismo caminha para as reduções em pequenas comunidades é um dado que pode vir a confirmar em nosso Continente. Pensar, atualmente, o cristianismo como religião hegemônica, com capacidade de direcionar a práxis da sociedade é uma utopia. Desta feita, a cristologia terá que falar, no futuro, ao âmago de pequenas comunidades que assumirão o seguimento cristão, sem a pretensão de ufanismo. A pedagogia será a mesma de Jesus: o pequeno grupo. Aí o Evangelho terá que ser a motivação coerente a uma vida de partilha, oração e ágape. É como se fosse uma volta ao estilo nascente da Igreja nos seus primórdios. Tais comunidades, com uma cristologia bem concreta e assumida, serão as testemunhas para um mundo cujo futuro não se mostra promissor. A decadência do mito científico e as situações de pobreza e graves problemas ecológicos, com certeza, irão povoar o “modus vivendis” destas comunidades cristãs da pós modernidade. Na minha parca capacidade de análise, percebo que as coisas caminham por aí.
b. selecione um dos temas abaixo e discorra sobre ele:
- A importância do Jesus histórico para a cristologia
- O histórico como lugar ‘teológico’
- As imagens de Jesus e as cristologias subjacentes: suas interrelações
Resposta: Escolho a primeira opção. De antemão, vale lembrar que a separação discursiva entre o Jesus Histórico e o Cristo da fé, ao meu ver, deve ser de caráter pedagógico, sob pena de cairmos num dualismo medonho, cujas proporções chegarão ao nível da aberração. A importância do olhar da cristologia sobre a dimensão histórica de Jesus é importante para darmos um acento prático ao empenho cristão. As duas dimensões, o Jesus Histórico e o Cristo da Fé, se intercompenetram numa permanente dialética, desfazendo qualquer fronteira de separação. Qualquer acento demasiado a uma das partes, nos levará ao empobrecimento da acolhida do mistério cristão. São duas realidades do mesmo evento. Priorizar o Jesus Histórico, cairemos numa cristologia que facilmente se descambará para a ética social ou para a ideologia; acentuar apenas o Cristo da Fé, vamos, opostamente, mergulhar no espiritualismo estéril e facilmente manipulável para a defesa do “status quo”. Contudo, partindo de uma realidade de dor e sofrimento dos povos latinos, a dimensão histórica de Jesus nos ajudará no exercício do profetismo que nos motivará nas mudanças de atitudes. O Jesus Histórico é muito importante para o contexto elaborativo da cristologia por nos inserir no lado prático do cristianismo. Facilita a compreensão da amplitude da missão de Jesus de Nazaré e o faz próximo da realidade desnudada de nossos tempos. As atitudes e os feitos do Jesus Histórico devem constituir parte preponderante da reflexão cristológica, sob pena de escamotear a precípua objetividade deste tratado teológico.