* ALBERGUE DO PORTO * https://www.facebook.com/ronaldcabralsimas

* Capítulo I - O Show de Maitê *

O telefone tocou rompendo o silêncio da madrugada. Era da UTI do Hospital São Lucas. Meu dia começou com a lavratura da certidão de óbito de Dona Anatália Cabral Simas – minha sagrada mãe – falecida a uma da manhã daquela longa sexta-feira – 26 de novembro de 2010.

Empunhei os documentos necessários para traslado do corpo de Aracaju e, por volta das 5 da tarde endossava a guia de cremação com o valor de R$ 6.200,00 (seis mil e duzentos reais) referentes aos serviços do Cemitério Jardim da Saudade, em Salvador, para transformar em pó o pó do qual viera.

Nascida do nada, essa ímpar mulher encontrou na vida de órfã aos oito anos a inspiração para deixar na terra sementes de superação, dedicação e sucesso.

Pois bem, dispensados os serviços da nave funerária que nos transportou de Aracaju para Salvador procurei abrigo no Albergue da Juventude, unidade da Rua Barão de Sergy, 197/207, Porto da Barra - Salvador – BA.

Desde há muito sou afiliado à essa rede mundial de hospedaria, pagando regularmente para gozar os benefícios oferecidos aos que a procuram.

A essa altura o implacável tempo já empurrava os ponteiros pra mais das oito da noite.

Ao chegar ao Albergue do Porto fui recepcionado por uma senhorita usando saída de praia tão fininha que, ainda molhada, deixava evidente a ausência da parte superior do biquíni. Por resto ocupava as mãos com uma garrafa de cerveja e, na outra, um cigarro que trocava de posição em os seus lábios enquanto preenchia os formulários de praxe.

Visivelmente tocada pelo álcool, essa era Maitê, gerente do Albergue do Porto, Hotelling International - Albergue da Juventude, “a maior rede de hospedaria do mundo”, segundo eles mesmos proclamam.

Com os sentimentos voltados para outra esfera minimizei o fato Maitê. Me recompus, em parte, da tarefa que me havia reservado aquele dia.

De banho tomado, barba feita e roupas trocadas fui à casa do casal – Sr. e Sra. Deocrécio e Astrèe Valente, pessoas que conheço desde a minha tenra infância quando fomos vizinhos na Rua do Socorro, em Aracaju, e até hoje mantemos estreitos laços.

Sendo eles os guardiões da família, têm a mesma faixa etária Dona Natinha (minha falecida mãe). Lá na Rua Lord Cochrane, Barra Avenida, pudemos rememorar fatos pitorescos extraídos da elefântica memória de Seu Deocrécio, e a não menos elefântica de Dona Astrèe, ocasião na qual me informaram dos seus quatro filhos – meus amigos - espalhados pelo mundo.

Dei por encerrada a visita após um fausto jantar, como é a modalidade da casa, e tornei ao Albergue do Porto onde reencontrei Maitê, já mordendo a língua e expelindo fartos chumaços de fumaça, frutos das constantes tragadas proferidas ao cancerígeno rolete de tabaco que mantinha espetado à boca.

Posso assegurar que tive um sono reparador. As memórias que abordavam os meus sentimentos traziam a força encerrada no corpo inerte da minha mãe, que agora jazia no Jardim da Saudade à espera do seu destino final: o crematório.

O sábado amanheceu ensolarado. Após o café-da-manhã que acontece na área dos fundos do antigo casarão de 200 anos que abriga o Albergue da Juventude no Porto da Barra, subi à recepção e já encontrei Maitê seminua e paramentada de cigarro e garrafa de cerveja nas mãos distribuindo afazeres aos funcionários da casa. Isso ainda não eram nove horas da manhã.

De barriga cheia procurei o meu destino no mar da Bahia e logo estava de velas içadas a velejar pela Baía de Todos os Santos, usufruindo a gentileza do meu grande amigo Roney Andrade que disponibilizou o seu Hobie Cat 16 para a nossa contemplação à natureza. Linda a Baia de todos os Santos!

Enquanto esperava pela data de resgatar os restos cremados de Dona Natinha o tempo se arrastava com a preguiça de quem não queria ver nada acontecendo. No entanto, as atividades de Maitê haviam tomado um novo rumo.

Já no domingo a gerente do Albergue da Juventude versão Porto da Barra amanheceu com, além do tradicional cigarro e da garrafa de cerveja, duas recém-chegadas hóspedes paulistas enlaçadas - uma em cada braço - a manifestar exultante euforia pela nova conquista em dose dupla. A partir daí o ambiente ficou envolto numa densa penumbra de lesbianismo explícito.

Sobrou pra mim, e para os outros desprezíveis hóspedes, sermos transformados em plateia para os sucessivos shows protagonizados pelo trio Maitê e suas “maitetes”. Em incansáveis partidas de sinuca mescladas com cenas de erotismo explícito e frases de forte efeito afirmativo, como por exemplo: “de taco nós só gostamos de sinuca, isso em pé sobre a mesa de sinuca e com o taco enfiado entre as pernas. As “maitetes” enlaçadas ao longo do seu pequeno e magro corpo deslizavam como serpentes sibilando as línguas e revirando os olhos em sinal aos seus desejos latentes aflorados. Performances inesquecíveis...

Como gosto de crônica do cotidiano, e tudo serve de esteio para minha curiosidade, fiquei por ali embebedando a sorte com um estoque de Tannat – vinho “reserva, safra 2006” produzido pela vinícola uruguaia Los Teros - cujo restante do lote liquidei ao preço de R$ 11,00 (onze reais) a garrafa – umas 25. Vinho de primeira linha!

Maitê seguia entregue à orgia. Diariamente ainda mesmo antes das onze da manhã expelia: “drunk again”!

Havia trazido de Aracaju alguns equipamentos para velejar. Mesmo diante do seu estado solicitei a Maitê a gentileza de deixá-los sob a guarda do Albergue do Porto esperando pela minha volta a Salvador que aconteceria dali a dois meses.

Sem percalços a gerente providenciou um local, segundo ela, seguro, e acondicionou as três “fraldas para trapézio” me dando a garantia de que os pertences, que somados alcançam a faixa de R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais), estariam me esperando.

Como as “fraldas” são para uso exclusivo da atividade náutica especificamente da navegação de equipamentos da espécie multicascos, não havia motivos para preocupações: o equipamento a ninguém interessa...

Com tudo pronto para, no dia seguinte bem cedinho, ir resgatar o produto da encomenda crematória renunciei a assistir ao espetáculo de Maitê daquela noite e fui cedo pra cama.

Na alta madrugada fui abalado pelo ruído que invadiu o alojamento Carlinhos Brown. O peso do enorme postigo da janela rompeu os seculares cravos que o aprisionava às dobradiças e precipitou-se sobre a minha cabeça como a lâmina de uma guilhotina: ávida para ceifar. Por pouco saí ileso!

Numa conversa com Maitê relatei o fato e levei-a para constatar o risco iminente do postigo algoz, além de fazer duras críticas ao estado de deterioração em que se encontravam os armários de aço destinados a abrigar pertences dos que ali se hospedam, à falta de higiene nos banheiros, à limpeza dos quartos, além do estado deplorável em que se encontrava a geladeira comum a todos: podre, podre!

Recomendei dedetização para erradicar ratos, baratas e outros seres vivos impertinentes a invadir a privacidade dos hóspedes

Finalmente chegara o dia de subir a Colina de Brotas para recolher o fruto da cremação do corpo de Dona Natinha.

Apressei-me em fazer a higiene matinal e escolhi um banheiro pouco movimentado localizado no mezanino, mas fui flagrado, nu, por duas mulheres que, ao entrarem, se assustaram com a minha presença.

O fato foi esclarecido após rápida perícia que constatou a queda das duas primeiras letras da palavra “woman” – o w e o - tendo ficado a legenda do banheiro apenas ”man”, ao invés de “woman”. Que vexame!

Até então Dona Lia, como é conhecida e temida a dona do albergue, nunca havia dado o ar da graça...

* Capítulo II * O Prosperidade da Ignorância *

De vida reorganizada em Aracaju, em 12 de fevereiro de 2011 estava de volta a Salvador para participar da regata Salvador/Morro de São Paulo.

O evento que apenas engatinha, pois comemorou em 2011 na sua 7ª edição, promete contribuir de forma significativa para o engrandecimento da vela na Bahia.

Munido de farta bagagem e rebocando - a carro - um lindo exemplar da antológica Classe Hobie Cat 16 aportei ao Albergue do Porto.

A sua localização favorece os meus objetivos, haja vista estar nas proximidades do Yatch Clube da Bahia – na Ladeira da Barra. Portanto é inquestionável a minha preferência por aquela hospedaria, no que pese as minhas restrições face à má administração e ao estado de abandono em que se encontra o estabelecimento hoteleiro.

Ao me apresentar à recepção com a carteira de alberguista fui recepcionado por Sandra, uma holandesa de meia idade que se identificou como a nova gerente daquilo que se intitula uma célula do Hosteling International.

De trato sociável, Sandra demonstrou que estava ali para colocar o desgovernado barco a favor do vento e da maré, na tentativa de fazer valer o verdadeiro espírito alberguista: prestar serviço personalizado voltado para integrar e socializar as infinitas culturas que promovem esse constante movimento de pessoas, gerando renda e trabalho através do sistema cooperativo que é a semente do alberguismo.

Doze de fevereiro era um sábado. Após os percalços que me impediram de alinhar na raia rumo ao Morro de São Paulo me contentei com uma boa batata recheada no Tudo Azul, restaurante de comida suíço-brasileira.

Entre uma conversa e outra o abrasador calor do verão soteropolitano foi me amolecendo até que, morto de cansaço, desfaleci sobre o colchão do segundo andar do beliche, no mesmo quarto que ocupara anteriormente: o Carlinhos Brown (só tinha ele disponível).

Logo de cara percebi que o postigo algoz, dois meses depois, ainda ocupava seu posto de carrasco. Mais uma vez convoquei a gerência. Sandra, entre mil desculpas, tentou explicar que as dificuldades eram muitas. No entanto os armários enferrujados haviam sido trocados. Um avanço...

O domingo amanheceu risonho – verão em Salvador. Ainda nem começara a resmungar sobre a perda da Regata Salvador/Morro de São Paulo sentaram-se à mesa do café-da-manhã duas moças que depois se apresentaram como sendo argentinas.

Uma delas, Laura Grigaitis, logo encontrou em mim um parceiro para lamentar os maus tratos que os governantes (os nossos e os delas) dispensam aos nossos países, atirando as populações nesse abismo decorado com corrupção, esculhambação, desrespeito e mais substantivos, adjetivos, verbos e qualquer classe gramatical que sirva para traduzir o que é feito desse povo cujo oxigênio já falta pra respirar.

Laura é antropóloga, doutora em Sociologia da Violência e da Criminalidade. Engajada nos movimentos de libertação da Argentina, tem rígidos princípios éticos e visão política progressista. Como não somos fanáticos por futebol (eu e ela) não houve maiores motivos para desentendimentos.

Saímos do café da manhã direto para a Ribeira. Naquele domingo o sol brilhou também pra mim.

Dizem as más línguas que “alegria de pobre dura pouco”. Comigo não haveria de ser diferente.

Amanheci na segunda feira como se houvesse passado a noite sendo espremido por uma máquina de moer cana. Convencer Laura que de fato eu havia adoecido foi tarefa difícil.

Mole, febril, desmotivado! Essa foi a realidade devastadora que se abateu sobre mim naquele primeiro momento de Salvador, de Laura, de promessas para uma nova vida.

O banzo continuou pela semana inteira. Apático, sem apetite e com a libido em baixa Laura preferiu levantar âncora e partir rumo a Itacaré. Até hoje não responde aos meus e-mails.

Intrigado com a causa do meu súbito declinar iniciei incansável busca da origem do mal.

Num café-da-manhã Sandra me serviu água de uma ânfora quando constatei a presença de duas larvas de inseto. Antes mesmo que eu selecionasse a amostra para exame Sandra arrancou o copo da minha mão e deitou aquele nocivo reprodutor ralo abaixo. Entre mais mil desculpas a holandesa tornou a exercitar o compromisso firmado de transformar o pecado em virtude.

Laura não regressou ao acampamento original e eu dei por perdida aquela forte guerreira que muito mais poderia haver contribuído para o meu modesto existir.

Ainda combalido pela ziquizira e parcialmente conformado com o destino que Laura resolvera tomar, resolvi participar do jantar de comida baiana oferecido as terças-feiras pelo Albergue do Porto, não naturalmente sem a cobrança do valor simbólico de R$ 30,00 (trinta reais) por pessoa.

O banquete é, sem dúvidas, fiel à tradição, abrindo-se um parêntesis para a população de ratos que invade diariamente as dependências da cozinha, particularmente as terças, quando são ainda mais aliciados pelo aroma das iguarias que vão de desde xinxin os ao vatapá exalando aromas do azeite de dendê. Tudo a ver com as particularidades da baianidade nagô.

Os ratos são um capítulo à parte na história do Albergue do Porto. Tradicionais portadores de toda e qualquer quantidade de doenças, os ratos daquele albergue são cevados a faustos banquetes diários e recompensados com a impunidade.

Convicto de que o mal que me nocauteou, ainda no primeiro dia da minha estada, foi originado da essência da mistura insetos + ratos procurei a gerente Sandra e, em presença de alguns funcionários, a exemplo de Gabriela, Bruno etc. e tais, comuniquei que os ratos estavam a tomar comida das mãos dos hóspedes durante a ceia de comida baiana, motivo pelo qual remetia a esse fato a total contaminação do ambiente que abriga viajantes de todas as partes do mundo.

Aproveitei a oportunidade para tentar, mais uma vez, resgatar as “fraldas do trapézio” que havia deixado sob a guarda do Albergue do Porto autorizada por Maitê, a gerente anterior.

Durante essa conversa houve preocupação em relação a exterminar a população dos transmissores da peste bubônica – causada pela bactéria 'yersinia pestis', que os roedores transmitem aos humanos através de pulgas infectadas, devastadora pandemia que matou um terço da população da Europa no século XIV em apenas cinco anos, como também adotar medidas capazes de tornar digno o espaço físico daquela unidade que faz parte do complexo hoteleiro da Bahia.

Foram levantadas questões como a restauração do assoalho – em franco estado de decomposição – das condições da vegetação que abriga pontas de cigarro enfiadas na terra que as faz viver, da poda do matagal que encobre as placas de sinalização nas ruas e invade a rede elétrica prestes a provocar circuitos, do estado deplorável das calçadas externas que põem em risco a integridade física dos pedestres, da substituição das mãos-de-força que sustentam os letreiros e muito mais itens pertinentes à segurança de todos.

Durante o curso do evento ofereci os meus préstimos profissionais para reduzir os danos presentes naquele ambiente insalubre, proposta que foi vista com bons olhos e apresentada a Dona Lia.

A essa altura do campeonato Dona Lia, como é conhecida a dona do Albergue do Porto, ainda não havia dado o ar da graça.

Entre as minhas idas e vindas de Salvador par Aratuba – um vilarejo na extremidade sul da Ilha de Itaparica onde desfrutava da hospitalidade de Roney Andrade e família, todos velejadores – consultei Sandra da possibilidade de receber no endereço do Albergue do Porto uma encomenda que seria a mim enviada pela Tom & Cat – empresa especializada no ramo náutico com sede em São Paulo e fui autorizado pela gerente.

Finalmente recebi um telefonema da transportadora e me despenquei da Ilha de maneira que ao final da tarde pudesse resgatar o meu pertence a tempo de voltar para o reconfortante barulho do mar acompanhado pela orquestra de sapos, grilos e outros sons que a só natureza e capaz de reger.

No Albergue do Porto fui surpreendido pela falta de tato da recepcionista Mariana. Ao solicitar informações sobre a encomenda, a negra – é assim que ela faz questão de ser chamada, abominando a designação de afrodescendente, enquanto zanzava pelos corredores do albergue vendendo réplicas de orixás em caixinhas transparentes, disse: “chegou e eu não recebi”. Em seguida perguntou: “era alguma coisa legal?”.

Devolvi a pergunta querendo saber se ela teria alguma notícia de que vivi, ou vivo na ilegalidade.

Procurei Sandra e a pena de repreensão foi aplicada a Marina. Sem alternativas fui obrigado a dormir em Salvador. No dia seguinte a encomenda chegou, ao final da tarde, impossibilitando a minha volta para a Ilha, tendo sido obrigado a ficar ali mais uma noite. E nada de Dona Lia aparecer.

Enquanto isso Sandra contornava a situação, muito embora reclamasse incansavelmente da falta de investimento e descaso por parte da administração.

O verão continuava bombando, até que uma inesperada reviravolta nas condições meteorológicas findou por rodopiar o HC 16 de Roney, ancorado numa prainha em Caxa Pregos, provocando à embarcação avarias que a tornaram inavegável.

O incidente obrigou a remoção da embarcação, tendo ficado ela acomodada sobre o leito da carreta rodoviária que cedi a Roney por empréstimo e reboquei no meu carro até a rua Barão de Itapuã esquina de Barão de Sergy pois no Yatch Clube embarcações só entram por mar. Novamente estava eu hospedado no Albergue do Porto

Lá existe um único alojamento misto oferecendo aí tarifa mais em conta já que há uma pressuposta perda de privacidade, contrariando a orientação universal que estabelece que todos os alojamentos coletivos devem ser mistos. Mas Dona Lia faz as leis...

Sempre lotado na alta estação finalmente esse alojamento disponibilizou uma vaga. Conversei com o recepcionista Yan solicitando a minha acomodação naquele que me permitiria a economia de alguns reais.

Surpreso, fui interpelado por Yan que me fez a seguinte pergunta: “mas você não vai aprontar não, né”?

Primeiro Mariana remete a minha reputação ao mundo do crime, praticado com o uso indevido dos serviços de transporte, agora Yan me coloca no paredão dos tarados, pervertidos e psicopatas que usam os semelhantes do sexo feminino para saciarem a sede dos seus desvios.

Na oportunidade seguinte em que o encontrei - a Yan - na recepção relatei a devassa que havíamos feito, eu e a cearense que dividia beliche comigo, naquele alojamento misto para dez pessoas: lexotan na cerveja e orgia total! Coitadas das alemãzinhas, tão lindas! A expressão de Yan mereceu ser filmada...

Após todos esses eventos finalmente Dona Lia apareceu. Favorecida pelo dispositivo internet ficou fácil controlar o fluxo de caixa sem se desvencilhar dos lençóis lá na casa dela. Já dizia o poeta: “cria fama e deita-se na cama”.

Pois bem, escondida sob o manto da fumaça emanada do cigarro que ostenta com vigor e determinação, Dona Lia invadiu o Albergue do Porto com sede de fome de justiça.

Sem nunca abandonar o cigarro aceso que ostenta eternamente, instituiu a vício de fumar nas dependências internas da sua instituição comercial. Ali a Lei Anti-Fumo perde o efeito diante da prepotência, da ignorância e da arrogância. Todos os funcionários fumam, a qualquer momento e em qualquer área do albergue, além de espetarem as pontas dos preciosos cigarros na terra dos vasos que abrigam plantas.

Dona Lia é a nova ordem do universo!

Durante a sua meteórica passagem fez reunião com funcionários, demitiu Yan e deixou orientações que depois vim a saber.

Por volta da 11 horas da noite daquele mesmo dia Sandra me procurou. Cheia de pedidos de desculpas me pediu que fizesse o check out no dia seguinte, pois o meu prazo de hospedagem estaria esgotado, conforme o estabelecido pelas normas que regem os procedimentos do Albergue da Juventude, que seriam de quinze dias por ano.

Contra-argumentei dizendo que, segundo me consta, alberguistas têm direito a ficarem 15 dias ininterruptos a cada três meses. Interrompida permanência antes dos 15 dias inicia-se uma nova contagem.

Ali percebi que algo além da aplicação das normas estatutárias estavam envolvidos outros motivos.

No dia seguinte fiz o check out, ocasião na qual informei que só deixaria as instalações do albergue quando assim me aprouvesse, visto que não poderia sair assim escorraçado.

Se o meu desligamento serviria para que dos registros não contasse irregular permanência o problema estaria resolvido: pagaria as diárias por fora.

Em seguida encontrei Sandra, no Porto da Barra, quando me comunicou que havia sido despedida sumariamente sob argumentos de que havia incompatibilidade de gênios entre ela e Dona Lia.

Segundo a ex-gerente os motivos seriam que na baixa temporada (momento propício para fazer as manutenções necessárias) a administração do Albergue do Porto promove a redução dos quadros, obrigando os funcionários restantes a enfrentarem duras cargas de trabalho e acúmulo de funções.

Dois dias depois fui desse novo fato fui convocado pelo Capitão Roney para voltarmos a Aratuba e fechar definitivamente o ciclo do verão. Na volta procurei outro albergue, por sinal no outro lado da rua: Albergue Porto Salvador, que não é afiliado ao Hostelling International – Albergue da Juventude, mas oferece basicamente as mesmas condições de hospedagem.

Estando dando por encerradas as minhas atividades em Salvador por esse período, resolvi fazer uma visita de cortesia aos que entendi merecedor.

Após visitar pessoas na Ribeira, Bomfim e Boca do Rio, almocei no Pastel do Horto enquanto esperava um cientista que faz doutorado na UFBA, como bolsista do CNPQ, sobre o poder de cura de plantas da flora brasileira, especialmente a Jurema, o Jagube e a Rainha, tentando quantificar, especificar os fatores inibidores do DMT.

O resultado dessas pesquisas deve ser utilizado na indústria farmacêutica para produção de medicamentos.

O químico Dr. Alan ficou sabendo que eu sou adepto do Santo Daime e entrou em contato comigo para que eu pudesse contribuir com a sua pesquisa, inclusive fornecendo amostras da bebida que mantenho sob a minha guarda.

Já que estava em frente decidi dar uma rápida entrada no Albergue do Porto para cumprimentar amigos. Enquanto isso Alan recebeu uma chamada telefônica e preferiu atendê-la do lado de fora enquanto eu prosseguia com o meu ritual de despedida.

Toquei a campainha. Ao ser aberta a grade de entrada acionada através de porteiro eletrônico, adentrei a recepção onde Bruno, um dos recepcionistas me atendeu com bastante cordialidade.

Numa fração de segundo Dona Lia partiu da sala ao lado, onde se reunia com funcionários (estavam todos lá) e partiu pra cima de mim exibindo os amarelados dentes a nicotina e, enquanto segurava um cigarro, histericamente começou a gritar: “o que você está fazendo aqui... o que você está fazendo aqui...? Sem me abalar respondi que fui me despedir de amigos, ao que ela, ainda mais histérica, vociferou: “aqui você não tem amigos... aqui você não tem amigos...” e repetiu até me enxotar aos gritos cada vez mais histéricos: ninguém lhe quer aqui, vá embora ratazana, saia daqui ratazana, não volte mais aqui ratazana...

Mesmo após eu haver agradecido pela forma bem educada como fui recebido continuei ouvindo os brados de vá embora ratazana, vá embora ratazana...

A 50 metros do albergue está a 14ª Delegacia de Polícia, onde registrei, no de 15 de abril de 2011, um Boletim Ocorrência.

* Capítulo III * A Força Pública da Bahia *

Demorada conversa com a Delegada findou com audiência marcada para dali a alguns dias. Tudo ficou dependendo de Lia ser intimada para concluirmos o processo policial, e avançarmos para o Termo Circunstanciado onde eu reclamaria o direito de me hospedar no Albergue da Juventude/Albergue do Porto.

Em seguida ajuizaria Ação de Indenização por Danos Morais, com a finalidade de punir o Albergue do Porto e reparar financeiramente o desconforto a mim causado.

Bem, na primeira audiência Lia não compareceu, na segunda a delegada esteve numa diligência, na terceira todo o pessoal da delegacia havia sido transferido para o Bomfim, na quanta o novo delegado ainda não tinha tomado posse, na quinta não tinha escrivão, na sexta a polícia entrou em greve, na sétima eu fui tomar cafezinho e usar o banheiro...

...na data da oitava audiência fui parar na Segunda-feira da Ribeira: Baianizei!

Ronald Cabral Simas

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Ronald Cabral Simas
Enviado por Ronald Cabral Simas em 29/10/2014
Reeditado em 02/11/2014
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