A CADUCIDADE ESTATUTÁRIA NA CASERNA PERNAMBUCANA.

A CADUCIDADE ESTATUTÁRIA NA CASERNA PERNAMBUCANA.

Decorridas quatro décadas e ainda encontrá-se em vigência a Lei nº 6.783, de 16 de outubro de 1974 (Estatuto dos Policiais Militares do Estado de Pernambuco), com seus 141 artigos.

Exatamente hoje, esta norma estatutária completa 40 anos de vigência, mesmo que de forma remendada pelas mais diversas interpretações das três esferas do poder, contudo, pouca ou quase nenhuma modificação expressa houve.

Em sua publicação, pelo então Governador pernambucano Eraldo Gueiros Leite, vigia em nosso País um Estado de Ditadura, compreendendo como uma forma de governo onde o poder é totalmente controlado por militares, o qual permaneceu durante os anos de 1964 a 1985.

Nesta fase de ditadura, os militares das Forças Armadas, Marinha, Exército e Aeronáutica, foram regidos em seus direitos, prerrogativas, deveres e obrigações pela Lei Federal nº 5.774, de 23 de dezembro de 1971, que mais tarde foi revogada pela atual Lei nº 6.880, de 9 de dezembro de 1980, Estatuto dos Militares das Forças Armadas.

Ambas normas tiveram a sanção presidencial de um militar, a primeira, do General Emílio G. Médici, e a segunda, do General João Batista Figueiredo.

E qual relevância do regramento dos militares citados acima, de ordem federal, para os militares estaduais, policiais e bombeiros militares?

Explicamos.

O então art. 5º da Lei 5.774/71, e atual art. 4º da Lei 6.880/80 assim dispõe:

“ Art. 4º São considerados reserva das Forças Armadas:

I - individualmente:

a) os militares da reserva remunerada; e

b) os demais cidadãos em condições de convocação ou de mobilização para a ativa.

II - no seu conjunto:

a) as Polícias Militares; e

b) os Corpos de Bombeiros Militares.”

De sorte que sendo estas duas últimas categorias de militares estaduais, policiais e bombeiros, reservas das Forças Armadas, estariam por consequência subordinados, também, aquele regramento militar federal.

E sendo assim, mesmo sabendo que simetria é o princípio federativo que exige uma relação simétrica entre os institutos jurídicos da Constituição Federal e as Constituições dos Estados-Membros, por razões didáticas, desculpem-me os constitucionalistas no atrevimento em fazer paralelismo, entre normas federal e estadual, aqui adotarei essa relação pelas seguintes razões.

Sendo os militares estaduais considerados reservas das Forças Armadas ficaria incompatível ter-se um regramento distinto daquele, daí a razão pela qual elaborou-se uma norma estadual, Lei 6.783/74, digamos assim, de mesmo valor semântico, da Lei Federal nº 5.774/71, que mais tarde foi revogada pela atual Lei 6.880/80, contudo, a norma estadual permaneceu em “posição de sentido”, conceituado esta segundo a enciclopédia livre Wikipédia2, como:

“ posição consiste em o subordinado ficar rígido.

A posição de sentido pode também ocorrer quando um militar se dirige a outro mais antigo, em posição de respeito e subordinação.”

E ao nosso sentir foi exatamente isso que ocorreu no âmbito legislativo, a Lei Estadual nº 6.783/74 subordinou-se, inicialmente, a Lei nº 5.774/71, e posteriormente, a Lei nº 6.880/80, pois um leitor curioso, desejando comparar as normas, irá constatar que os dispositivos legais de uma e outra norma se equivalem.

As razões são óbvias. Ambas regulam, como já dissemos, direitos, prerrogativas, deveres e obrigações dos militares, os quais em seus círculos hierárquicos se assemelham (Soldado, Cabo, 3º, 2º e 1º Sargentos, Suboficial (para o Exército) e Subtenente (para militares estaduais), 2º e 1º Tenentes, Capitão, Major, Tenente Coronel e Coronel).

Ultrapassada essa fase de introdução do leitor na formação da norma castrense, passemos agora a analisar, particularmente, a norma estadual dos policiais militares pernambucanos, Lei 6.783/74.

A citada norma aplica-se aos bombeiros militares de forma subsidiária, por artifício da Lei 11.199, de 30 de janeiro de 1995, a qual tratou sobre a Organização Básica do Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Pernambuco, matéria esta regida atualmente pela Lei nº 15.187, de 12 de dezembro de 2013. Vejamos.

“Art. 62 - Até que o Corpo de Bombeiros Militar de Pernambuco venha a possuir legislação específica da Corporação, aplicar-se-ão a seus integrantes o ESTATUTO DOS POLICIAIS MILITARES, a LEI DE PROMOÇÃO DE OFICIAIS e a DE PRAÇAS, a LEI DE REMUNERAÇÃO DA PMPE, e outros dispositivos legais referentes a direitos, vantagens e obrigações de seus membros.” (Destaquei).

Em título da presente análise “A CADUCIDADE ESTATUTÁRIA NA CASERNA PERNAMBUCANA”, precisamos tratar de algumas definições não muito usuais.

Primeiramente, quanto ao termo Caducidade, de forma clara e objetiva encontramos o seguinte3:

“Caducidade, em direito, é o estado a que chega todo o ato jurídico tornando-se ineficaz em consequência de evento surgido posteriormente. É o estado daquilo que se anulou ou que perdeu valia, tida, até então, antes que algo acontecesse.

Significa, também, a perda de um direito pelo seu titular devido a atos (renúncia, inércia), fatos, decurso de prazo (prescrição,decadência ou preclusão) ou decisão judicial. Tem o significado de algo que caiu em desuso ou foi tacitamente revogado.”

Já o termo Caserna, de maneira geral, seria o ambiente militar.

Na presente reflexão trataremos da aplicabilidade de um Estatuto em desconformidade com o ordenamento jurídico em vigor, especialmente, quanto a norma constitucional, norma esta tida como fundamental e obrigatória observância por todas as demais normas.

Para se ter uma ideia, dos 141 artigos da Lei 6.783/74, em torno de 30 deles não foram recepcionados pela Carta da República de 1988, e outros foram revogados de forma tácita por normas do Estado de Pernambuco, sem que expressamente constasse essa revogação na norma revogadora, com isso, diversos e conflitantes são os entendimentos daqueles que labutam com esse diploma legal.

Exemplificando, citaremos alguns dos dispositivos da Lei 6.783/74, e nas entre linhas mencionaremos onde se encontra o conflito.

1º conflito:

Art. 3º Os integrantes da Polícia Militar do Estado de Pernambuco, em razão da destinação constitucional da Corporação e em decorrência das leis vigentes, constituem uma categoria especial de servidores públicos estaduais e são denominados policiais-militares.

Esta denominação de servidor público estadual – policial militar, foi revogada tacitamente pela Emenda Constitucional nº 18/98, que modificou entre outros artigos, o art. 42 da Constituição da República Federativa Brasileira de 1988 - CRFB, assim disposto:

Art. 42 Os membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, instituições organizadas com base na hierarquia e disciplina, são militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998).

2º conflito:

Art. 3º....

§ 1º Os policiais-militares encontram-se em uma das seguintes situações:

a) na ativa:

I - os policiais-militares de carreira;

II - os incluídos na Polícia Militar voluntariamente, durante os prazos a que se obrigaram a servir;

Atualmente, conforme art. 37, inc. II da CFRB, e Lei Complementar nº 108/08, somente por concurso público é possível ingressar na Polícia Militar de Pernambuco.

Art. 1º O ingresso na Polícia Militar de Pernambuco - PMPE e no Corpo de Bombeiros Militar de Pernambuco CBMPE, nos quadros ou qualificações discriminados na presente Lei, dar-se-á mediante nomeação, após aprovação e classificação em concurso público, de provas ou de provas e títulos, realizado em duas etapas, conforme o disposto nesta Lei Complementar e em consonância com a legislação em vigor.

3º conflito:

Art. 5º....

§ 2º É privativa de brasileiro nato a carreira de Oficial da Polícia Militar.

Art. 12 da CFRB,

§ 3º - São privativos de brasileiro nato os cargos:

VI - de oficial das Forças Armadas.

Art. 20, da Lei Complementar nº 108/2008. São requisitos gerais para ingresso nos Quadros de Oficiais da PMPE ou do CBMPE:

I - ser brasileiro;

Novamente o Estatuto está caduco quanto ao ingresso como Oficial, tanto na PMPE, como no CBMPE, não se pode exigir que o candidato seja brasileiro nato, já que a Norma Maior definiu que somente a qualidade de nato seria para oficial das Forças Armadas, além também da nova lei de ingresso na corporação, LC nº 108/08, estabelecer de forma diferente.

4º conflito:

Art. 48...

§ 2º Compete ao Comandante-Geral da Polícia Militar julgar, em última instância, os processos oriundos dos Conselhos de Disciplina convocados no âmbito da Corporação.

Dispositivo revogado tacitamente pela Lei 11.929/2001, a qual definiu as competências e atribuições da Corregedoria Geral da Secretaria de Defesa Social de PE, vejamos.

Art. 7º...

§ 3º Os relatórios finais dos processos administrativos instaurados pelas Comissões de que tratam os incisos I a VIII deste artigo, após parecer técnico, deverão ser homologados pelo Corregedor Geral, antes do envio para deliberação do Secretário de Defesa Social ou do Secretário Executivo de Ressocialização, conforme o caso, ouvidos, para oferecimento de parecer ou outras providências que entenderem cabíveis, os membros do Ministério Público com atuação junto à Corregedoria Geral.

5º conflito:

Art. 51. Os policiais-militares são alistáveis como eleitores, desde que oficiais, aspirantes-a-oficial, subtenentes, sargentos ou alunos de curso de nível superior para formação de oficiais.

Parágrafo Único. Os policiais-militares alistáveis são elegíveis, atendidas as seguintes condições:

a) o policial-militar que tiver menos de 5 (cinco) anos de efetivo serviço será, ao se candidatar a cargo eletivo, excluído do serviço ativo, mediante demissão ou licenciamento “exoffício”; e

b) o policial-militar em atividade, com 5 (cinco) ou mais anos de efetivo serviço, ao se candidatar a cargo eletivo, será afastado, temporariamente, do serviço ativo e agregado, considerado em licença para tratar de interesse particular. Se eleito, será, no ato da diplomação, transferido para a reserva remunerada, percebendo a remuneração a que fizer jus, em função do seu tempo de serviço.

Mais uma vez a Norma Maior não recepcionou a norma castrense, pois o art. 14 da Constituição Republicana, trata tão somente de “o militar”, incluindo-se assim todos os Postos e Graduações, é tanto verdade que atualmente todos os militares votam e são votados, vejamos:

§ 8º - O militar alistável é elegível, atendidas as seguintes condições:

I - se contar menos de dez anos de serviço, deverá afastar-se da atividade;

II - se contar mais de dez anos de serviço, será agregado pela autoridade superior e, se eleito, passará automaticamente, no ato da diplomação, para a inatividade.

6º conflito:

Art. 56. É proibido acumular remuneração de inatividade.

Parágrafo Único. O disposto neste artigo não se aplica aos policiais-militares da reserva remunerada e aos reformados, quando ao exercício de mandato eletivo, quanto ao de função de magistério ou cargo em comissão ou quanto ao contrato para prestação de serviços técnicos ou especializados.

Art. 90. A transferência “ex-officio” para a reserva remunerada, verificar-se-á sempre que o policial-militar incidir nos seguintes casos:

VI – ser empossado em cargo público permanente, estranho à sua carreira, cujas funções sejam de magistério;

Enquanto o art. 56 regulava a situação do policial militar da inatividade, reserva remunerada ou reforma, poder acumular seus proventos com remuneração de cargo de magistério. O art. 90 estabelecia que o policial da ativa empossado em cargo público permanente de magistério seria transferido ex-officio para a reserva remunerada com proventos proporcionais.

Questão bastante controversa, pois a permissividade para acumular cargos públicos, é taxativamente estabelecida no art. 37, da Carta Magna, assim disposta:

XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI:

a) a de dois cargos de professor;

b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico;

c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas; (Destaquei)

Sendo assim resta definir se o cargo de policial militar, strito senso, seria de qual natureza, técnico ou científico.

O novo regramento de ingresso nas Corporações Militares estaduais está sendo regulado pela Lei Complementar nº 108/2008, e não mais pelo Estatuto, definindo para o cargo de Soldado a exigência, dentre outros requisitos, o nível de escolaridade médio completo, antigo 2º grau. Já para o Oficial da PMPE, o curso de Direito, e para Oficial bombeiro, qualquer curso superior.

Pois bem.

Seria o cargo de Oficial PM um cargo técnico, pela exigência específica de um curso superior, assim como é para Magistrados, Promotores e Delegados de Polícia?

E quanto ao cargo de Oficial Bombeiro. Seria um cargo científico, já que a exigência para ser preenchido é qualquer curso superior?

E o cargo de Soldado. Obviamente não é científico, pois não requer curso superior para seu preenchimento, mas seria técnico? Vejamos o conceito de cargo técnico definido pelo Tribunal de Contas da União, em julgamento ocorrido em 19/2/2008:

GRUPO II – CLASSE V – 2ª Câmara TC-013.198/2007-6.

“É considerado cargo técnico ou científico, para os fins previstos no art. 37, XVI, b, da Constituição Federal, aquele que requeira a aplicação de conhecimentos científicos ou artísticos obtidos em nível superior de ensino ou para o qual se exige conhecimento técnico ou habilitação legal específica, sendo excluídos dessa definição os cargos e empregos, cujas atribuições se caracterizam como de natureza burocrática, repetitiva e de pouca ou nenhuma complexidade.”

Com essas pinceladas pela Norma Estatutária dos policiais militares pernambucanos podemos constatar facilmente que alguns dispositivos caducaram, caíram em desuso, foram suplantados, porém permanecem estáticos, contidos literalmente em texto de lei, sem contudo produzir efeitos, ou quando produzem, passíveis de provocar discussões em pleitos administrativos e até mesmo judiciário.

E o que fazer?

Uma boa ideia, e cumprindo diretriz da Portaria Interministerial nº 2, de 15 de dezembro de 2010, seria uma reformulação do texto integral da Lei 6.784/74, adequando-o à Constituição Federal de 1988 e demais normas que esparsamente estejam tratando de alguma matéria de direito e deveres dos policiais e bombeiros militares pernambucano.

E nesta seara, em sua maioria, a alteração dos dispositivos citados é de competência privativa do Governador do Estado, conforme determina a Constituição Estadual.

Art. 19. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Assembléia Legislativa, ao Governador, ao Tribunal de Justiça, ao Tribunal de Contas, ao Procurador-Geral da Justiça e aos cidadãos, nos casos e formas previstos nesta Constituição.

§1º É da competência privativa do Governador a iniciativa das leis que disponham sobre:

III – fixação ou alteração do efetivo da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar.

IV - servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos públicos, estabilidade e aposentadoria de funcionários civis, reforma e transferência de integrantes da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar para a inatividade;

Com essas explanações, mesmo que de forma sucinta e simplória, nosso maior intento foi trazer à lembrança que o nosso velho Estatuto se encontra, em muitos dispositivos, caduco, necessitando de um incremento para que assim possa atender ao ordenamento jurídico vigente, evitando-se assim conflitos de entendimentos e demandas judiciais desnecessárias.

Esta é a nossa forma de parabenizar a Lei nº 6.783, de 16 de outubro de 1974, pelos seus 40 anos de vigência, e quem vê sua atualização.