USO DO PALAVRÃO: DESCONTENTAMENTO, AGRESSIVIDADE OU AUTO-AFIRMAÇÃO?

Não sou psicóloga, mas ser humano, e comecei ler ultimamente sobre o seu uso como meio de auto-afirmação, para chocar os mais velhos, ou para chocar indivíduos diametralmente opostos a sua realidade, seja por formação religiosa, etc.

No meio evangélico, ensinamos que não devemos falar palavras “torpes”, aliás, o próprio Apostolo Paulo ensinava isso, ao escrever aos Efésios 5.29, “não saia da vossa boca nenhuma palavra torpe, e sim unicamente a que for boa para edificação, conforme a necessidade, e, assim, transmita graça aos que ouvem”. Outro texto, dessa vez em sua carta aos Colossenses 4.6, onde afirma que “a vossa palavra seja sempre agradável, temperada com sal, para que saberdes como deveis responder a cada um”. Às vezes, chamo palavrões. E me sinto automaticamente censurada, pelo meu próprio código ético, e pela educação cristã que recebi.

Quero chamar a atenção para os insultos, o palavreado baixo que é usado por algumas pessoas durante a prática sexual. Interpreto isso, como uma necessidade de transgredir, talvez inconscientemente humilhar, ou naquele momento, deixar transparecer de desfazer o outro. Os psicólogos podem explicar isso melhor do eu. Freud explica isso como perversão.

Há outros momentos em que o palavrão faz parte do cotidiano dos indivíduos. Há alguns que numa sentença com dez palavras, oito são expressões chulas, regadas a palavrão. Certa vez, fiquei observando um grupo de jovens conversarem, e eles estavam falando alto, gesticulando, e pela expressão era algo engraçado, ou que para eles tinha sido uma boa experiência. “Puxa, fulano, isso foi bom pra “caralho””, o outro respondeu, “foi “foda” mesmo”, e, a conversa continuou. Percebi que naquele instante, havia uma sensação de pertencer. Outras vezes, quando há alguém que eles sabem não pertencer ao grupo, exageram nas expressões. É como o indivíduo, para se auto-afirmar num determinado grupo, bebe a mais, fuma mais que os outros, para provar que está além. Numa clara mensagem, de que “eu quem posso ser o líder”.

Ou uso do palavrão para demonstrar descontentamento e agressividade, para insultar o outro, para ofender, e nesse momento, o que o indivíduo quer é, além de afrontar, intimidar, calar ou outro. Às vezes, isso se torna uma realidade.

Minha avó era uma figura. Quando alguém resolvia desacata-la, ela tinha três atitudes. Se estivesse numa boa, ela era capaz de deixar o indivíduo dizer tudo o que quisesse, para depois encerrar a conversa dizendo: “terminou, pois bem, devolvo-lhe tudo, você é bem digno de tudo quanto acaba de dizer”. Dava-lhe as costas e saia. Claro que ninguém espera uma reação dessas, espera uma reação do tipo devolver com xingamento, ou parte para a agressão física. Se estivesse melhor ainda, ela escutava e saia sem dizer nada. Deixava o indivíduo esquecer da grosseria que havia lhe dito. Quando o indivíduo não esperava mais nada dela, ela chegava junto do desavisado, e dizia: “você lembra do dia tal, quando você disse, isso, assim, pois bem...” E dizia tudo o que o dito cujo precisava ouvir. A outra, era se estivesse “arretada” como dizem os nordestinos, o pobre coitado que se cuidasse. Ela não tinha papos na língua. Vejo ai, duas atitudes sábias e uma intempestiva. Na maioria das vezes, ela usava os dois primeiros recursos.

Minha avó converteu-se aos quatro anos, pois ela era evangélica, numa época em que ser crente era ser apedrejado, sair de casa limpo e voltar com a roupa suja, e de ver indivíduos berrando as suas costas. Certo dia, aos 71 anos de idade, teve um A.V.C. gravíssimo e ficou completamente ausente. Quero salientar isso, porque muitos indivíduos quando estão nessa situação, tornam-se agressivos, chamam muitos palavrões, mas, mesmo nessa condição, nunca chamou um se quer. Perdeu a voz, mas mesmo assim, cantava ao alto e bom som.

Mas, voltando ao palavrão, quando meus filhos ainda eram pequenos, e brincavam no prédio onde moro até hoje. Moravam uns garotos, cuja boa suja merecia ser lavada com sabão. Certo dia, eu desci junto com eles, brincavam, quando se desentenderam. Um deles, disse o clássico “filho da p.”, pois bem, me levantei e perguntei, se ele sabia o que significava. Ao que ele respondeu negativamente. Então expliquei o que o palavrão significava, e perguntei-lhe se a sua mãe era aquele tipo e pessoa. Ele, obvio, disse que não. Então perguntei: você acha que eu também sou esse tipo de pessoa? Ele balançou negativamente a cabeça. Então, conclui dizendo que ele não dissesse mais esse tipo de palavra.

Esse exemplo deve ser seguido dentro de espaços adequados, com metodologia adequada, por exemplo, em sala de aula, ou no trato com os filhos. Explicar o significado, e advertir sobre o uso, é muito mais contundente.

Certa avó ouviu a neta chamar um palavrão, e disse: ‘ agora vamos lavar sua língua com sabão para você não repetir mais, pois sua boca está suja”. Acho isso uma agressão. Creio que ela poderia ter usado esse recurso, mas, tendo primeiro chamado a atenção, ensinado sobre o significado do que a neta havia falado. Essa não era a minha.

A verdade, é que o palavrão faz parte do linguajar cotidiano de determinadas classes sociais, mais do que outras. Tudo depende do contexto. Quanto mais pobre em educação, maiores as chances do uso corrente. Quanto mais liberal for à educação maior a probabilidade de ela fazer parte do linguajar das crianças. Quanto mais repressiva for a educação, maiores chances dos indivíduos ao se verem longe, poderem extravasar como meio de transgredir, pela sensação de liberdade na ausência daqueles que coíbem o seu uso.

Como professora e como mãe, prefiro ensinar o significado, e advertir. Também preciso me policiar, pois vira e mexe acabo dizendo dos meus. Por essa razão, como professores precisamos estar atentos ao que acontece no nosso entorno, para poder ensinar corrigindo adequadamente, sem agredir. Levando a criança e o adolescente a reflexão. E nunca proibir, sem primeiro leva-los a refletir sobre a legitimidade ou não do uso.

Concluo dizendo que falo mais com a minha vida, do que com as minhas palavras, e Jesus já ensinava: “seja o vosso falar, sim, sim, não, não; o que passar disso, é de procedência maligna.”

Recife,

22.05.07