Onze de Setembro e a Edificação do Futuro
Depois do ataque de onze de Setembro, Nova York não seria mais a mesma. Como duas grandes antenas a captar e enviar sinais para o mundo, as torres gêmeas ratificaram sua condição de símbolos, metáforas do progresso e ousadia humanos, que atraíram a ira dos inconformados.
Nas visitas à cidade, não cheguei a subir naquelas torres. O Empire era mais acessível. Uma caminhada pela Quarenta e Oito até o grande edifício poderia ser emoldurada com a ascensão vertiginosa e a exuberante vista de se perder o fôlego. Da estátua à ponte do Brooklyn, ao Parque Central e à visão longínqua de New Jersey, o olhar circunferente extasiava-se com a visão maravilhada das alturas, a imensidão, o som abafado da vida que não parava nunca, e uma ponta de terror pelo balançar cadenciado da estrutura, que o observador atento não deixava de perceber. Ao olhar maravilhado somava-se uma sensação dolorosa de opressão, impotência e terror.
Enquanto isto, cenas do quotidiano estariam ocorrendo lá embaixo, não menos deslumbrantes ou emocionantes para o turista e o cidadão comum.
Poderia ser uma visita ao Frick Collection, onde a arte e a criação humana desfilavam defronte do olhar do visitante apressado; ou uma caminhada despreocupada pelos meandros do Grande Parque, hiato verde e paradoxal em meio aos blocos de concreto e avenidas; ou um café na calçada da Avenida Columbus, à sombra do arvoredo circundante do Museu de História Natural. Um inesperado show de Frank Sinatra no Radio City, ou uma caminhada interminável pela Broadway, desde a cidade alta até o Bairro Chinês. Uma visita ao Metropolitan, ou uma emocionante parada no florido Strawbery Fields, presente de Ono ao pacífico Lennon. Uma visita rápida à Grande Estação, onde os filmes do passado, gângsteres e despedidas chorosas voltassem à mente através da grande tela da recordação. Tudo sempre muito familiar, pois aquela cidade fizera parte do imaginário de quem conheceu São Paulo na década de cinquenta, uma fotografia da grandiosa metrópole americana dos contrastes.
A cidade ia se acostumando aos estandartes ausentes das torres gêmeas: arte, arrojo, engenharia e história.
Não pude deixar de me surpreender ao ler um artigo publicado em Buenos Aires no ano de mil novecentos e quarenta e um, em que o autor apontava para o perigo das edificações muito altas, alvos fáceis para o bombardeio inimigo, já iniciado nas capitais europeias. Convocava engenheiros e arquitetos para estudar as edificações do futuro.
“Nas cidades, os edifícios não deverão oferecer mais estes alvos impossíveis de dissimular e proteger, e se haverá de edificar sob a terra, profundamente, caso se queira preservar a indefesa população civil de perecer envolta em chamas ou esmagada pelo desabamento das gigantescas obras arquitetônicas”.
Com essas palavras, González Pecotche vaticinara as catástrofes que sucederam aquele mês de Julho de quarenta e um, em plena guerra, e que continuam ocorrendo até hoje, e conclui: “Tanto o homem faz e desfaz que, a continuar assim, chegará até a perder, definitivamente, a razão, e com ela todas as prerrogativas de seu gênero”.
Onze de Setembro de dois mil e um deixou para Nova York e o mundo uma grande lição: a necessidade da reconstituição do edifício humano sobre as sólidas bases da compreensão, do respeito e da tolerância, se não quisermos perder, como disse Pecotche, todas as prerrogativas de nosso gênero.
Nagib Anderáos Neto
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