Influência Indígena na Língua Portuguesa - Brasil
INTRODUÇÃO
A maioria dos brasileiros tem o sentimento de que nossa língua é rica e que somos um país monolíngue. Na verdade, somos um país multilíngue: mais ou menos 200 línguas são faladas no Brasil. A questão é que o português é a língua majoritária. Somente 0,5 % da população fala outra língua. Desses, aproximadamente, só 10% fala uma das 180 línguas indígenas existentes.
Mas a diversidade linguística indígena era ainda maior. Basta lembrar que quase todas as línguas indígenas das regiões Nordeste, Sudeste e Sul do Brasil desapareceram, assim como todas as que se falavam na calha do rio Amazonas: algumas famílias linguísticas inteiras deixaram de existir.
Apesar de a colonização europeia ter praticamente destruído a população indígena não só fisicamente, através de guerras e escravidão, como também culturalmente, pela ação da catequese, sua cultura e os conhecimentos acabaram por influenciar parcialmente a língua no Brasil.
Quanto á riqueza de nossa língua é fato, pois é imenso o número de vocábulos e expressões oferecidos aos seus falantes, bem como é grande sua variedade linguística. É extremamente comum utilizarmos palavras que são originalmente pertencentes a outras línguas.
Durante a colonização a cultura e os conhecimentos indígenas foram determinantes. Tanto que o principal destaque nesse período foi a influência indígena na chamada língua geral, derivada do Tupi-Guarani com termos da língua portuguesa e praticada no interior do Brasil até meados do século XVIII.
Assim, fica mais do que claro, que as línguas indígenas influenciaram o nosso escrever e falar. Atualmente, o português brasileiro guarda inúmeros termos de origem indígena.
POUCO DE HISTÓRIA
Em 1500, quando Pedro Álvares Cabral descobriu o Brasil, este já era ocupado por nativos que se comunicavam usando a língua tupi. Nessa época, acreditava-se que em toda costa, desde o Pará até o Sul do país, falava-se a mesma língua, que nos séculos XVI e XVII, passou a ser chamada de língua brasílica.
Como toda língua, também apresentava algumas variantes dialetais. As mais conhecidas eram: o tupi e o tupinambá, que pertencem à família tupi-guarani.
As línguas desse tronco, por serem faladas em todo litoral brasileiro e na Bacia do Paraná durante o século XVI, se destacavam dentre as outras famílias sul-americanas.
Devido a esse aspecto da extensão territorial, Anchieta afirmava que o dialeto tupinambá era mais falado que o tupi, pois o primeiro se destacava desde a costa nordestina até o Rio de Janeiro, enquanto o segundo abrangia apenas a capitania de São Vicente e o planalto de Piratininga (no atual Estado de São Paulo).
A língua tornou-se conhecida como tupi, muito menos por sua extensão territorial e mais pelo fato de Anchieta ter escrito suas obras na variante tupi de São Vicente onde ele atuou.
Mas, o termo “tupi”, não se refere especificamente ao dialeto usado em São Vicente, mas sim naquilo que falavam os tupis, os tupinaés, os tupiniquins, os tupinambás, os tamoios, os totiguares, etc.
Quando os jesuítas chegaram e, pela necessidade de catequese, se empenharam na descoberta e na aprendizagem da língua tupi.
Torna-se evidente, então, que os primeiros escritos na língua tupi apresentavam um caráter específico, voltado para a religião.
Em seguida, a preocupação se volta para a reprodução de conversas entre indígenas e europeus; surgindo, assim, um documento nesses modelos.
Em relação à escrita, os primeiros registros surgem ainda no século XVI, sendo o primeiro datado de 1575.
Duas observações merecem destaques: todos os europeus que chegavam por aqui aprendiam a língua indígena; os jesuítas passaram a publicar textos não religiosos.
José de Anchieta foi um deles. Escreveu mais de quatro mil textos e criou a primeira gramática da língua tupi.
O SUBSTRATO DA LÍNGUA INDÍGENA
Basta observarmos com um pouco de atenção e constatamos as diferenças entre o Português de Portugal e o do Brasil. Isso se deve ao fenômeno do substrato.
Quando uma nação exerce domínio sobre outra, impondo-lhe sua cultura, a tendência é que a língua do povo dominador sofra alterações por receber influências da língua do povo dominado, que sobrevive através de vocábulos incorporados ao vernáculo imposto.
Embora muitos brasileiros desconheçam os significados, o português brasileiro guarda inúmeros termos de origem indígena. É inegável a grande influência desse povo na construção de nossa língua.
São várias as contribuições vocabulares indígenas, que aparecem em nomes próprios, na flora, na fauna, em nomes de alimentos e em nomes de lugares.
CONTRIBUÍÇÕES VOCABULARES INDÍGENAS
Não poderia ser diferente, visto que muito dos vocábulos indígenas são formados por elementos simples ou justaposição de radicais e sufixos, a maioria das contribuições traz essa formatação.
Nos elementos indígenas de origem Tupi são exemplos de sufixos:
aumentativos: guaçú (grande), e suas variantes: uçú e açú;
diminutivos: mirim (pequeno);e
coletivos: tyba e suas variantes: tuba,- nduba, -nduva, -ndiba.
Nos elementos indígenas de origem Guarani são exemplos de sufixos:
aumentativos: ete ou katu;
diminutivos: i, mi, ou michĩ; e
coletivos: ty.
EXEMPLOS DE CONTRIBUIÇÕES VOCABULARES INDÍGENAS PARA O PORTUGUÊS.
A grande maioria dos exemplos tem origem nas línguas conhecidas como tupi e tupinambá. Poucos exemplos tem a origem nas línguas do tronco guarani.
Abacaxi; abaeté; abiu (abio); açaí (assaí); aipim; ajuru; amendoim;ananás; andiroba; anhangüera; araçá; aracati; araguaí; Araguari; araponga; arara; arataca ;aratu; araxá; ariramba; ariranha;
Araponga: formada pela justaposição de ará, ‘ave’ – ponga, gerúndio supino do verbo pong, ‘fazer ruído’; donde:‘ave de canto sonante’.
Assaí: forma simples que nomeia a fruta ácida da palmeira euterpe olerá-Cea. A ortografia vigente determina que seja escrita de outra forma: açaí.
Babaçu; bacaba; bacuri; baiacu; beiju; biboca; biguá; biribá; bocaiúva; boitatá; boiuna; bubuia; buriti; Boiçucanga (município de São Paulo): de mboîa – cobra + usu – sufixo de aumentativo + kanga – esqueleto, osso.
Caatinga; caba; caboclo; caiçara; caipora; cajá; caju; camucim; candiru; canindé; capão; capim; capivara; capixaba; capoeira; cará; caramuru; carapanã; carapina; caraxué; carioca; carnaúba; catanduva; catuaba; cipó; Comandacaia; copaíba; cuati (quati); cuia; Cuiabá; cuíca; cumbuca; cunha; cunhantã; cupim; cupuaçu; curica; curió; Curitiba; curumim; curupira; cutia;
Carioca: kari'oka, casa do branco]
Comandacaia (Bahia): komandá – fava + kaî – queimar – favas queimadas.
Curitiba: kuri, ‘pinheiro’, + tyba, ‘muito’, ‘sítio onde há muitos pinheiros, pinhal’;
embaúba; emboaba
gambá; Goitacazes; graúna;guabiroba; guaiamum; guajará; guará; guariba; guariroba; guaxupé; guri; gurijuba
Goitacazes: guaytaka (grupo indígena)
iara; Ibiporã; içá; igapó; igara; igarapé; Igatatá; igarité; Iguaçu; imbu; indaiá; ingá; ipê; iruçu; ita; Itabira; Itacatu; itaimbé; itaipava; Itapecirica; Itapemirin;
Ibiporã: ybi, ‘terra’ + porã, ‘habitante’: o habitante da terra;
Igatatá: iga (barco) + tatá (fogo) - Navio a vapor.
Iguaçu: y, ‘água, rio’, + uaçu, ‘grande’: rio grande, caudal, queda d’água;
Itabira (cidade de Minas Gerais) – de itá - pedra + byr – levantar-se, erguer-se: pedra levantada.
Itacatu: itá – pedra +katu – grande: pedra grande
Itapecirica (cidade de São Paulo): itá – pedra + peb – achatado + syryk – escorregar: pedra achatada escorregadia.
Itapemirin: ita (pedra) + pehéng (pedaço) + mirin (pequeno);
jaburu; jabuti; jabuticaba; jacá; jaçanã; jacarandá; jacaré; jacu; jaguar; jaguatirica; jandaia; jararaca; jataí; jatobá; jaú; jeju; jenipapo; jequitibá; jerimum; jiboia; jirau; jucá; juçara; jurema; juriti; jurubeba; jurujuba;jururu
Jacaré: aquele que olha de lado, aquele que é torto;
macacaúba; maçaranduba; macaxeira; maguari; Mboitatá; maíra; manacá; mandacaru; mandioca; manduri; mangaba; maracá; maracajá; marajá; marapuama; maricá; maringá; maritaca; maruim; matintaperera; micuim; mingau; mirim; mocitaíba; mocó; morubixaba; muçuã; muçum; mucura; muiraquitã; Mumuru; muquirana; murici; muriçoca; mururé; mutirão; mutuca; mutum
Maringá: marigüã, peneira para pescar;
Mboitatá: mboi (cobra) + tatá (fogo) – Cobra de fogo; Composição ferroviária;
Mumuru: vitória-régia
Mutirão: motirõ, reunião para fins de colheita ou construção; ajuda;
nhambi; nhandu; Nhumirim; Nhuverá;
Nhumirim: Ňu, mato, campo + o sufixo diminutivo mirim; matinho, mato pequeno;
Nhuverá: Ñu, mato + verá, brilhar, luzir, resplandecer – mato reluzente, mato resplandecente;
oca; oiticica;
paca; paçoca; pacova; pacu; pajé; panema; Paraíba; Paranapanema; parati; patativa; paturi; peba; pequi; pereba; perereca; peroba; peteca; piaba; piaçava; pindaíba; pindoba; pipira; pipoca; Pirabebé; piracema; piraí; piramutaba; piranha; pirarucu; Piratininga; piripiri; pitanga; pitiú; pitomba; pixaim; pixé; pixuna; poracê; poraquê; pororoca; poti; puçá; pupunha
Paraíba: Pará, rio grande ou mar + aíb – ruim, mau: rio ruim;
Paraná: Paraná - Pará, “caudal” + anã, “parente, semelhante”: “semelhante ao caudal, mar, rio grande”;
Paranapanema: paranã – Pará, “caudal” + anã, “parente, semelhante” mar ou rio grande + panem, imprestável – rio grande imprestável;
Pipoca: pira, pele + pok, estourar – pele estourada;
Pirabebé: pirá, peixe + bebé, voar – peixe voador;
Piraí: pirá, peixe, + y, rio - rio dos peixes;
Piratininga: pira, peixe + tininga, seco, maduro – peixe seco;
sabiá; saci; sairé; samambaia; sambaqui ; samburá; sanhaço; sapé (sapê); sapopema; sapucaia; saracura; sarandi; sarará; saúva; siri; socó; sucupira; sucuri; sumaré; surubim; surucucu; sururu;
taba;tabatinga;taboca; tacape; taioba; tajá; tamanduá; tambaqui; tamuatá; tanajura; tangará; taperebá; tapioca; taquara; tatu; tatuí; taturana; téu-téu; tijuco; Tijuca; Tietê; timbó; tipiti; tipoia; tiririca; tocaia; Tocantins; tracajá; traíra; tucano; tucumã;tucunaré; tucupi; tuiuiú; tupã;
Tietê: ty, rio, água + eté, muito bom, verdadeiro, genuíno – rio bom, rio verdadeiro, água boa;
Tijuca: ty,rio, água + îuk, podre – rio podre, água podre;
Tocantins: tukana, tucano + ti, bico, nariz, saliência - bico de tucano;
ubá; urubu; urupema; uxi
voçoroca;
Voçoroca: yby, terra + sorok, rasgar – terra rasgada;
xerimbabo; xexéu.
CONCLUSÃO
Se observarmos o que foi exposto e a fartura de exemplos das contribuições vocabulares ao português falado e escrito no Brasil, chegamos às conclusões:
- apesar de a dominação europeia a cultura indígena sobreviveu com galhardia enriquecendo o nosso falar e escrever;
- foi tão grande a importância da língua dos troncos tupi e guarani, que foi determinada pelos colonizadores uma Língua Geral onde a língua indígena era a dominante e que teve tanto sucesso que seu uso chegou a ser proibido pelo governo colonizador;
- ao viajarmos, quer com nossos deslocamentos físicos, quer com nossa mente estimulada por leituras ou audições, estaremos, quase sempre, encontrando a presença indígena evocando com seus elementos a fauna, a flora, os instrumentos de trabalho, nome de pessoas, cidades e acidentes geográficos.
Assim, fica mais do que demonstrada a influência da língua indígena na língua portuguesa escrita e falada no Brasil. A presença dos termos indígenas pode ser amplamente sentida se permitirmos aos nossos sentidos entrar em contacto com nossa ancestralidade.
FONTES:
SITES:
cepad.net.br;
cielli.com.br;
filologia.org.br;
geocities.ws;
soportugues.com.br;
sppert.com.br; e
wikipédia.org.br