Flores do Campo: Uma Metáfora para o Campo Escolar
Nada é tão deslumbrante, nem tão interessante como admirar um buquê de flores do campo.Cores, formas, texturas, perfumes... e origens diferentes. Penso no trabalho do florista, em como ele alcança harmonia e beleza tendo tanta diversidade com que trabalhar. Lembro um amigo que dizia o quanto gostava de fazer esses buquês, mais do que os buquês de rosas ou orquídeas. Dizia que sempre pensava em como e onde elas vivem na natureza: Soltas, silvestres. Cada espécie em um terreno diferente, com condições diversas de sobrevivência. É muito difícil ver Beijos junto a Margaridas ou Crisântemos. A não ser em seus buquês... Neles, meu amigo podia exercer todo seu “poder divino” e o fazia com maestria. Ele tinha muita técnica, como costumava chamar, o que hoje eu entendo como sensibilidade.
Trago essa metáfora como uma forma de pensar na escola, escola cujo currículo seja sensível à pluralidade como possibilidade, não como entrave ao sucesso. A escola como lugar de ensinar/aprender, mais que um instrumento de reprodução da sociedade ou mesmo o contrário, mais que a escola libertadora do amado Paulo Freire. A escola imbuída de seus poderes, que transforma a sua prática e que entende que cada criança que nos chega (e elas nos chegam crianças, nós é que as concebemos alunos) constitui uma complexidade cultural única, porque todos somos únicos, mas também representa um matiz de busca pela harmonia que é o cotidiano escolar.
Erra a escola, quando confunde harmonia com homogeneidade. O homogêneo é pobre, simplório, não desafia. Além disso, primar pelo paradigma da linearidade nas salas de aula, significa fechar os olhos para a sociedade circundante, significa desconsiderar as desigualdades a que são submetidos nossos alunos, e não só eles, nós mesmos, educadoras das séries iniciais, pois na maioria oriundos das mesmas camadas da sociedade das turmas em que atuamos.
Harmonioso é o resultado de um trabalho bem feito, é o efeito de esforço e sucesso, como na melodia das canções, cuja harmonia se faz das diferentes notas e timbres. AZOILDA (2000) oferece-nos uma reflexão pontual, acerca da escola que transforma a sua prática numa perspectiva consciente: Tudo isso aponta para a construção e fortalecimento de uma certa prática docente, não alienada do nosso contexto sócio-cultural (...). Uma prática docente que valorize uma aprendizagem que nos promova por inteiro e que seja coletivamente insurgente.” (p.15)
Voltando à nossa metáfora, arrumar flores diferentes, mesmo que estas não sejam consideradas por si só exuberantes, é bem mais interessante que colocar rosas vermelhas ao lado de rosas vermelhas, porque mais desafiador e surpreendente. Mais ainda, por possibilitar uma resignificação estética, do que antes classificado como banal e comum.
Trabalhar com a multiplicidade, num enfoque curricular requer, principalmente, a percepção aguçada dessa multiplicidade. Enxergá-la, ouvi-la, sentir seu aroma, provar dela. Mais que compreendê-la e considerá-la, utilizar-se dela para se organizar, planejar, avaliar. Tornar a escola um lugar, como nos aponta ARAÚJO (2001) quando discute ambiente alfabetizador para as classes populares: (...) onde se acolhem as diferentes vozes presentes na sala de aula e as múltiplas vozes que falam quando nossos alunos e alunas falam. Vozes que são fruto de uma cultura híbrida (...) (p.158).
Um currículo multi/pluricultural vê na diferença, como meu amigo florista via em seus buquês, uma maior possibilidade produtiva. Nessa prática docente, o educador percebe a necessidade de estar atento e disposto para encontrar em cada um seu potencial levando-o assim, a construir seu conhecimento. Busca manter os valores culturais dos alunos sem deixar de instrumentalizá-los do conhecimento acumulado pela humanidade sem o qual estariam em desvantagem social.
O professor que entende seu lugar e seu papel, compreendendo, como e por quê alguns alunos não aprendem, precisa se valer da diversidade, ter nela a fonte para um trabalho melhor. Independente das políticas educativas assim como, das intenções educativas das classes dominantes, pois no interior da sala de aula, ele sempre terá a possibilidade de romper com uma lógica com a qual não compactua, como JULIA (2001) bem esclarece: “De fato a única restrição exercida sobre o professor é o grupo de alunos que tem diante de si” e mais:“(...) ele tem sempre a possibilidade de questionar a natureza de seu ensino”.( p.33 ).
Defendo então que a escola utilize uma perspectiva curricular que se fundamente na concepção de igualitarismo concreto, ou seja um currículo que “defende a idéia da igualdade fundamental de toda a humanidade”, mas que “reconhece as diferenças reais e sabe que é importante considerá-las em qualquer projeto de emancipação humana” (ROUANET apud SANTOS, 1996, p. 19).
Por fim, volto a nossa metáfora para lembrar e afirmar minha confiança no trabalho escolar, cuja elaboração curricular traga uma dimensão onde os “buquês” elaborados sejam os que todos nós queremos dar e receber. Buquês de flores do campo.
Bibliografia:
ARAÚJO, Mairce de Silva. Ambiente Afabetizador: a sala de aula como entre-lugar de culturas. In: GARCIA, Regina Leite org.:
Novos Olhares Sobre a Alfabetização – SP, Cortês, 2001.
JULIA, Dominique. A Cultura Escolar como Objeto Histórico. In.: Revista Brasileira de História da Educação, nº. 1 Jan/Jun – 2001.
SBHE. Editora Autores Associados.
SANTOS, Lucíola Paixão. Currículo e Diferenças Culturais em Tempos de Globalização In.: Revista Presença Pedagógica jul/ago –
1996. (Dados incompletos).
TRINDADE, Azoílda Loretto. Olhando com o coração e sentindo com o corpo inteiro no cotidiano escolar. In: Multiculturalismo: mil e uma faces da escola. RJ, DP&A, 2000.