Eu e Papai
Eu e Papai
(Eu costumo dizer que papai mesmo sem dizer uma palavra nos ensinou as mais belas lições de vida.)
Eu sempre fui apaixonada por papai, ele sempre foi minha referência em relação a amor, felicidade, alegria, bom humor, trabalho, calma, tranquilidade e dele eu herdei a capacidade de me apaixonar.
Apesar de não haver estudado, ele fez todo esforço para que todos os filhos estudassem. Vimos morar no Crato com dificuldades, mas foi muito proveitoso.
Eu concluí só o segundo grau, pois comecei a trabalhar no banco e me dedicava em tempo integral, dei prioridade ao trabalho.
Ele sempre respeitou minhas escolhas, mesmo que não fossem as dos sonhos dele.
Casei-me com 24 anos, passei casada durante seis anos, e ele apesar de saber dos problemas, pelos quais eu passava nunca se intrometeu.
Quando me separei ele me deu todo apoio e acolheu-me em sua casa com dois filhos e esperando o terceiro. Só voltei pra minha casa quando consegui estabilidade financeira que descontrolei com os problemas do casamento.
Novamente, dez anos depois, fiz nova escolha errada, passei seis anos com um companheiro e ele também não se intrometeu e também me deu apoio quando me Separei.
Quando deixei de trabalhar fui morar com ele e mamãe. Mamãe tinha mal de Alzheimer e ele era diabético, tinha problemas cardíacos e reumatismo. Ele sempre foi alucinado por doce e vivíamos sempre brigando por causa disso, ele dizia que eu não dava doce a ele porque queria só pra mim, brigávamos também porque ele tinha mania de juntar lenha, sempre que encontrava algum pedaço de madeira saia arrastando até chegar em casa, aí era outra briga porque ele queria cortar em tamanho pequeno e eu tinha medo que se cortasse. Quando chegava o final do ano na hora da confraternização eu o abraçava e dizia: que a gente brigue bem muito durante esse ano.
Ele sempre gostou muito de música, Luís Gonzaga, Santana, Nordestinos do Forro, Jorge de Altinho, Zeca Pagodinho, Alcione, Paula Fernandes e era muito fã de Flávio Leandro, eu colocava os dvd’s e ele ficava vendo e eu dançando, ele tinha muita vontade de dançar só que as pernas não aguentavam mais.
Ele era muito organizado e metódico, guardava suas ferramentas, limpava o banheiro, guardava suas roupas sujas no cesto apesar das dores nas pernas, sempre fazia a sua caminhada as 17horas. Pela manhã comia tapioca com amendoim, entre as refeições comia uma fruta, o almoço e o jantar era baião de dois com ovo e um copo de suco.
Ele também serviu de referência na vida dos meus filhos e também dos outros netos. Sempre gostou muito de brincadeira, era capaz de deixar qualquer incomodado. Quando éramos pequenos ele brincava conosco como se fosse da nossa idade, se deitava na cama com os seis filhos e prendia com o corpo, os braços e as pernas e nós ficávamos nos debatendo para fugir. Brincava de trisca, de se esconder, era uma criança igual a nós. Quando brigávamos ele fazia a gente se abraçar, então ninguém queria saber de briga.
Quando jovens, ele nos ensinou a dançar. Quando queríamos ir pra algum lugar que não achava conveniente e alguém falava ele dizia: já pelejei e eles não querem ir.
Quando íamos para uma festa e ficávamos dormindo até mais tarde, ele pegava uma panela de alumínio e uma colher e ficava batendo na porta do quarto e dizendo: não acorde as bichinhas, elas passaram a noite acordadas.
Gostava muito de comentar sobre o tempo que foi para o exército, contando suas peripécias e também de quando era jovem e ia pras festas com o compadre Aluísio.
Tinha histórias muito engraçadas, ele disse que uma vez foi pra uma festa e começou a paquerar com uma moça e serviram um prato de buchada, como não havia guardanapo ele limpava a mão nos cabelos dela, como se estivesse acariciando, no final da festa a moça estava com o cabelo todo arrepiado, pois era pixaim, sem contar com o perfume.
Ele ia para o Potengi e colocava um lençol na ponta de uma vara, isso significava que iria haver festa. Eles andavam a cavalo todos de paletó de linho branco. Uma vez foi confundido por uma moça por tal de Dr. Mário e ele se deu muito bem, foi tratado com muita pompa. Uma vez pegou seu sobrinho Valter e colocou uma palha de milho no bumbum e deixou uma vaca passar a língua; outra vez fez uma omelete com nove ovos as irmãs pediram um pedaço ele não deu, no final não aguentava mais comer e minha avó o obrigou a comer tudo.
São tantas coisas que nos fazem lembrar-lhe que nunca vamos esquecê-lo.
Crato, 10 de agosto de 2014