ATÉ BREVE JOÃO UBALDO RIBEIRO!

Que sacanagem, viu? A morte não tinha nada para fazer, nem mais ninguém para matar, e resolveu matar João Ubaldo Ribeiro! Isso é coisa de filha da puta, dona Morte!

Se quisesse levar alguém, que o levasse, mas não vir hoje e levar João Ubaldo. Tenho certeza que sua decisão foi motivada por vingança, Morte safada! O cara que nunca encarou-se no espelho como um homem das letras e que sempre viu tédio na literatura, deveria ficar mais um pouco, você não acha, morte ingrata?

Não venha me dizer que levou ele para se encontrar com Jorge Amado ou Camões. Não me venha com esta historieta medíocre de que todo mundo tem que nascer, viver e morrer. Se fosse assim, porque você não foi lá pras bandas do sem fim, onde residem tiranos e déspotas e os levou consigo?

A obra de Ubaldo ainda não estava completa, dona Morte!

E agora, como ficamos nós sem as frases ácidas e os textos cáusticos de Jão? Como é que eu vou comprar o jornal de amanhã e não vou poder ler coisas do tipo: “O sujeito vai lá, tapa o nariz e vota”, ou ainda “Já estou chegando, ou já cheguei, à altura da vida em que tudo de bom era no meu tempo”? Fala pra mim, Morte infeliz!

Olha! Foi uma ignomínia e um pecado tê-lo levado hoje, dona Morte! João Ubaldo disse: “Em matéria de pecados, aliás em matéria de religião geral, eu sempre achei que a pior coisa é os pensamentos. Na aula de catecismo, que era depois da missa e antes do futebol, quer dizer, a gente só pecando porque não queria assistir o catecismo, nessa aula dona Maria José, com aquelas blusas dela de mangas fofolentas e os olhos piscando o tempo todo e a cara de doente, dizia que se peca por pensamentos, palavras e obras. Palavras e obras, certo, muito certo, certo. Mas pensamento é muito descontrolado, de maneira que todo mundo tinha dificuldades nessa parte, talvez somente dona Maria José não tivesse, porque tudo o que ela pensava era catecismo. ”

O sujeito era catequisado e sabia bem discernir a culpa da bondade; e se não saía na rua distribuindo balas ou santinhos, escrevia muito para estimular ações noveis; e assim, também, se fundamenta a benignidade!

A verdade é que João Ubaldo, umas horas Osório Pimentel, outras horas, apenas um Ribeiro; foi o brasileiro ilustre, mais anônimo que eu conheci. Um cara que suava versos azedos por canetas, na datilografia e até, incrivelmente, no computador. Um sujeito acostumado a externar aquilo que lhe vinha a cabeça; e como poucos de nós, que encarava tudo que ocorria depois de suas publicações com humor.

Uma vez, sobre a política brasileira, Ubaldo escreveu: “A crença geral anterior era que Collor não servia, bem como Itamar e Fernando Henrique. Agora dizemos que Lula não serve. E o que vier depois de Lula também não servirá para nada. Por isso estou começando a suspeitar que o problema não está no ladrão corrupto que foi Collor, ou na farsa que é o Lula. O problema está em nós. Nós como povo”. Um cara que escreve isso; e que tinha (e tem) uma cadeira na ABL, precisava morrer hoje?

Em matéria de escrita atual, crítica e pícara, ninguém mais do que João Ubaldo escreveu tanto e de forma tão clara; e se isso ocorreu, não é somente por causa de seu intelecto diferenciado, mas sim, porque nunca conseguiu ficar acomodado, agradecendo migalhas e esmolas, como a maioria de nós estamos acostumados a fazer.

Eu sempre fiz releitura dos seus textos; e sempre que voltava a lê-lo, descobria algo novo e excelentes lições; mesmo daqueles textos mais remotos. Foi assim que João se tornou imortal; e é assim que será sempre tão bem lembrado.

Em “PRECISA-SE DE MATÉRIA PRIMA PARA SE CONSTRUIR UM PAÍS”, texto publicado em jornais, ele completou:

“Nós como matéria prima de um país. Porque pertenço a um país onde a esperteza é a moeda que sempre é valorizada, tanto ou mais do que o dólar.

Um país onde ficar rico da noite para o dia é uma virtude mais apreciada do que formar uma família, baseada em valores e respeito aos demais. Pertenço a um país onde, lamentavelmente, os jornais jamais poderão ser vendidos como em outros países, isto é, pondo umas caixas nas calçadas onde se paga por um só jornal e se tira um só jornal, deixando os demais onde estão.

Pertenço ao país onde as empresas privadas são papelarias particulares de seus empregados desonestos, que levam para casa, como se fosse correto, folhas de papel, lápis, canetas, clipes e tudo o que possa ser útil para o trabalho dos filhos ...e para eles mesmos.

Pertenço a um país onde a gente se sente o máximo porque conseguiu puxar a tevê a cabo do vizinho, onde a gente frauda a declaração de imposto de renda para não pagar ou pagar menos impostos. Pertenço a um país onde a impontualidade é um hábito.

Onde os diretores das empresas não valorizam o capital humano.

Onde há pouco interesse pela ecologia, onde as pessoas atiram lixo nas ruas e depois reclamam do governo por não limpar os esgotos.

Onde pessoas fazem gatos para roubar luz e água e nos queixamos de como esses serviços estão caros.

Onde não existe a cultura pela leitura - exemplo maior nosso atual Presidente, que recentemente falou que é "muito chato ter que ler" e não há consciência nem memória política, histórica nem econômica.

Onde nossos congressistas trabalham dois dias por semana para aprovar projetos e leis que só servem para afundar ao que não tem, encher o saco ao que tem pouco e beneficiar só a alguns.

Pertenço a um país onde as carteiras de motorista e os certificados médicos podem ser "comprados", sem fazer nenhum exame.

Um país onde uma pessoa de idade avançada, ou uma mulher com uma criança nos braços, ou um inválido, fica em pé no ônibus, enquanto a pessoa que está sentada finge que dorme para não dar o lugar. Um país no qual a prioridade de passagem é para o carro e não para o pedestre.

Um país onde fazemos um monte de coisa errada, mas nos esbaldamos em criticar nossos governantes. Quanto mais analiso os defeitos do Fernando Henrique e do Lula, melhor me sinto como pessoa, apesar de que ainda ontem "molhei" a mão de um guarda de trânsito para não ser multado. Quanto mais digo o quanto o Dirceu é culpado, melhor sou eu como brasileiro, apesar de ainda hoje de manhã passei para trás um cliente através de uma fraude, o que me ajudou a pagar algumas dívidas. Não. Não. Não. Já basta.

Como matéria prima de um país, temos muitas coisas boas, mas falta-nos muito, para sermos os homens e mulheres que nosso país precisa. Esses defeitos, essa esperteza brasileira congênita, essa desonestidade em pequena escala, que depois cresce e evolui até converter-se em casos de escândalo, essa falta de qualidade humana, mais do que Collor, Itamar, Fernando Henrique ou Lula, é que é real e honestamente ruim, porque todos eles são brasileiros como nós, eleitos por nós.

Nascidos aqui, não em outra parte... Me entristeço. Porque, ainda que Lula renunciasse hoje mesmo, o próximo presidente que o suceder terá que continuar trabalhando com a mesma matéria prima defeituosa que, como povo, somos nós mesmos. E não poderá fazer nada... Não tenho nenhuma garantia de que alguém o possa fazer melhor, mas enquanto alguém não sinalizar um caminho destinado a erradicar primeiro os vícios que temos como povo, ninguém servirá. Nem serviu Collor, nem serviu Itamar, não serviu Fernando Henrique, e nem serve Lula, nem servirá o que vier. Qual é a alternativa?

Precisamos de mais um ditador, para que nos faça cumprir a lei com a força e por meio do terror? Aqui faz falta outra coisa. E enquanto essa outra coisa não comece a surgir de baixo para cima, ou de cima para baixo, ou do centro para os lados, ou como queiram, seguiremos igualmente condenados, igualmente estancados... igualmente sacaneados!!! É muito gostoso ser brasileiro. Mas quando essa brasilinidade autóctone* começa a ser um empecilho às nossas possibilidades de desenvolvimento como Nação, aí a coisa muda... Não esperemos acender uma vela a todos os Santos, a ver se nos mandam um Messias.

Nós temos que mudar, um novo governador com os mesmos brasileiros não poderá fazer nada. Está muito claro.... Somos nós os que temos que mudar.

Sim, creio que isto encaixa muito bem em tudo o que anda nos acontecendo: desculpamos a mediocridade mediante programas de televisão nefastos e francamente tolerantes com o fracasso. É a indústria da desculpa e da estupidez.

Agora, depois desta mensagem, francamente decidi procurar o responsável, não para castigá-lo, senão para exigir-lhe - sim, exigir-lhe - que melhore seu comportamento e que não se faça de surdo, de desentendido. Sim, decidi procurar o responsável e estou seguro que o encontrarei quando me olhar no espelho. Aí está. Não preciso procurá-lo em outro lado.

E você, o que pensa?”

Assim era o cara que hoje a dona Morte levou. Um brasileiro como tantos outros, mas como nenhum outro, capaz de xingar e ser amado; fosse pela política de amar um imortal, fosse pela sensatez de saber amar aquele que só escreveu verdades.

Quão triste deixaste Itaparica, a Bahia e o Brasil, dona Morte; e quão alegre deve estar as profundezas do Universo, porque se tu tiraste Ubaldo de nós, com certeza deve tê-lo ofertado a eternidade do Cosmo; e assim como a vida, há de ter alguma serventia a morte!

João Ubaldo Osório Pimentel Ribeiro! Descanse em paz! E se a morte é tão inevitável, não te direi Adeus; e sim, Até Breve!

Carlos Henrique Mascarenhas Pires

CHaMP Brasil
Enviado por CHaMP Brasil em 18/07/2014
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