Fatos e Mitos sobre a Maconha
O que se sabe hoje sobre os danos e o potencial medicinal da droga, segundo uma das maiores especialistas do mundo
A psiquiatra Nora D. Volkow, diretora do Instituto Nacional sobre Abuso de Drogas dos Estados Unidos, acaba de prestar mais uma contribuição a um dos debates quentes e atuais na fronteira tênue entre saúde e justiça. Num momento em que tantos países – entre eles, o Brasil – discutem os prós e contras da legalização da maconha (para uso medicinal ou recreativo), Nora reuniu num artigo científico o conhecimento mais atualizado sobre os efeitos da droga.
Está lá um bom resumo do que se sabe hoje sobre os danos provocados pela maconha e sobre os possíveis benefícios no tratamento de doenças. O trabalho foi publicado no dia 5 de junho no New England Journal of Medicine.
DEPENDÊNCIA
Cerca de 9% daqueles que experimentam maconha vão se tornar dependentes. Entre os que fumam maconha todos os dias, a taxa de dependentes chega a 50%. Um em cada seis garotos que começam a usar a droga na adolescência se torna dependente. A probabilidade de apresentarem sintomas de dependência dois anos após a primeira experiência é até quatro vezes mais elevada que a verificada entre os que começam a usar a droga na idade adulta.
DESENVOLVIMENTO DO CÉREBRO
O uso de maconha na adolescência é a grande preocupação dos especialistas. O desenvolvimento do cérebro só fica completo por volta dos 21 anos. Antes disso, ele é altamente vulnerável a agressões ambientais, como a exposição ao tetrahidrocanabinol (THC), um dos principais componentes da maconha.
SAÚDE MENTAL
Em vários estudos, o uso regular da droga foi associado a um risco mais elevado de desenvolvimento de ansiedade e depressão. Ainda não foi possível estabelecer uma relação de causa e efeito. Não se sabe se a maconha é, de fato, a causa dessas doenças. A droga também parece aumentar o risco de psicoses (entre elas, a esquizofrenia). Isso ocorre, em especial, entre as pessoas que já têm uma predisposição genética à doença. Em pessoas com esquizofrenia, a droga pode exacerbar a doença. Um estudo demonstrou que o uso regular de maconha pode antecipar o primeiro surto em até seis anos.
DESEMPENHO ESCOLAR
A droga pode provocar falhas de memória que dificultam o aprendizado e capacidade de reter informações. Alguns estudos demonstram que os dependentes de maconha têm pior desempenho escolar e maior probabilidade de abandono dos estudos. Pode ocorrer também um déficit cognitivo. O QI (coeficiente de inteligência) dos que fumaram maconha com frequência durante a adolescência tende a ser mais baixo.
ACIDENTES DE TRÂNSITO
A exposição imediata ou frequente à maconha prejudica as habilidades motoras e aumenta o risco de acidentes de trânsito. Nos Estados Unidos, a maconha é a droga ilícita mais frequentemente associada a desastres nas ruas e estradas.
CÂNCER E OUTRAS DOENÇAS
O risco de tumores malignos em pessoas que fumam maconha continua não esclarecido. As evidências disponíveis sugerem que o risco de câncer é maior entre os que fumam tabaco. A maconha pode provocar inflamações nas vias aéreas e doenças crônicas como bronquite. A droga também tem sido associada a um risco mais elevado de problemas vasculares que podem provocar infarto e acidente vascular cerebral (AVC). Essa relação é complexa e ainda não está completamente esclarecida.
Como se vê, a crença de que fumar maconha é um prazer inofensivo não passa de mito. As evidências mais atuais reunidas por Nora podem contribuir para o debate sobre o uso recreativo da droga. Há um segundo debate, ainda mais doloroso, sobre o uso da maconha para fins medicinais.
Atualmente a importação de remédios feitos a partir de componentes da maconha não é liberada no Brasil. Só pode ocorrer com autorização judicial. Famílias de pacientes que sofrem com doenças graves (como epilepsia resistente a qualquer medicamento convencional) depositam esperança no tratamento com produtos como o spray Sativex, do laboratório britâncio GW Pharmaceuticals.
As famílias tinham a expectativa de que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) liberasse a importação de medicamentos como esse. No dia 29, a Anvisa decidiu adiar a decisão. É possível que a liberação de importação não saia tão cedo.
“No mercado, não há remédio só à base de canabidiol”, disse Dirceu Barbano, diretor-presidente da agência. “Mesmo que o canabidiol seja aprovado, as pessoas não poderão importar os medicamentos porque eles têm, em sua composição, outras substâncias proscritas.” É o caso do Sativex. Além do canabidiol (CBD), ele contém THC.
Segundo Barbano, a agência não tem informações suficientes sobre os efeitos colaterais que o canabidiol possa provocar. “O CBD tem sido usado no Brasil em crianças e nós não detemos informações na literatura de qual é a consequência orgânica do uso de médio e longo prazo por crianças de diferentes idades. É dever da Anvisa evitar os efeitos colaterais e alertar sobre os riscos”.
(Words by N.V.)