O PAPA BENTO XVI É CONTRA O ABORTO.MAS QUER PRIVILÉGIOS NO ESTADO LAICO
A visita do Papa Bento XVI ao Brasil não é evangelizadora, pastoral, ao contrário do que se revela pela imprensa e pela Igreja, entre a população católica, especialmente. É uma viagem política, de afirmação dogmática, com dois grandes eventos: a canonização de frei Galvão, a primeira feita fora do Vaticano; isso é uma ação política. E sua presença na abertura da 5ª Celam, em Aparecida, onde serão discutidos temas políticos para a atuação da Igreja em toda a América Latina e Caribe, “fazendo também da promoção da pessoa humana o eixo da solidariedade, especialmente com os pobres” e reafirmando seus dogmas mais conservadores. “Reforçar as missões” tema da 5ª Celam - Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e Caribenho, foi escolhido pessoalmente pelo Papa A presença do pontífice nesse evento, serve também para reafirmar o principal motivo de sua visita, embora tenha ele dito em seu discurso que “já tive a oportunidade de referir o motivo principal de minha viagem que tem um alcance latino-americano e um caráter essencialmente religioso”. O resto é acessório, ritualístico. A principal razão da visita do Papa a que me refiro está publicada na imprensa, mas ocupa, um tímido espaço diante da grandiosidade dos aparatos de segurança que cercam o pontífice: atiradores de elite em pontos estratégicos da cidade de São Paulo, carros de combate (4) no Memorial da América Latina, helicópteros militares fortemente armados (4), acompanhando o que o transporta, carros blindados (2 automóveis e 2 “papa-móveis”) capazes de suportar tiros de armas pesadas e ataques com bombas; milhares de agentes policiais civis e militares, das forças armadas brasileiras, da policia militar de São Paulo, da Policia Federal, além dos que vieram na comitiva desde Roma, entre eles agentes da Guarda Suíça. Esse aparato, para proteger um homem amado por 1 bilhão de pessoas ao redor do mundo e por cerca de 80 milhões no Brasil, é superior ao montado para proteger George Bush, muito mais odiado do que amado e, penso, muito menos importante, ainda que poderoso e perigoso. A missa da canonização de frei Galvão celebrada para mais de um milhão de pessoas no Campo de Marte, teve seu numero de fiéis multiplicado milhares de vezes pela televisão, rádio e internet, No Estádio do Pacaembu centenas de milhares de jovens, louvaram o Papa. Todos e cada um deles cuidadosamente selecionado e convidado pelo bispo de sua diocese em todos os estados brasileiros; quem não tinha convite não entrou, alguns compraram (quem vendeu?) de cambistas (R$ 100,oo) e a totalidade (outros milhares) ficou na praça Charles Muller assistindo o alegórico encontro por telões. Os inconvenientes descolamentos terrestres, feitos no pior horário de trânsito da cidade, mas criteriosamente marcados para a ocasião e as demais atividades em Aparecida, são capazes de encobrir o que o Vaticano deseja. Não dos brasileiros, mas, sim, do governo do Brasil.
Já está formalmente entregue ao Governo brasileiro desde outubro do ano passado,um documento para a assinatura de um acordo entre o Brasil e o Vaticano. Acordo de Estado com Estado e não de Estado com a instituição Igreja. Por esse acordo o governo brasileiro deverá garantir à Igreja Católica todos os seus direitos pretendidos, consolidando as isenções fiscais que já tem, atuação no setor educacional, reconhecimento da personalidade jurídica da Igreja, dos feriados religiosos, isenção do clero católico de deveres judiciais e autorização para que seus missionários possam atuar livremente e com proteção, em reservas ecológicas e indígenas do Brasil, especialmente as da Amazônia. Esse é o principal objetivo da viagem do papa Bento XVI ao Brasil. O Vaticano mantém acordos parecidos com esse que pretende firmar com o Brasil, com vários países. Com Portugal, o acordo estabelece que o casamento religioso é comparado ao casamento civil, o divorcio é inaceitável e estabelece educação moral e religiosa católica. A Igreja Católica no Brasil já goza de isenção fiscal, não apenas as suas paróquias mas também seus seminários e suas outras entidades e instituições religiosas a ela ligadas. A Santa Sé quer mais; quer ensino religioso católico em todas as escolas públicas do Brasil. O Estado brasileiro é laico, isso significa ter atitude critica e separada da influência da religião, de qualquer religião; está na Constituição e isso basta para encerrar essa questão. Há outra, porém, a do aborto. Essa não faz parte desse documento, entretanto o Papa em seu primeiro pronunciamento oficial, deixou claro que em Aparecida “será reforçada tal identidade (valores radicalmente cristãos) ao promover o respeito pela vida, desde sua concepção até seu natural declínio, como exigência própria da natureza humana”. Destaco essa parte pois nela está contida a postura da Igreja quanto ao aborto e a eutanásia. Em Itaici, em São Paulo, no enceramento da 45ª Assembléia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, dia 09 passado, foi divulgado um documento onde os bispos condenam “todas as tentativas de legalização do aborto e manipulação de embriões humanos para fins terapêuticos”.
A discussão sobre a legalização do aborto ainda,certamente, terá novos desdobramentos. É certo que o estado brasileiro, desde a república, é separado da Igreja, e que apoiado por milhares de cristãos católicos ainda que não se manifestem publicamente favoráveis ao aborto, tornará legal essa prática, hoje uma questão de saúde publica. A discussão, entretanto, não se encerrará uma vez que o lado a favor trata a questão de maneira científica, enquanto o lado contrário usa argumentos morais, filosóficos e religiosos. Antigas civilizações matavam seus bebes nascidos defeituosos ou indesejados. O aborto será legalizado no século XXI porque uma expressiva parte dos cristãos quer que as mulheres grávidas decidam sobre a continuidade ou não da gestação, sem culpa, sem risco, sem medo, sem serem maltratadas por médicos charlatães e foras da lei. O governo calcula que mais de um milhão de abortos são feitos a cada ano, clandestinamente, no Brasil. Centenas de mulheres morrem de causas diversas advindas do aborto clandestino, feito em “clinicas” infectadas por micróbios e bactérias que proliferam em instrumentos contaminados usados para por fim a uma gravidez incomoda e indesejada. Gravidez como resultado de descuidos, de falta de informação, de despreparo, de ignorância ao lidarem com sua própria sexualidade, quando não por estupro.Desde o estupro reconhecido como crime, como e sobretudo, o estupro por coação irresistível, por ameaças de questionamentos de sentimentos e até mesmo de fidelidade ao companheiro. Nas estimativas não estão contados os abortos feitos na clandestinidade, porém seguros, sigilosos e, sobre tudo, recomendados, a preços altíssimos, para mulheres que podem pagar médicos, clínicas e procedimentos seguros e eficientes. Passa de um milhão os casos anuais de atendimento médico no país em conseqüência de abortos mal feitos. A Organização Mundial de Saúde garante que passa dos dois milhões os abortos provocados no Brasil, o que fica muito próximo do número de nascimentos. Essa questão, portanto, é caso de saúde pública e deve ser tratada com decisões de Estado e com ações científicas e legais.
A igreja jamais concordará com a prática do aborto, da eutanásia e do uso de contraceptivos artificiais, porque é uma questão dogmática. Mesmo que parte de seu clero e de seus fiéis separem religião de ciência, igreja de Estado laico. Mesmo que os príncipes da igreja saibam que seu rebanho não segue cegamente a doutrina nem o dogma se estes não estiverem a seu favor; se não permitirem que tenham a vida que desejam no cotidiano real e concreto.
O Papa Bento XVI disse em seu discurso que se deve respeitar a vida desde sua concepção. Há ainda quem afirme que se a concepção ocorre no encontro do espermatozóide com o óvulo, e que já havendo vida distinta nesses dois elementos da concepção, a vida é dádiva divina. Esse debate será eterno pois, de outro lado, cientistas afirmam que
- “Existe pessoa quando existe um mundo de consciência explícita, uma ordem de interioridade autoconsciente e um desabrochar da própria liberdade. Uma vez que não possui essas características, o feto talvez seja vida na perspectiva biológica, mas não é um ser humano do ponto de vista ideológico ou cultural; quem suprime um feto suprime vida biológica, mas não uma humanidade”.
Essa é uma afirmação de Pedro Juan Viladrich, doutor em Direito, em seu livro “Aborto e a sociedade permissiva” que, a partir do que afirma, coloca-nos uma questão crucial: se o homem é uma noção objetiva, real e autônoma então somos a construção do que pensamos e da nossa absoluta e única vontade. A vida humana ainda está em debate; a origem da vida humana e o preciso momento que ela ocorre deverá ser apontado pela ciência e por ela comprovado, pois a ciência precisa provar tudo o que afirma ter e ser. A teologia, a filosofia, a religião afirmam sem provas, e para acreditar basta ter fé. Aborto, eutanásia, contraconceptivos podem ser questões para discussões em toda a sociedade. Porém, não podem ser discussões onde apenas se tem como objetivo permitir ou proibir. A discussão deve, sim, ser para regular sua prática de acordo com as normas e as leis laicas e com os preceitos éticos e morais de cada sociedade. De acordo com a ciência e a lei.