O Vintismo na Historiografia paraense
O Vintismo na historiografia paraense.
Danilson Jorge Coelho Cordovil*
Entre 1807 e 1808, quando os franceses invadem Portugal, a Família real foge para o Brasil. A partir daí as coisas estariam um tanto mudadas. D. João, como príncipe regente, elevaria o Brasil, até então uma colônia, à condição Reino Unido a Portugal e Algarves (1815). Aos portugueses que se encontravam em Portugal isso representaria uma dupla derrota. Uma pela invasão francesa, outra pela transferência do centro do governo para a colônia, tendo essa uma autonomia, o que era impensável antes de 1808, como a abertura dos portos às nações amigas e o tratado de comércio e navegação.
Quando os portugueses auxiliados pelos ingleses, retomam o controle de Portugal, ainda em 1808, o governo passa a ser exercido por uma junta inglesa, pois D. JoãoVI (coroado Rei em 1818, com a morte de D. Maria I), continuara no Brasil. Inconformados com a situação de Portugal, intelectuais portugueses formularam um projeto Chamado de Regeneração. Nas palavras de Souza Júnior esse projeto girava:
em torno de um discurso liberal, que defendia a retirada de Portugal da situação de atraso e obscurantismo a que havia sido reduzida pelo despotismo reinante há séculos, e a sua introdução na “Modernidade” (expressão utilizada pelos liberais para indicar desenvolvimento econômico e social e que implicaria na atualização histórica de países que ainda não haviam ingressado na era do progresso capitalista), membros da intelectualidade portuguesa formularam o Projeto de Regeneração do país.
Nesse projeto também chamado de Vintismo, devido ter sido implantado em Portugal no ano de 1820 defendia a Monarquia Constitucional ao estilo da ideologia Liberal daquela época, o juramento de D. João VI e a assinatura de fidelidade à Constituição e a volta do Monarca para Portugal, tudo isso tendo acontecido. Além disso os liberais da Revolução do Porto pretendiam que todas as concessões feitas aos colonos deveriam ser nulas, pois defendiam a recolonização do Brasil. Em 25 de abril de 1821, D. João VI deixava o Reino Unido do Brasil, rumo a Lisboa e consigo a Corte. Mas deixara aqui a semente de uma futura autonomia do Brasil em relação a Portugal, seu filho D. Pedro.
Ainda hoje, a historiografia portuguesa converge para que o fator que provocou o Movimento revolucionário foi resultado de uma grave crise sócio-econômica em que Portugal mergulhara, após os acontecimentos de 1808, com medidas que arruinaram a economia portuguesa. No Brasil temos Historiadores que voltaram a atenção para o estudo do Vintismo tanto em Portugal quanto no Brasil, como é o caso de Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves que em algumas ocasiões foi orientanda de Maria Beatriz Nizza da Silva, essa com uma larga convivência em Universidades portuguesas. Olhe o que nos diz Neves sobre o Vintismo em relação a justificativa da entrada de Portugal na chamada “Modernidade”:
Tal ingresso no mundo contemporâneo não se limitou, como se pensava há algumas décadas, à introdução da produção fabril e à implantação efetiva do capitalismo. Na realidade, tratava-se de um complexo processo, envolvendo a dimensão econômica e social, mas que dependeu, fundamentalmente, da difusão de uma nova concepção de mundo, em termos políticos e intelectuais
Podemos perceber através das duas citações anteriores com relação a historiografia portuguesa sobre o Vintismo, que as visões já começam a se ampliarem, pois o tema passa a ser visto não apenas como decorrentes das questões sócio-econômicas, mas impreterivelmente imbricadas com as questões políticas e intelectuais, de uma nova concepção de mundo.
Para a historiografia brasileira o Vintismo apresenta-se como um tema secundário, aparecendo dentro de uma assunto mais abordado pela historiografia nacional que é a questão da Independência do Brasil. No entanto vala ressaltar que vários estudos desencadeados durante a primeira década do século XXI apontam para novas abordagens da História intelectual e da Vida Privada, sobre a vida cultural e intelectual do século XIX.
Maria Odila da Silva Dias na década de 1970 escreve um capítulo intitulado “A interiorização da Metrópole” Nesse o tema Vintismo aparece como um pano de fundo para se discutir o objeto central do seu estudo que é a Independência do Brasil. É relevante destacar o modo inovador pelo qual DIAS observa a formação das elites luso-brasileiras, considerando o enraizamento de novos capitais e interesses portugueses em associação a “classe nativa” do Rio de Janeiro pelo fato da vinda da Família Real para o Brasil, como a própria autora chama, para a América portuguesa. Portanto “a vinda da corte com o enraizamento do Estado Português no Centro-Sul daria início à transformação da colônia em Metrópole Interiorizada” . Assim o processo de independência do Brasil passava a ser a reorganização de um novo Império português, onde as divergências se deram entre os portugueses.
Nas palavras de Dias, citando Sérgio Buarque de Holanda, no capítulo “A Herança Colonial”sobre a independência:
Sérgio Buarque de Holanda refere-se mais objetivamente às lutas da independência como uma guerra civil entre portugueses desencadeadas aqui pela Revolução do Porto e não por um processo autônomo de arregimentação dos nativos visando reivindicações comuns contra a metrópole .
Emilia Viotti da Costa escreve na década de 1980 -o seu célebre livro e indispensável para a historiografia do período estudado- “Da Monarquia à República: Momentos decisivos” a autora analisa as contradições entre a política liberal adotada por D. João e o posicionamento dos comerciantes prejudicados com a transferência da Corte para o Brasil em especial com as medidas adotadas pelo monarca como a abertura dos portos.
Em sua análise a autora já inicia o capítulo I com o tema Introdução ao estudo da Emancipação política do Brasil. Desde já se pode notar a ênfase do centro de sua pesquisa que é a emancipação do Brasil, mas o problema não está em abordar a Emancipação. O que estamos tentando dizer é que a historiografia nacional esteve desde a muito tempo priorizando os aspectos mais gerais em detrimento ao regional, que como veremos mais adiante pode demonstrar as mais variadas vivências do período.
Viotti da Costa apresenta uma Abordagem que a aproxima da Caio Prado Júnior ao afirmar que a independência ocorreu devido às questões econômicas que estão acontecendo no centro do Capitalismo:
O sistema colonial montado segundo a lógica do Capitalismo comercial e em função dos interesses do Estado absolutista entrou em crise quando a expansão dos mercados, o desenvolvimento crescente do capital industrial e a crise do Estado absolutista tornaram inoperantes os mecanismos restritivos de comércio e de produção.
Mas apesar da importância dada aos aspectos das transformações econômicas do Capitalismo Mundial, a autora não deixa de falar da importância dos aspectos culturais e mentais que estão entrelaçados com as questões econômicas. Diz Viotti da Costa:
A crise do sistema colonial coincidiu com a crise das formas absolutistas de Governo. A crítica das instituições políticas e religiosas, as novas doutrinas sobre o contrato social, a crença na existência de direitos naturais do homem, as novas teses sobre as vantagens de formas representativas de governo, as idéias sobre a soberania da nação e a supremacia das leis, os princípios da igualdade de todos perante a lei, a valorização da liberdade em todas as suas manifestações.
Uma outra contribuição de Viotti da Costa foi ter percebido as diferentes faces do Vintismo e ainda por percebê-lo como um projeto ambíguo onde também se manifestou aspectos antiliberais, “na medida em que um de seus principais objetivos era destruir as concessões liberais feitas por D. João VI ao Brasil” (VIOTTI DA COSTA, 1987: 38) . Ainda sobre esse processo contraditório-ainda que não fossem aparentes- que o Vintismo assumiu, comenta a autora:
Comerciantes e militares portugueses identificados com os interesses metropolitanos apoiavam a revolução na esperança de restabelecer o pacto colonial. Fazendeiros, comerciantes nacionais ou estrangeiros, funcionários da Coroa radicados no Brasil, viam na revolução uma conquista liberal que poria por terra o absolutismo, os monopólios e os privilégios que ainda sobreviviam. Acreditavam que a instituição de um governo constitucional lhes daria a oportunidade de representar nas cortes os interesses da colônia, consolidando as regalias conquistadas em 1808 e ampliadas em 1815 com a elevação do Brasil à categoria de Reino.
Já na década de 1990 Maria de Lurdes Viana Lyra escreve “A utopia do poderoso império: Portugal e Brasil: bastidores da política 1789-1822” . Nessa obra, especialmente no capítulo “ A ruptura da unidade Luso-brasileira: o império brasílico” a autora discute o projeto de construção de um poderoso império atlântico, no caso o Brasil e que o projeto Vintista português vai reclamar a situação do velho reino, provocando uma ruptura na construção do “poderoso Império”, pois:
a retirada de D. João VI, do Rio de Janeiro, significou a vitória do partido Português, ou seja, daquela corrente que objetivava: na perspectiva do Brasil, preservar a autoridade absoluta do rei; na perspectiva de Portugal, o retorno da preeminência do velho reino na composição do novo império lusitano.
Ainda em “A utopia do poderoso império”, Lyra analisa como as idéias do Iluminismo contribuíram para o aprofundamento das contestações sobre o poder absolutista na Europa, e logo mais nas áreas coloniais, como contestação do domínio colonial, no capítulo intitulado “O impacto das ‘novas idéias’: as vertentes da ilustração”. Sobre essa questão das idéias diz-nos Lyra:
A situação do Estado português, face à mensagem das Luzes, era bastante incômoda. Dependente economicamente da produção colonial, a metrópole portuguesa temia, mais do que outras, o alastramento do ideal de liberdade nos domínios ultramarinos. O tema da dominação colonial que, inicialmente, era apenas censurado no tocante à escravização dos indígenas e tratado de forma imprecisa ou apenas indiretamente criticado nos verbetes da Encyclopédie, passou a sofrer críticas mais incisivas a partir, principalmente do último cartel do século XVIII.
A década de 1990 vai representar uma grande mudança nas abordagens, tal como vimos a pouco com Lyra, ao analisar a vida cultural do fim do século XVIII e início do século XIX. Essa abordagem vai ser aprofundada quando da edição aqui no Brasil da já famosa edição da “História da vida privada” sobre o Brasil ou como foi chamada da América portuguesa. Na coleção referida encontram-se dois artigos sobre o período estudado aqui, que são: “A sedução da liberdade”, de Insteván Jancsó e “O que se fala e o que se lê: língua, instrução e leitura” de Luiz Carlos Villata.
Jancsó analisa em seu “sedução da liberdade” as conjurações Mineira, Baiana e Pernambucana, sob o ponto de vista que esses acontecimentos são decorrentes de um quadro maior da crise do antigo regime, aprofundado pelo quadro do surgimento de novas idéias, abrindo espaço para as manifestações dos inconformismos dentro do espaço colonial, conferindo uma variação do significado dos inconformismos, classificados como sedição, sendo essa uma ação organizada visando a revolução, conforme significado do século XVIII e a Conspiração e sua outra face, a transgressão:
Entre os anos de 1789 e 1801 as autoridades de Lisboa viram-se diante de problemas sem precedentes. De várias regiões da sua colônia americana chegavam notícias de desafeição ao trono, o que era sobremaneira grave. A preocupante novidade residia no fato de que o objeto das manifestações de desagrado, freqüentes desde os primeiros séculos, da colonização, deslocavam-se, nitidamente, de aspectos particulares de ações onde governo para o plano mais geral da organização do Estado.
Ainda sobre os inconformismos Istevám Jancsó nos dá conta de como se davam as manifestações do final do século XVIII e a repercussão das “idéias das luzes”, manifestando-se entre homens ligados a intelectualidade, como os religiosos e estudantes e até entre os menos abastardos como os militares de baixa patente, como um Luís Gonzaga, da Bahia: “Homem de poucas posses, mas não destituído de algumas luzes, Luís Gonzaga compunha um personagem atípico, se considerado o que seria o paradigma de soldado pobre da Bahia de finais do século XVIII. ”
Nesse ponto o autor está destacando a singularidade, pois ao contrário da cultura política do absolutismo ilustrado que tem como porta voz os letrados, a nova cultura mostra que ao lado dos letrados havia também homens de ínfima condição, mas mostrando-se com visão política do que acontecia naquele momento.
O mesmo autor mostra ainda que as elites da colônia conseguiam está bem informadas conseguindo material impresso através de suas viagens à Europa e mesmo comprando os tais impressos nos navios que chegavam da Europa “tudo isso pertencia ao universo do tolerável e do consentido, privilégio das elites”. (JANCSÓ: 1997: 402)
Embora ainda sejam as elites as grandes consumidoras de novas idéias via impresso proibidos para a colônia, citando um denunciante anônimo da sedição da Bahia, JANCSÓ lembra que o interesse por livros proibidos se dava entre os “pardinhos e branquinhos”, gente de pouca valia, como trata os documentos da época.
As novas idéias nas colônias eram divulgadas não só por livros, mas também por cópias manuscritas e pela oralidade com leituras nos círculos literários ou públicos, essas informações são perceptíveis nos autos de devassa que trazem as listas de livros e o comportamento dos devassados.
Para Luiz Carlos Villalta em “O que se fala e o que se lê: língua, instrução e leitura” a questão das idéias e seus meios de divulgação eram vigiados pelas autoridades, principalmente os livros e os saberes escolares tomados como inquietações:
Estado e igreja tomaram livros e saberes escolares como fontes de inquietação, de questionamento e, no limite, de ruptura dos laços coloniais. Estabeleceram, assim, desde o século XVI, uma contradição entre F, L e R e uma ‘civilização’ que se tornasse excessiva a ponto de suscitar a soberba nos colonos.
A preocupação em não expandir a instrução científica na colônia era uma preocupação da monarquia portuguesa, tanto é que havia colégios com curso de nível superior, mas dependente em relação à Universidade de Coimbra, impedindo a criação de Universidades na América portuguesa.
A instrução se subordinava a aparentar uma civilidade, ainda que fosse uma instrução marcada pela ordem estamental e patriarcal, diferenciando-a conforme o grupo social e o sexo: “Aos homens, devia-se ensinar a ler, a escrever e contar-até certo tempo, apenas aos homens de classe abastardas e, mais tarde, a todos. Às mulheres, a coser e lavar, fazer rendas e todos os misteres femininos. ” A instrução então era diferenciada, servindo até como uma forma de dar determinadas funções a grupos específicos.
Ao estudar as bibliotecas privadas na colônia, Villalta passa a demonstrar o universo da leitura e das idéias no Brasil Colonial, mostrando a composição literária e a estrutura das mesmas. Para o mesmo autor o período dos Quinhentos foi pobre em livros e no século XVI predominavam livros religiosos, mas alguns desses fugiam a esse predomínio como:
No meio rural, circulavam livros de sorte. No Nordeste, a DIANA, de Jorge Mantenor, obra proibida, então de grande sucesso[. . . ]às METAMORFOSES, de Ovídio, e a EUFRÁSINA[. . . ]. Diogo de Couto, vigário da Vara em Pernambuco, lia livros interditados por Roma ou pelo Santo Ofício, como a ROPICA PNEFMA, de João de Barros.
No século XVII o panorama não se alterou muito, eram em sua maior parte obras de caráter devocional, sendo que no século XVIII, como nos informa as pesquisas de VILLALTA, percebesse uma mudança na composição das bibliotecas coloniais, abrindo espaço para as ciências e os saberes profanos e da ilustração.
A composição das bibliotecas variava de acordo com a categoria profissional, pelo menos é essa a perspectiva apontada nas pesquisas de Villalta, para realidades como das Minas Gerais, Bahia e Rio de Janeiro, onde os livros circulavam com mais regularidade:
Entre os padres, por exemplo, a maioria possuía obras de devoção e liturgia, teologia e cânones, a grande exceção é o cônego inconfidente de Mariana Luis Vieira da Silva cuja biblioteca era composta por 50, 7 % de livros profanos contra 35% de títulos de ciências sacras.
Os livros eram apenas uma das formas de divulgação das idéias que se convencionou chamar de Liberalismo e de Iluminismo. Os livros então eram “vistos” com muito cuidado pelas autoridades coloniais, ainda mais quando se tratavam de livros da ilustração:
A muitos beneficiados, vedava-se o contato com escritos ‘libertinos’ dos “filósofos ilustrados” e determinava-se a todos o armazenamento dos livros em ‘estante fechada com chave, e rede de arame’ de sorte a não serem vistos nem lidos por pessoas não autorizadas .
Mas havia também um outro tipo de eficaz divulgação de idéias, a oralidade:
O cultivo a oralidade da escola sobreviveu à expulsão dos jesuítas e à implantação das aulas régias. Nos seminários, em Minas e no Grão-Pará, havia disputas públicas entre os seminaristas; nas aulas régias de retórica, os alunos escreviam textos a serem lidos publicamente, depois de corrigidos pelos mestres.
A historiografia regional se bem mais aprofundada ao tratar sobre o Vintismo, principalmente a historiografia regional onde eram as antigas províncias que se mostravam descontentes com a emancipação do Brasil em relação a Portugal ou as que almejavam sua independência. É o caso da historiografia paraense onde a proclamação do Vintismo assume papel tão relevante quanto foi a independência para o Brasil. Iniciaremos agora uma breve caminhada por essa historigrafia.
Veremos agora o caso do monarquista Domingos Antônio Raiol com sua obra Motins políticos . Nessa obra observamos a minuciosa narrativa dos principais acontecimentos políticos do Pará e que para o período de 1821-1823 são apontados com destaque o reconhecimento da Revolução Constitucionalista do Porto no Grão-Pará que é datado de 1 de janeiro de 1821, e a atuação de Filippe Patroni frente as Cortes e a circulação do Jornal O Paraense, chamado por Raiol de Paraense, observe agora o que esse autor diz do jornal e, sua característica narrativa respectivamente nas duas citações a seguir:
Patroni deu à luz um jornal intitulado Pareanse, no qual começou a fazer severa análise à administração dos negócios públicos, esforçando-se por desenvolver certas opiniões políticas entre os seus conterrâneos, opiniões por certo favoráveis ao regímem livre dos povos, mas de alguma forma amaeçadoras do sistema até então seguidos pelos agentes do poder.
No dia 1 de janeiro de 1821 [. . . . . ]/Na manhã do dia designado os batalhões[. . . . . ]/Reunidos no palácio do govêrno[. . . . . ]/A câmara municipal nomeou sem demora[. . . . . ]/Eleita a junta, [. . . . . ]/Feito isto, a junta provisória enviou[. . . . . ]
A questão do Vintismo narrada por Raiol constitui-se como a história dos acontecimentos políticos, não sendo percebido qualquer julgamento dos atores das cenas, ao contrário da interpretação da Cabanagem que assume na visão do Monarquista uma feição de Motin e seus atores são tratados com desvalia. Ainda sobre Motins Políticos vale ressaltar sua contribuição documental, que além da documentação oficial, a proximidade de seu autor aos fatos torna a narrativa como uma espécie de crônica histórica.
Antônio Ladislau Monteiro Baena em seus Compêndios das eras da província do Grão-Pará também é uma narrativa cronológica dos acontecimentos, mas possui uma reflexão sobre os atores da Revolução Constitucionalista que não se pode perceber em Raiol. Sobre Felipe Patroni, Baena emite o seguinte juízo de valor:
Patroni, que sempre se moveu debaixo de mãos princípios reguladores das faculdades intellectuaes, largou a votiva carreira dos seus estudos da jurisprudência civil para também figurar na melindrosa e arriscada scena política, que se havia aberto em Portugal: fallou, e imcubio-se de estender por meios immoraes e insidiosos a insurreição nacional á Província do Pará, [. . . ]
Assim, tanto em Portugal quanto na província do Grão-Pará o Vintismo teria sido para Baena, promovido com a finalidade de interesses particulares:
Se os embustes da rebelliaõ tivesse sido regeitados, se se tivesse procedido com desinteresse e boa fé não haveria como depois houve essa ansiedade na recente condição política estabelecida pela tropa tocada na mesma promovida allucinação, em que se abismou o Exercito de Portugal no dia 24 de agosto de 1820. Só meros egoístas attentos unicamente a promover aos seos particulares interesses He que emprehendem revoluçoens timultuarias por meio insidiosos e immoraes, sem jamais terem em vista a causa publica, nem respeitarem as virtudes Moraes, que só podem servir de base, e dar permanência á ordem social legitima
O Engenheiro Civil João de Palma Muniz, em sua obra Adesão do Grão-Pará à Independência , o Vintismo no Grão-Pará recebe alguns adjetivos como na citação:
Esboçada a gênese da revolução, tanto quanto o permitiram as notas sobre ela ao nosso alcance, definidas as primeiras responsabilidades no movimento sedicioso, verificado o papel proeminente de Patroni na propaganda, indicados, ainda que em escura penumbra, os aliciadores, adeptos e conspiradores, passemos a estudar o ato revolucionário
Nota-se que o Vintismo recebe o nome de revolução, ora movimento sedicionário, ora movimento rebelionário e até rebelião constitucionalista, ao longo de sua “These”. E seus agentes são tratados como aliciadores e conspiradores. Revela-nos que as questões das idéias era assunto bastante incomodo para as autoridades como no documento:
Faz-se muito necessário que Vmce passe sem perda de tempo ao Fortim onde se acha preso José Corrêa Morreira para lhe fazer pergunta e inquiri-lo sobre as suas relações com os outros presos Manoel da Costa e Mr. Flacher, assim como a cerca da pessoa ou pessoas que fabricam os pasquins que por algumas vezes se tem achado afixados em diversos pontos desta cidade e em geral sobre tudo mais que tiver relação com as diligências de que tenho encarregado Vmce.
Ainda para Palma Muniz o Vintismo no Grão-Pará teria sido obra dos militares da província, ainda que “é um fato fora de discussão haver sido a tentativa insurrecional combinada previamente para dia 1º de janeiro de 1821, na ocasião da revista de mostra da tropa no largo do Palácio do Governo, o seu regimento” (PALMA MUNIZ: 1973: 35), quando o coronel barata proclamo a Adesão do Grão-Pará ao sistema constitucional, dando: “vivas a EL-Rei D. João VI, à religião Católica, à constituição que as cortes fizessem e intimou a deposição da junta do governo, declarando que a tropa e o povo exigiam a eleição de outro governo, em acordo com os novos princípios. ”
Mário Barata, outro Historiador da constelação sobre a província do Grão-Pará e de grande importância para quem vai estudar o Pará colonial e imperial, consegue fazer um apanhado de obras como de Raiol, Baena e Arthur César Ferreira Reis. Por isso trabalharemos Barata e Ferreira Reis em uma análise onde os dois se entrecruzam, pois os argumentos do primeiro está baseado nas citações do segundo.
Barata cita então Ferreira reis para nos informar que as chamadas idéias liberais tão temidas pelas autoridades coloniais e que terão grande participação na Adesão do Vintismo no Grão-Pará em 1821, já estavam sendo semeadas entre nós mesmo antes de 1820, quando da Revolução do Porto em Portugal:
A sementeira Liberal, como sabemos, fazia-se principalmente pelos clubes, pelas sociedades secretas, que desde os primeiros dias do século XIX mobilizavam inteligências e vontades pelo Brasil em fora. Em Belém, na residência do sogro do ouvidor Joaquim Clemente da Silva Pombo, fizeram-se reuniões em que se discutiam as novidades políticas.
Barata trás em seu trabalho a importância de já poder debater com outros escritores sobre o período colonial no Grão-Pará e ainda pela contribuição documental, o que torna o seu trabalho um arquivo para a nossa História. Quanto a contribuição de Filippe Patroni na difusão da Revolução do Porto, chega a conclusões que os anteriores já haviam chegado, utilizando documentação da época: “Ali é revelado que já se sabia da revolução no Porto, nesse ano de 1820, antes da chegada de Filippe Patroni, dado como difusor da notícia, ao mesmo tempo que, justiça se lhe faça, foi o grande campeão da propaganda da necessidade de regeneração política, [. . . . . ]”
Mais recentemente, digamos na década de 1990, duas obras passam a dar novo fôlego a questão das idéias liberais no Grã-Pará, por volta da adesão do Vintismo e pela questão da Independência. Essas obras são: Memorial da Cabanagem e Anarquistas, Demagogos e dissidentes .
Em Memorial da Cabanagem, Salles tem em seu cardápio um conjunto de obras que lhe dão base, inclusive podendo dialogar com Coelho, um contemporâneo seu. Vicente Salles aborda em sua obra como as idéias liberais chegam ao Grão-Pará, destacando a atuação do Frei Luis Zagallo que entre 1815-1817 teria divulgado os ideais de liberdade entre os escravos. A proximidade do Grão-Pará com Caiena aumentava ainda mais a circulação das “novas idéias”. Internamente temos, segundo Salles o exemplo da Confederação do Equador em Pernambuco em 1817.
O autor de Memorial da Cabanagem reconhece também a participação de Filipe Patroni e de seu Jornal O Paraense, mas admite que não se pode atribuir inteiramente a Patroni a novidade liberal e seu jornal teria se radicalizado mais sob a orientação de seus sucessores. Em Salles as:
idéias liberais difundidas pela Revolução Francesa a partir da última década do século XVIII chegaram, no entanto, de alguma forma, ao Grão-Pará. A voz de Montesquieu (1689-1755), um dos filósofos que se colocaram a favor da abolição da escravatura, teve ressonância em toda a parte. Não apenas essa voz; mas o conjunto de vozes que agitavam por nova ordem política, social e econômica.
Geraldo Mártires Coelho vê o Vintismo como:
entre 1820 e 1850 assinalar-se-ia pela dominância de um processo social e político profundo: o da transição das estruturas da sociedade entre a antiga ordem colonial e as novas condições ditadas pela emancipação política do Brasil e pela formação do Estado Nacional Brasileiro .
Para Geraldo Mártires Coelho, Filipe Patroni teve papel importante na “articulação dos elementos que concorreram para o movimento militar que sustentou, na então capitania, a aclamação da constituição, do rei e da religião. ” (COELHO: 1993: 94)
Assim sendo o objetivo da proclamação do Vintismo no Grão-Pará respondia:
a adesão da capitania à ordem constitucional respondia mais de imediato aos interesses da pequena burguesia local já que, sendo um investimento político, poderia restituir-lhe frações de sua representação social perdidas, devido às condições materiais dominantes na sociedade
Em Anarquistas, demagogos e dissidentes pode-se notar a circulação de variados livros, inclusive aqueles constantes nas listas do Índex da Santa Inquisição, os livros do Iluminismo, vindos da Europa ou por Caiena. Mas a inovação de Coelho está na questão documental, com a utilização do periódico “O Paraense”, como Salles comenta a obra de Mártires Coelho:
Observando as circunstâncias no interior das quais, em Lisboa, a imprensa do Vintismo Português atuou, e constatando que parte desse periódico traduzia a linha radical do pensamento liberalizante da regeneração, é difícil não estabelecer um paralelo entre essa orientação e a que o O Paraense seguiu no Grão-Pará, mesmo levando-se em conta as evidentes especificidades do processo que se passava em Lisboa e em Belém.
Nota-se que Coelho analisa a atuação da imprensa Vintista no Grão-Pará à luz da imprensa vintista de Portugal, mas pontua que há especificidades ajustadas as realidades sociais dominantes, representando uma forma de “praticar o Vintismo fora de Portugal num contexto dotado de especificidades próprias. ” (COELHO: 1993: 112)
Já na última década, o livro Terra Matura analisa o Iluminismo Paraense através de duas figuras representadas por:
duas palavras homólogas – Libertino e Libertário – firmaram então um parentesco que podia pois chamar a atenção da polícia política e da polícia dos costumes; Libertino, o que não acreditava em Deus, conforme significação datada do século XVII, derivou para libertinagem no sentido de desregramento de costumes e Libertário derivou para o subversivo da sociedade e do regime político. Mas os libertários e os libertinos eram, em sua grande maioria, profissionais das letras, pensadores, professores, que publicavam o que escreviam: os assim chamados publicistas e filósofos .
Outra coletânia de artigos da última década é Faces da História da Amazônia, onde Cleodir da Conceição Moraes em seu artigo aborda o período de 1820-1823, levando em consideração o poder fora da esfera do Vintismo no Grão-Pará, representado pelo poder das relações paternalistas e clientelistas. Embora não seja o objetivo aqui verificar as relações de poder fora do olho do furacão do Vintismo, o trabalho de Moraes constitui uma abordagem inovadora para a historiografia do Período de1820-1823.