PALAVRAS JOGADAS...

Na segunda-feira já começo anunciando: Amanhã, terça-feira, é dia de artigo no “O Jornal de Hoje”! Mesmo assinante, não espero em casa, vou à banca mais próxima, compro alguns exemplares e distribuo com amigos e familiares. Isso tem incrementado uma “rede” que tem dado bom resultado, pois sou cobrado por novas histórias.

Como incentivo à leitura, lanço um desafio entre os fies leitores: Compre o “O Jornal de Hoje”, leia, faça um comentário sobre que mais lhe agradou, envie por e-mail ou whatsapp, e concorra a brindes especiais: vinhos, chocolates e livros. Funciona! Foram contemplados Rogério Nunes, leitor e morador em João Pessoa/PB, que agraciou um Grand Vin de Bordeaux, safra 2011 e Soraya Helena Medeiros de Morais, de Natal/RN, com um branco Anubis, safra 2010.

Bem, mas eis que chega uma dessas terças e na mesma ansiedade (minha) e expectativa (leitores), conto as horas para ter em mãos o jornal, cheinho de “notícias que os outros divulgarão amanhã”. Passo a vista em “Escrevem artigos na edição de Hoje”, e não encontro meu nome. Como que querendo mudar a situação, peguei outro para conferir e realmente não constava.

As interrogações logo afloraram: “O que aconteceu?” “Será que não enviei a tempo?” “Será que Marcos Aurélio de Sá viajou?”. A agonia se estendeu pelo resto da noite e nunca desejei tanto que amanhecesse para saber o motivo.

8:00h , liguei. “O Dr. Marcos, está chegando”.

9:00h, novamente. “Ele está numa reunião iniciada agora”.

10:00, mais uma vez. “Quer falar com o Sr. Canuto? Ele é o responsável por este setor.”

Bom dia amigo, o artigo semanal não saiu ontem! Será que enviei corretamente? “Recebi sim. O texto está muito longo. É necessário fazer uma releitura, ser mais conciso, sem perder a essência, adaptando-o a média das publicadas normalmente na página 2 – Opinião.”

Fiquei pensativo. Agradeci a consideração do Sr. Roberto Canuto em me proporcionar uma resposta, e mais ainda, um alento. Reabri o texto e comecei a catar palavra por palavra que pudesse ser extraída sem perder o sentido de cada frase.

A língua portuguesa é fantástica! Você tem mil opções para trocar, excluir, inserir palavras, construir novas sentenças, inverter a forma, enfim, fazer simples, sem deixar de dar o recado certo.

Figurativamente, puxei o cestinho de plástico para próximo do computador, e a cada frase lida, um sentimento de perda. Tira essa, corta aquela, substitui por essa, refaz aquela outra. Para minha surpresa retirei inúmeras palavras, parágrafos e linhas. Li e reli. Na terceira leitura, bem atento e em voz alta, percebi que o conteúdo não se esvaziou, a ideia não se perdeu, o entendimento permaneceu.

Como tudo na vida tem uma razão, a atitude do Sr. Canuto, proporcionou-me um novo aprendizado: Selecionar corretamente as palavras! E fez escola! Todos os próximos artigos, inclusive os já escritos, foram “inspecionados” e deles extraído o excesso de palavras soltas que ganharam férias.

O coração partido enviava ao pensamento uma indagação: Estou perdendo a emoção com as palavras que foram “rejeitadas”?

Listando cada uma ao lado de outra é bem capaz de observarmos e compararmos com nossas vidas, onde muitas vezes pronunciamos palavras em vão.

‘Marcelino Freire’ resolveu desafiar cem escritores brasileiros, deste século, a enviar histórias inéditas de até cinquenta letras (sem contar título, pontuação). Eles toparam. O resultado foi organizado no “Os Cem Menores Contos Brasileiros do Século”. Selecionei alguns para seu deleite:

Em “Monólogo com a Sombra”, de Rogério Augusto: “Não adianta me seguir. Estou tão perdido quanto você”.

Em “Boletim de Carnaval”, de Luiz Roberto Guedes: “- Fui estrupada, vó. Três animais!” “- E tu esperavas o quê? Um noivo?”.

Em “O Espelho de Narciso”, de Modesto Carone: “Agora está claro: quem envelhece sou eu, não o retrato”.

O que fazer como as palavras jogadas ao vento? Olhei para o cesto no qual mentalmente descartava cada uma delas e percebi que estavam inquietas e bailando pelo ambiente. Era como a dança do “acasalamento”: Procuravam-se para novas amizades. Olha ali, a palavra “agradeço” cortejando a palavra “vida”!

Recolhi as palavras jogadas e como que as enviando para Clarice Lispector, vislumbrei reconhecer algumas delas amparadas em ‘A Maçã no Escuro’: “O homem parecia ter desapontadamente perdido o sentido do que queria anotar. E hesitava, mordia a ponta do lápis como um lavrador embaraçado por ter que transformar o crescimento do trigo em algarismos. De novo revirou o lápis, duvidava e de novo duvidava, com um respeito inesperado pela palavra escrita. Parecia-lhe que aquilo que lançasse no papel ficaria definitivo, ele não teve o desplante de rabiscar a primeira palavra. Tinha a impressão defensiva de que, mal escrevesse a primeira, e seria tarde demais. Tão desleal era a potência da mais simples palavra sobre o mais vasto dos pensamentos. Na realidade o pensamento daquele homem era apenas vasto, o que não o tornava muito utilizável. No entanto parece que ele sentia uma curiosa repulsa em concretizá-lo, e até um pouco ofendido como se lhe fizessem proposta dúbia”.

“Os homens de poucas palavras são os melhores”. (William Shakespeare)

“No final, não nos lembraremos das palavras dos nossos inimigos, mas do silêncio dos nossos amigos”. (Martin Luther King)

Emudeço quando percebo uma sombra maliciosa por trás de palavras que buscam uma resposta para uma segunda indagação que não foi feita.

Não se arrependa das palavras não escritas, mas das que feriram injustamente o seu próximo.

Em qualquer lugar que esteja, olhe com carinho para os escritos que encontra em jornais, revistas, livros ou folhetos: Uma alma desprendida de egoísmo partilhou neles, pensamentos e sentimentos de parte de sua vida.

A propósito não jogue fora suas revistas lidas. Leve-as a algum ambiente de espera, como clínicas e escritórios, e coloque-as à disposição para que outros desfrutem das leituras que você já “viveu”.

Escreva! Nem que sejam umas mal traçadas linhas.