Uma obra que ainda faz barulho
Uma obra que ainda faz barulho
Por Rodrigo Capella*
Escrito há quase 95 anos, “Eu e outras poesias”, de Augusto dos Anjos, ainda é um marco na poesia brasileira. Com linguagem complexa e termos indecifráveis, a obra é realmente um mistério completo: “então, do meu espírito, em segredo, se escapa, dentre as tênebras, muito alto”.
Até hoje, estuda-se quais foram as principais influências desse poeta. Estudiosos citam o filósofo inglês positivista Herbert Spencer, autor de “Estatística Social”e “Sistema de Filosofia Sintética”. Há quem também prefira relacionar Agusto dos Anjos com o naturalista alemão Ernst Haeckel, autor de “Formas de Arte da Natureza” e defensor ferroz de Darwin.
Mas, na verdade, faltam provas concretas. Sobram suposições. Bacharelado em Direito, o autor lançou “Eu e outras poesias” em 1912, com apenas 28 anos. Época em que, no Brasil, existiam dois grupos literários: os parnasianos e os simbolistas. Os parnasianos, liderados por Olavo Bilac e Alberto de Oliveira, defendiam a “arte pela arte”, ou seja, preocupava-se com a forma, mas não em se expressar sentimentos e experiências. Já os simbolistas, tinham uma poesia mais dramática e subjetiva.
Teria Augusto dos Anjos também se inspirado nesses dois movimentos? É possível, mas não totalmente comprovado. O autor, assim como os parnasianos, não se apoia em temas autobriográficos, mas, em alguns momentos, contraria o movimento ao expor sentimentos: “essa obsessão cromática me abate / não sei por que me vêm sempre á lembrança / o estômago esfaqueado de uma criança”.
O título do livro, “Eu e outras poesias”, sugere uma obra de confissões? Engana-se quem teve essa impressão. O “eu” da obra é subjetivo e bastante impessoal, o que confere ao autor uma marcante característica simbolista: “uivava dentro do eu, com a boca aberta”. Mas, o poeta, diferente dos outros adeptos desse movimento, não utilizou em excesso referências aos sentidos.
Tratava-se, então, de um poeta confuso? Não, nada disso. Essa é simplesmente uma eterna contradição de quem se propõe a escrever poesias. Não se pode encaixar Augusto dos Anjos em um movimento rotulado, assim como não se pode classificar qualquer outro poeta. O fato é que a poesia, diferente da prosa, é solta e subjetiva por si só, premitindo ao escritor variar o estilo e apresentar elementos de diversos movimentos.
Muitos livros poéticos vão, portanto, continuar a ser mistérios. E isso é bom. O mistério envolve o homem, disperta a leitura e, principalmente, provoca curiosidade.
(*) Rodrigo Capella é escritor e poeta. Autor de vários livros, entre eles "Transroca, o navio proibido", que vai ser adaptado para o cinema pelo diretor Ricardo Zimmer, e "Poesia não vende", que traz depoimentos de Ivan Lins, Moacyr Scliar e Barbara Paz, entre outros. Informações: www.rodrigocapella.com.br