QUE SE MORRA NO ATO!

A poética está na vida, no cotidiano. Quando tudo nos parece confuso, difícil de entender, surge a Poesia com o seu condão de pureza e uma pitada de timidez para confidenciar o inconfessável. Daí a codificação verbal, a palavra com a burca sobre o rosto, em respeito ao fundamentalismo de dizer o verso com poeticidade. Humanos, somos tão frágeis que apelamos para o metafórico "coração" internalizado. Todavia, quem sofre as inquietações é o coração cerebrino, mesmo que a dor do amar seja "fogo que arde sem se ver", como diz Camões em seu célebre soneto lírico-amoroso do séc. XVI, portanto, há mais de 500 anos. O poeta não necessita ser "sensível", e, sim, ser inteligente para ‘pegar’ a sensibilidade de seu incauto leitor, segundo o gênio de Fernando Pessoa e seus heterônimos. No leitor do gênero feminino, mais me apercebo que a metáfora “coração” parece situar-se fora e para muito além do corpo. Talvez por isto o jovem de hoje não encontre identidade lírica no amar dos poetas prenhes do amor convencional e faça deste por vezes pilhéria, atendendo e priorizando necessidades do tesão do corpo e aos anseios de ser visto pelo outro na nudez dos desejos. E nós, poetas do sensitivo, ficamos a pregar no deserto a confraternidade e/ou o amar sem libido, especialmente nas vozes da maturidade, fixadas na consciência da finitude e o depois. Que se morra no ato, sem pejos! Salve! Hosanas ao impudico gostoso de se ver e de sentir, em qualquer idade...

– Do livro O CAPITAL DAS HORAS, 2014.

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