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UM HOMEM DA CAVERNA
 
 
      Nunca pensei que meu Estado natal ainda abrigasse, em seus inóspitos sertões, gente habitando em uma caverna. Falei “caverna”, uma loca de pedras, uma gruta tosca, sem trabalho nenhum da mão humana, a servir como residência de um cristão.
 
      Fortaleza, a sede governamental, segundo reza a imprensa, e não me é dado saber se verdade, atualmente ostenta o luxo de ser a capitai brasileira com o maior número de carrões importados, a desfilar por entre incontáveis favelas miseráveis e lindas avenidas da Aldeota e da Beira-Mar.
 
      Por outro lado, diariamente, por ironia da sorte, a “Loira Desposa do Sol” faz ponte aérea com a Europa e, em particular, com os EUA, onde dondocas noveleiras e carnavalescas da sociedade local – exibindo suas credenciais de autênticas cus-doces – vão às compras, em Miami, Orlando e Nova York, de lá trazendo até chinelas japonesas, aqui encontradiças em qualquer esquina e a precinho de bananas.
 
      Pois, no Ceará, ainda um cidadão, cuja graça é Joaquim, sozinho com o seu cachorro Tubarão, mora numa caverna. Vi-o no programa “Domingo Show”, do Geraldo Luiz, na Rede Record.
 
      E, sem preconceito, não me recuso a citar esse canal de televisão, apesar de um rapaz, aqui da terra, um desses que põem falsete de homossexual na voz (nada contra os homossexuais), para fazer fofocas dos famosos da TV, coadjuvante de afamado programa de rádio, só sabe tachar a Record de Recópia (= rede que copia de outrem), certamente para bajular a Rede Globo, a originalíssima, a sabe-tudo, dona do Ibope e o canal da trindade da alienação em seriados contínuos: novelas, carnaval e futebol.
 
      Peguei o bonde andando, quando a transmissão do caso de Seu Joaquim já ia indo em marcha. Uma pena, porque perdi muitas dicas e mais poderia lhes contar sobre o homem da caverna. Mesmo sabendo pouco, pude pescar que o gajo sobreviveu a três picadas de cobra. Um herói, o Seu Joaquim. Como não se lhe atribuir o papel de um resistente? Tão velhusco, mas saúde à beça, não obstante os fundos sulcos do sol, desenhados na cara...  O cabelo dele pretinho, que reluz, coisa de se ver, e sem cosmético algum. Perguntado se tinha medo de alguma coisa, foi taxativo: “Eu não tenho medo de nada. Só dos poderes de Deus”.
 
      Pra valer, aportei à tela quando o repórter/apresentador declarava que ali, naquele ermo de sertão pedregoso, Seu Joaquim, um guerreiro, sobrevivia fazia nada menos que vinte anos. O entrevistado disse que passara uns tempos com uma irmã, em Fortaleza, mas não gostava de lá, não. Fortaleza, na opinião lá dele, “é muito ruim”.
 
      A caverna de Seu Joaquim nem é tão distante da Capital. Fica no município de Quixadá, a “Terra dos Monólitos”, com um fluxo de turismo admirável. E a cidade é visitada principalmente por suas riquezas naturais: cercada por grandes monólitos (um tipo raro de rochas), um açude que vem lá do Império e a famosa e gigantesca “Pedra da Galinha Choca”, que retrata nitidamente uma penosa bem aninhada no seu leito galináceo. Uma bela e rara obra da Natureza.
 
      Uns contraparentes, dos Silveira, que restam por lá, alguns até influentes, que venham em meu socorro e melhor dissertem sobre a cultura, as artes, o turismo e os meios econômicos da progressista Quixadá, município onde se aloja a caverna de Seu Joaquim.
 
      Ora, se na “Terra dos Monólitos”, bem ali distando de Fortaleza, ainda tem gente que nunca viu um celular nem tampouco sabe declinar o nome do aparelho, fora totalmente da civilização, morando em loca de pedras, fico a imaginar o atraso que existe nesse “mundão largado sem porteiras” do restante deste meu País. E ora se não tem!
 
Fort., 04/05/2014.
Gomes da Silveira
Enviado por Gomes da Silveira em 04/05/2014
Reeditado em 05/05/2014
Código do texto: T4793964
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