Vida

 

Quando eu era bem criança, viajar no Vitória para Porto Alegre era o máximo. Minha mãe colocava eu e minha irmã, bem pequenos, no banco da janela, para irmos apreciando a paisagem. “Que tremendo barato!” Aquele ônibus imenso, os carros lá embaixo; os morros, os campos e as vacas lá adiante; as pontes, os casebres, o prédio Rádio Itaí, tudo era encantamento a rolar diante daquela janela em movimento. Lembro até hoje disso tudo.

 

Parada certa nesses passeios era o apartamento das tiás Ná e Lisett, respectivamente tia e irmã de meu pai. Tia Ná, durante os 101 anos que viveu, com incrível lucidez, foi o centro da família paterna, uma legítima matriarca amorosa, e tia Lisett morava com ela desde a infância, era “sua filha”. As idas ao cinema também eram antológicas. Uma prima daqui foi com a gente numa oportunidade e, ao se deparar com a telona pela primeira vez, arregalou os olhos e exclamou para minha mãe: “Tia, que baita televisão!”

 

Lembranças. “Lembrar é viver.” Vida. A vida, para mim, é o presente que passa; o passado e o futuro são apenas pontos de referência. O seu sentido até hoje as pessoas o procuram. A interminável questão: “qual o sentido da vida?”

 

Indo recentemente no velório de um parente, havia um folder lá no crematório que repetia outra ideia comum relacionada ao viver: “a vida é feita de escolhas”. Concordo com isso, é uma verdade também. Olhando pela janela da cafeteria que fica no terceiro andar daquele prédio fúnebre, avista-se o Olímpico Monumental e o rio Guaíba. O Grêmio escolheu ir para a Arena, logo lá está o velho Olímpico, feito um doente terminal num leito de hospital, esperando o momento derradeiro de sua vida, já nos estertores.

 

Quantas lembranças daquele estádio. “Lembrar é viver!” Quantas lembranças das minhas tias. As escolhas que a gente faz na vida, principalmente na vida financeira, podem ser a diferença entre sucumbir num leito no Moinhos de Vento ou no umbral da emergência do Conceição. Um grande amigo meu, que lá estava, acamado, foi quem definiu aquela emergência assim. Concordei com ele no ato, diante do que via. A vida é feita de escolhas, quando dá para fazê-las, claro. Às vezes as coisas na vida não são uma questão de escolhas, mas de circunstâncias.

 

Vida. Igualmente entendo que viver é sobreviver, correndo riscos calculados. Não dá para, ao fazer escolhas, se atirar na frente de um caminhão, achando que vai pará-lo. Todavia, viver é como fazer uma greve: ou você faz ou não faz, ou você vive ou não vive. Escolher viver, correr os riscos, calculados, possíveis. Controlar os medos, não ser escravo cego da coragem e respeitar as fobias, que são o medo que não se controla e que paralisa. Em suma: nunca forçar a própria barra. Mas viver a vida, correndo alguns riscos com o objetivo de ter uma vida mais proveitosa e, ao mesmo tempo, evitando riscos desnecessários, tipo assim andar de moto a 300 km/h por hora numa via pública.

 

Mas cada um sabe da sua vida, do seu prazer, dos seus riscos, dos seus medos, da sua coragem e das suas fobias. Cada um sabe das suas escolhas, pois, de qualquer maneira, é quem vai arcar com o resultado delas.

 

Vida. Só o amor dá cor pra vida, isso é outra coisa que aprendi nesses anos. Fora do amor, só preto & branco e escala de cinza, o que, é bom salientar, também é legal e faz parte do que é a vida. Mas não tem o encanto e a magia que só o amor adiciona à vida. Amar a vida é amar as pessoas e as coisas. É saber que longe do umbigo há uma vida toda nos esperando, uma vida a ser vivida no presente, uma vida que dará boas lembranças, uma vida a ser compartilhada. E fazer essa escolha. Era o que eu tinha a escrever. Vida.


Publicado na seção de Opinião do jornal Portal de Notícias:  http://www.portaldenoticias.com.br