Sobre o ofício de advogado
Alguns ofícios humanos assemelham-se aos de animais; o dos advogados, por exemplo, corresponde ao dos urubus, que se fartam dos despojos resultantes das querelas de outros. Ao contrário dos pássaros, no entanto, que aguardam silenciosa e singelamente o resultado das disputas, os advogados empenham-se ativamente em atiçar as partes, umas contra as outras, alimentando a discórdia e gerando assim, para si próprio, maior parcela a abocanhar, sendo esse o seu papel profissional.
As contendas entre as pessoas talvez pudessem ser resolvidas entre elas mesmas, um assinte aos olhos de promotores, juízes e advogados; metendo o bedelho em tudo, esses carniceiros exigem que todas as discórdias passem por sua mediação, quando despojarão fartamente as partes, abocanhando-lhes os bens, cada um ao seu modo.
Os advogados têm sido, com sabedoria e frequência, comparados a sanguessugas e outros parasitas sugadores de samgue, comparação pesarosa às criaturas que, muito menos bizarras que os advogados, ao menos largam suas vítimas depois de mortas.
Advogados empenham-se em acirrar e levar aos tribunais as contendas entre cidadãos, onde os juízes os aguardam soberbos. Montam ali uns teatros pomposos, umas farsas burlescas comandadas por esses últimos que, em suas capas pretas, fantasiados de corvos, atiçam os querelantes para em seguida os depojar conjuntamente, qual bando formado por abutre, corvo e urubu, secundado por barnabés a aguardar o mesmo banquete, como chacais.
Enquanto o advogado se empenha em colocar lenha na fogueira e atiçar as chamas acicatando as partes, juízes e promotores se aplicam em manter a hierarquia que consideram estabelecida, tratando de mostrar quem manda. Colocam-se eles próprios acima de todos os outros, para, dali do alto empoleirados, definir qual das partes se sobrepõe à outra, advindo dessa hierarquia os seus direitos; trata-se, toda a farsa, de um esforço para definir a ordem das bicadas, para mostrar quem manda, sendo esse o ponto de vista usual desses carniceiros.
Embora usualmente obtusos e ignorantes, creem e afetam, frequentemente, grande cultura, ainda que incapazes, quase todos, de executar uma divisão por número de 2 algarismos sem o auxílio de calculadora. Caso desafiados a decifrar enigma envolvendo dedução lógica, provavelmente o farão com impaciência, desatando o nó górdio constituído pela charada mais simples com veredito dogmático; e ai de quem discorde da solução imposta! A ignorância dos dessa classe é tão tamanha que aqueles, dentre eles, que dominem uns rudimentos de gramática se considerão grandes sábios, dado desconhecerem todo o restante do conhecimento desenvolvido pela humanidade; mas, afinal, que outro assunto relevante haveria para ser conhecido? A prepotência tece poderosas vendas.
Convém, no entanto, nunca esquecer que, coadjuvados pelos promotores, tais criaturas têm enorme poder, sendo elas as principais responsáveis pelo atual estado do mundo, as principais guardiãs das desigualdades. Sendo o seu papel precípuo o de estabelecer e manter desigualdades, pode-se constatar o seu poderio considerando-se a ubiquidade e força desse flagelo, não os subestimemos.
Retornando aos advogados, esses mentirosos profissionais, vendidos, farsantes sórdidos, penso que deveriam ter seu ofício de advogado extinto, ao menos na prática usual envolvendo pessoas comuns. Apenas em eventualidades, como na defesa de incapazes, esses sacripantas, os advogados deveriam ser tolerados, ganharia a paz. Livres de seus ardis, de suas mentiras, comprazeriam-se partes e justiça; compadeceria-se a bizarria e a iniquidade.