Fotografia



Em cima do meu aparador na sala há uma porção de lembranças dos tempos antigos e dos tempos passados. Tempos antigos são as lembranças da minha infância, e, as do tempo passado são as recordações da infância de meus filhos e agora as lembranças atuais já ficando no passado, dos netos.

Engraçado como o tempo muda comportamentos, mudam hábitos, moda, cortes de roupas, de cabelos, mas, modo de olhar... Não! Esse não muda. O olhar de uma criança de um mês e do adulto de cem anos não muda. Esse é sempre o mesmo, o seu sorriso também não muda...

Olhando para essas fotos fico me lembrando de coisas esquecidas, lá baú do tempo. As fotos estão amareladas, outras coloridas, mas um colorido diferente, menos requintado, com menos técnica, menos recursos. Tudo bem, mas não muda a fisionomia das pessoas.

Estou olhando para uma foto minha e de minha irmã, com quatro anos mais ou menos, eu, e dois anos de idade, a minha irmã Vera. A foto foi tirada no fotógrafo, pois há uma cortina atrás de nós e nunca minha mãe teve cortina em casa. Estamos sentadas numa cadeira forrada com uma toalha escura com flores em tom mais escuro. Vestimos roupas iguaizinhas: um vestido branco com babados no decote, junto ao pescoço, babados descendo do ombro até a cintura do vestido, as mangas fofas por causa de um bom franzido e... Com babados na barra; meias soquetes brancas, sapatos brancos. O cabelo fora cortado e penteado igual também, puxado para cima e para trás preso por um enorme laço de fita. Estamos com cara de bicho do mato. Sérias. Compenetradas no que ia acontecer que não sabíamos o quê.
Olhando para o retrato fico imaginando, que devíamos estar desesperadas equilibrando o tal do laço, que provavelmente não era nosso e, sim do fotógrafo, porque é nítido que o cabelo passava por cima do nó do laço. Aquela foto era da moda. Moderníssima! Tanto o olhar da Vera como o meu continua o mesmo quando estamos quietas e, principalmente quando estamos ou preocupadas.

Ao lado já tem a foto, também envelhecida, da minha filha mais velha com meu irmão tirado no jardim Zoológico de São Paulo, lá no lago. Os dois estão rindo e fazendo poses, segurando as mãos um do outro. Minha filha já com um vestido mais curtinho, de saias godês, verdes, sem manga, de alças, que eu mesma confeccionara, com o cabelo crespo e curto e sandálias, e o Flávio camisa preta, casa jeans afunilada nas pernas parecendo engessado. Também nos divertimos ao ver as fotos. O olhar deles continua igual, a mesma expressão simples e acolhedora.

A mesma compreensão tenho com as outras fotos do meu “museu” familiar ou doméstico, como meus filhos costumam chamar o meu cantinho da saudade. Ali está bem nítida a mudança havida no crescimento, mas não na fisionomia de cada pessoa. Mesmo os netos que são mais recentes de bebezinho até agora com treze, seis anos, quatro meses, três meses, a fisionomia vai se mantendo, o riso vai ficando como um DNA, uma impressão digital que vão levando vida afora. Muda um pouco quando estão preocupados, pois o riso se afasta por uns tempos, mas, depois volta do mesmo jeito.

Acredito que é bem assim: o tempo passa, crescemos, amadurecemos, temos filhos, e envelhecemos, mas a nossa individualidade refletida nos olhos, no sorriso, não se altera de forma radical. Nosso passado não se afasta de nós e fica sempre presente.