A farsa das supersafras
Incapaz de fugir dos clichês sofistas de seus antecessores, o Governo Federal já anunciou que o país terá, em 2007 mais uma supersafra. Para quem pegou o bonde agora e lê as manchetes ufanistas sem esmiuçar juízos, parece algo excepcional. Essa notícia é ideal para a professora debater com seus alunos da terceira série, ou para servir de tema para um trabalho em “Estudos de Problemas Brasileiros”, se é que ainda ministram essa disciplina.
Recordo que, há uns dez anos atrás, ou até mais, em Buenos Aires, querendo me tocar uma flauta, um argentino perguntou, como é que o governo de vocês anuncia uma safra recorde de grãos se, ao mesmo tempo, organizações sociais assinalam a existência de quase quarenta mijones de hambrientos (quarenta milhões de famintos)? É o tipo da coisa que a gente não tem resposta, a não ser um sorriso verde-amarelo e uma saída “de fininho”.
Pois no Brasil a coisa é mais ou menos dramática, na medida em que se constata que as “supersafras” são de grãos oleaginosos, exportáveis, incapazes de gerar um quilo de alimentos em uma nação de tantos famintos. Revela-se aí o trato cruel, desde os governos da ditadura, em estabelecer estatísticas mentirosas e indevidas a respeito de nossa produção agrícola.
Produzimos, sim, muitos grãos, capazes de gerar divisas internacionais em dólar, não para projetos sociais, mas para engordar o cash de empresas transnacionais, bem como locupletar os cofres oficiais com recursos para despender em altos salários, gratificações, jetons, verbas de representações e outras benesses aos privilegiados dos três poderes da República.
A ocorrência das supersafras é inconteste, só que essa riqueza do país não vai para a mesa do povo, mas para o cofre do explorador. Por isso falar em “supersafras” é mentir, cometer uma falácia, tergiversar a verdade. O foco atual aponta para a produção do etanol e das oleaginosos que vão gerar o biodisel, a riqueza do futuro. Até a soja perde espaço para essa nova cultura, que poderá transformar o Brasil em um país de tecnologia de ponta, nação rica com milhões de famintos.
Por essa razão que João Pedro Stédile, líder do Movimento dos Trabalhadores rurais Sem Terra, disse que a expressão biodisel é errada, uma vez que se deveria extirpar o prefixo bio (vida), pois essa cultura só vai gerar mais morte, pela fome, pela monocultura e pelo lucro de uns poucos.
Os outros países plantam alimentos para o povo. Aqui plantamos para engordar a vaca do gringo lá foram, e para lubrificar as máquinas alheias. Eu conheci, há uns trinta anos atrás, lá np interior de Ibirubá, RS, um colono que no boom da soja, passou o trator num hectare de roseiras para plantar aquela oleaginosa. Hoje, pelo que sei, ele perdeu a riqueza do produto e o perfume das flores.
Portanto, as pessoas lúcidas, quando escutam falar em “supersafras” olham-se umas para as outras e riem, de mais essa falácia oficial.
o autor é escritor, filósofo, escritor e Doutor em Teologia Moral