Morango ou coco?

A vida da gente é um manancial de encruzilhadas e circunstâncias para tomadas de decisões. Cada crise é uma oportunidade de decisão. Desde crianças, decidimos entre ir ao cinema ou brincar com as primas, jogar futebol ou soltar pandorga, chutar latas de lixou ou apitar nas campainhas. Depois temos que decidir entre a Bety e a Tereza, ou entre Marly ou Carmen.

Na escola somos chamados a escolher: clássico, científico ou contabilidade? Depois, prestar serviço militar ou não? No exército ou na aeronáutica? O indivíduo, por volta dos dezoito anos, já tomou milhares de decisões. Algumas delas, geradoras de seu estado de vida. E a universidade? Direito ou Medicina? Odonto ou Administração.

Se o cash do pai não agüenta uma universidade, vem o dilema do emprego: indústria, banco ou comércio? Funcionário público ou autônomo? É incrível, mas a gente está sempre sendo chamado a decidir. Depois vêm os filhos. Que nome se vai dar ao pimpolho? Ricardo ou Gotardo? Ana Maria ou Ana Amélia?

Onde vamos morar? Casa? apartamento? Ou com a sogra? Vejam o número de opções que são colocadas à nossa frente, obrigando-nos a decidir. E depois? Se o casamento não dá certo? Separa ou atura a bruxa (o bruxo)? Se separar, casa de novo ou fica “livre-atirador (a)”? Tantos detalhes e estresse vêm à nossa cabeça?

E isso não é assunto para estar conversando em tempo de férias, queima neurônios e não leva a nada. Acontece que, ontonte, aqui na praia, eu presenciei uma cena insólita de crise entre um casalzinho novo, devia ter no máximo vinte e dois anos. Estávamos na sorveteria e eles chegaram. Ela sentou para “agarrar lugar” (como dizia minha avó) e ele foi fazer os pedidos.

“Amooor, queres sorvete de quê?”. Sentindo-se prestigiada, a moça, loura e avermelhada do sol, fez um charminho: “Não sei, benhê, estou indecisa...”. O cara insistiu: “Decide logo, o que vais comer, morango ou coco?”. Ela, revirando os olhos para a platéia que aguardava o desfecho, disse, “Peraí, não sei, tô insegura...”. O rapaz, a gente via, queria ser delicado, mas já estava ficando de saco cheio com a indecisão da mulher. “Escolhe logo, disse, não temos até amanhã...”.

A todas essas, a balconista com a tampa dos sorvetes aberta e a concha na mão. “Ah, miou a moça, não sei...”. O marido, até então calmo e pacato, explodiu: “então, quando te decidires, faz o teu pedido”. E saiu porta afora, sem olhar para trás.

crônica publicada em 05/02/98 no Diário Popular, Pelotas/RS

Antônio Mesquita Galvão
Enviado por Antônio Mesquita Galvão em 24/04/2007
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