Céu aberto e sufoco

Em algumas circunstâncias o sufoco pode ser entendido como o oposto do céu aberto. Enquanto um revela conotações de paraíso, o outro aponta para uma espécie de pesadelo. O cara vivia numa casa de bairro, ampla e ventilada, e de repente decidiu ir morar num sonhado apartamento no centro. Só que a nova moradia era pequena, apertada, de fundos. Enfim, um verdadeiro sufoco.

Assim ocorrem muitas situações na vida humana. Eu conheci um casal, cujo relacionamento informal já durava uns seis ou sete anos. Como era uma união apenas de fato, um amancebamento, na língua dos antigos, eles resolveram um dia se casar no papel. Eles viviam como amantes. Ela tinha um apartamentinho e ele morava na casa da mãe.

Começaram namorados e depois resolveram botar a coisa-na-coisa, e se deram bem. Viam-se quase todos os dias, se falavam ao telefone e na Internet várias vezes ao dia, e a relação ia de vento em popa. Aquele tipo de vida, cada um em sua casa, era salutar, na medida em que cada um mantinha sua privacidade, e procurava o outro na hora da carência ou da solidão. Tudo ia bem até o dia em que resolveram casar e viver juntos.

Ora, quem come carne não se acostuma com verdura, e logo depois de alguns meses de coabitação começaram a surgir os problemas. A pessoa para viver junto com outra tem que abrir mão de muitas coisas, e nem todas estão preparadas para essa sensação de perda. A vida-a-dois não é fácil; precisa-se respeitar a liberdade do outro, assim como colocar em comum muitas coisas que cada um considerava só sua. O fato é que eles casaram. Foram viver juntos e a coisa não deu certo.

Ele gostava de, ao sair do trabalho, tomar umas cervejas com os amigos. Aos sábados jogava futebol ou basquete com alguns companheiros. Gostava de dormir tarde, depois de devorar várias páginas de algum livro ou revista. Tinha horror de fazer visitas e de jantares formais.

Ela, por sua vez, saía correndo do trabalho para colocar-se diante da tevê e assistir novelas e noticiários até dez horas da noite. Adorava dormir cedo. Melecava o rosto de cremes e colocava uma cobertura sobre os olhos para evitar qualquer claridade. Esquentava o prato e comia ali mesmo, deixando a louça na pia, para o dia seguinte. Nos fins de semana seu programa obrigatório era visitar os pais, os irmãos e os sobrinhos. Tinha paixão por jantar na casa deles, em cerimônias cheias de pompa e circunstância.

Já viram que uma relação assim, vivida no convívio do cotidiano, já que ninguém quis negociar, tinha tudo para não dar certo, como efetivamente ocorreu. Depois que se separaram, ambos confessaram que haviam passado do céu aberto (o modo de viver antes) para um terrível sufoco (a vida-a-dois).

Antônio Mesquita Galvão
Enviado por Antônio Mesquita Galvão em 24/04/2007
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