TENTAÇÃO
PALAVRAS DE VIDA
Pr. Serafim Isidoro.
T E N T A Ç Ã O
I:1)- DEUS TENTANDO O HOMEM
É nesse particular que, como em outros textos, o assunto parece-nos antagônico, contraditório. Tiago o escritor do texto sagrado diz:
"Bem-aventurado o homem que suporta com perseverança a provação (peirasmos) porque, depois de ter sido aprovado (dokimos) receberá a coroa da vida, a qual o Senhor prometeu aos que O amam. Ninguém ao ser tentado (peirazomenos) diga: sou tentado por Deus; porque Deus não pode ser tentado (apeirastos) pelo mal (kakon) e Ele mesmo a ninguém tenta (peirazei)" - Tg. 1:12-13.
Este texto é continuamente usado, de forma geral pelos cristãos evangélicos para categoricamente afirmar que Deus a ninguém tenta.
Para tais, dizer-se de um Deus que tentasse o homem pareceria blasfêmia, coisa absurda, sacrilégio... O papel de tentador não seria de Deus, mas de outro personagem que, sendo mau se ocuparia continuamente a "empurrar" o homem para cair, como ele mesmo caiu da graça e do favor de Deus.
Para sermos em favor dessa premissa, estaríamos colocando tal personagem numa posição elevada de autoridade e poder que ele realmente não possui. Ele é, em uma análise mais abrangente, apenas o executor de tarefas, escravo da soberania de Deus, dominado e preso pelas rédeas da vontade divina. O máximo que lhe cabe é propor os seus anseios acerca do homem, como se deu no caso de Jó, o patriarca, relatado nos primeiros capítulos do livro do mesmo nome. Para toda ação necessita ele da permissão divina.
O artigo que ora você lê foi escrito com a finalidade, entre outras, de colocar nos seus devidos lugares a posição e definir a autoridade que setores espirituais possuem, sem exacerbá-los além do que as Sagradas Escrituras o façam. A Bíblia (lei da Hermenêutica) se interpreta pela Bíblia!
Passemos a analisar o texto de Tg. 1:12-13:
Quando esse escritor da carta sagrada diz que Deus a ninguém tenta (peirazei) porque Ele mesmo não é tentado (apeirastos) pelo mal, está usando a palavra grega peirasmos, que é um substantivo masculino, singular e que significa: 1) Teste; 2) Prova; 3) Tentação; 4) Experiência.
Todas estas palavras portuguesas e mais os seus sinônimos podem ser traduzidas da palavra grega original acima descrita, usada neste e em outros textos bíblicos. Tentar, portanto, é: testar (colocar sob teste) provar (colocar sob prova) experimentar (colocar sob experiência).
Observe-se, agora:
Em Gn. 22:1 lemos: "Depois destas coisas pôs Deus a Abraão a prova (epeirasei) - Septuaginta) e lhe disse: Abraão - este lhe respondeu: eis-me aqui. Acrescentou Deus: Toma o teu filho, o teu único filho Isac, a quem amas e vai à terra de Moriá. Oferece-o ali, em holocausto sobre um dos montes que eu te mostrarei..."
A Edição Revista e Corrigida - ERC - da Imprensa Bíblica Brasileira - 1978 - traduziu: "E aconteceu, depois destas coisas, que tentou Deus a Abraão".
A Tradução Brasileira - da Soc. Britânica e Estrangeira - Edição 1939 - traduziu: "Depois disto experimentou Deus a Abraão".
A King James Version - 1976 - traduziu: "God did tempt Abraham"…
Pelo que se nota nessas traduções da Bíblia, tentar e experimentar são sinônimos da palavra grega peirasmos usada no texto Gn. 22:1 pela Septuaginta, tradução grega da Bíblia em hebraico.
D E U S T E N T O U A B R A Ã O ! ...
É possível encontrarmos, nas Escrituras Sagradas, termos que têm dupla aplicação: Jesus é a "Estrela da Manhã" - Satanás é (foi) a "Estrela da Manhã - Is. 14:12. - Jesus é comparado ao Leão - Ap. 5:5 Satanás é comparado (também ) ao Leão - I Pd. 5:8
Assim, Deus tenta / o Diabo tenta... A palavra é a mesma: peirasmos.
Muda, porém, o significado dessa tentação: a tentação a que o escritor Tiago refere em sua carta não tem o mesmo significado usado em Gn. 22:1. Há grande diferença entre a tentação promovida por Deus e a tentação executada pelo Diabo.
No texto do Gn. 22:1, Quem falou com Abraão foi Deus. É Ele, Deus, Quem leva Abraão a um penoso e difícil, mas necessário teste.
Já é do vocabulário evangélico o dizer-se que Deus prova o justo. O que não tem sido, contudo, entendido é que provar e tentar sejam uma e a mesma coisa; apenas sinônimos, apenas preferência de tradução, nas diversas versões da Bíblia.
Examinemos poderosamente os motivos que vêm da parte de Deus:
A tentação que vem da parte de Deus é uma prova para revelar ao homem a fraqueza deste e a necessidade de total dependência Àquele. Deus tenta, prova, testa Abraão para mostrar-lhe, e para mostrar a todos nós, a fraqueza e a incredulidade que esse patriarca demonstrara no passado.
Abraão, chamado por Deus creu e por isso deixou, abandonou atrás de si sua parentela e sua terra e rumou como que vendo o invisível, para uma terra desconhecida - Canaã... Abraão tinha 75 anos de idade - Gn. 12.4.
Oito anos após a chamada divina, ele tinha 83 anos e Deus entrou em aliança com ele, selou o pacto com fogo, falou-lhe do seu futuro e Abraão creu no Senhor - Gn. 15:6.
Dez anos após a chamada, ele tinha 85 anos de idade e por sugestão de sua esposa Sara e também por incredulidade frente incapacidade dela para gerar filhos, ele se uniu a serva de sua "Princesa" - Sara e gerou com aquela escrava Agar – “Fuga" (!) um filho a quem chamou Ismael - "Quem Deus ouve".
Vinte e quatro anos após a chamada, Abraão com 99 anos de idade e Sara com 89, Deus lhe fala novamente acerca do nascimento do "filho da promessa" - Gn. 17:1-14. "Então se prostrou Abraão, rosto em terra e riu e disse: a um homem de cem anos há de nascer um filho? Dará à luz Sara com seus noventa anos?".
Para que se tornasse o padrão, o modelo, o pai na fé daqueles que haveriam de crer, Abraão necessitava de um aperfeiçoamento e merecia da parte de Deus uma correção, acerto de arestas, uma lapidação desse diamante bruto que, apesar de tantos anos de experiências, ainda não chegara a posição de fé exigida por Deus.
A fé de Abraão oscilava como um pêndulo durante esses longos anos de espera pelo cumprimento da promessa. Ia e vinha, vinha e ia, naqueles vinte e quatro anos que passaram. Deus havia exigido dele: "Anda na minha presença e sê perfeito" - Gn. 17:1 - Perfeito em quê?-
Paulo, bem mais tarde escreve: "Repreenda-os severamente para que sejam sadios (perfeitos) na fé" - Tt. 1:13.
A fé que não é doente, a fé que não oscila, a fé firme como uma base, um fundamento imóvel, era o que Deus desejava de Abraão, porque: "O meu justo viverá da fé e se ele recuar, a minha alma não tem prazer nele". - Hb. 10:38.
A prova (tentação) da parte de Deus revela ao homem o verdadeiro estado da humana imperfeição!...
Um dos motivos de forçadas interpretações da Bíblia principalmente na Velha Aliança, é a não compreensão do que se denomina:
A N T R O P O M O R F I S M O
Anthrôpos = homem + morphê = forma, tendência para atribuir a Deus forma, ações ou faculdades humanas. Em teologia se exprime que Deus, e somente Ele, na Sua Trindade, tem as prerrogativas dos ONIs: Deus é em Sua Trindade: Onipotente; Onisciente; Onipresente.
Conseqüentemente, se ele é onisciente - e Ele o é - sabe todas as coisas antes mesmo delas acontecerem. Do lado de Deus, ele não precisa provar, testar, experimentar, a ninguém. Ele sabe de tudo. Se Deus tenta a Abraão, se o coloca a prova, é para revelar-lhe a fraqueza, a incredulidade, a incapacidade de se tornar pai na fé de uma posteridade que seria como a areia que está à beira do mar.
O teste não seria para Deus saber; seria, repito, para Abraão e para sua posteridade cientificarem-se da realidade, para nós os que creríamos em Cristo. Mesmo depois do nascimento de Isac, a perfeição da fé de Abraão não havia atingido o nível exigido por Deus. A posição de Abraão como pai de uma posteridade significativa no global plano de Deus ainda não se completara. Um teste, uma prova, ainda lhe seria necessária.
Da experiência do povo Israel lemos em Dt. 8:2-3: "Recordar-te-ás de todo o caminho pelo qual o Senhor teu Deus te guiou no deserto esses quarenta anos, para te humilhar, para te provar (peirasê - Septuaginta) para saber o que estava em teu coração (antropomorfismo) se guardarias ou não os Seus mandamentos. Ele te humilhou e te deixou ter fome e te sustentou com o maná que tu não conhecestes, nem teus pais o conheceram, para te dar a entender que não só de pão viverá o homem mas de tudo o que sai da boca do Senhor, disso viverá o homem".
É a prova, teste, tentação, experiência, da parte de Deus que nos conscientiza de nosso próprio frágil estado.
Essa tentação é como um telescópio (ou microscópio) que nos possibilita ver nossas próprias fraquezas, estado este pelo qual somos responsáveis em nosso livre arbítrio. Deus visa com isto despertar o homem para que este retorne aos trilhos da Sua perfeita vontade, usando a fé que lhe foi dada.
É desejo de Deus que Sua vontade e a vontade do homem coadunem-se em perfeito sincronismo. O Senhor Jesus chega a dizer neste sentido: "Sede vós perfeitos, como é perfeito o vosso Pai celestial" - Mt. 5:48.
O homem não é um autômato, um boneco, uma marionete. O homem é ser pensante, livre, consciente, inteligente, que participa de um plano divinamente elaborado, decidido portanto pelas partes interessadas (o Conselho Divino e o ser humano) das quais este participa em livre arbítrio como importante componente.
(Continúa em I:2...)
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