Gêneros da pós-modernidade
Se há algo positivo deixado pela enxurrada da modernidade – que, compreendo, se desvaneceu em meados do século 20 - foi a crise entre gêneros.
Antes da Primeira Guerra Mundial os papéis de homens e mulheres eram bem marcados pela sociedade. Se, por um lado, os homens eram tratados com indiscutível indulgência; por outro, esperava-se deles comportamento duro, racional e objetivo, enfim, “comportamento de macho”. Das mulheres eram esperadas delicadeza, feminilidade, e até mesmo frivolidade, comportamento submisso, que não atrapalhasse.
A sucessão de guerras do século 20 deixou o mundo em choque, subverteu as funções sociais e colocou em xeque os valores vigentes, deixando um clima de incerteza, insegurança e vazio. Aos não-alienados e afetados não lhes foi possível continuar no clima de la bella époque porque, como dizia Drummond, era um “tempo de partido, tempo de homens partidos”. O homem, e também a mulher, ficou partido por ter presenciado tantos homens partidos, o que o obrigou a partir para a vida real, que também estava partida.
Devido a isso surgiu a necessidade de inserção da mulher no mercado de trabalho para sustentar os filhos enquanto o marido estava em batalha e, depois, para ajudar a reconstruir o próprio país. Todavia, embora pudessem ser motivo mais que suficiente, não foram apenas as guerras que provocaram a inconstância social. Além do desmantelamento deixado pelas batalhas também houve o surgimento da pílula anticoncepcional, que possibilitou à mulher sua liberação sexual.
Com a necessidade de participação feminina no mercado de trabalho, a mulher percebeu que podia se desviar do caminho que a conduzia para o casamento porque já não havia dependência financeira. Com o advento da pílula, outro fenômeno social, a mulher rompeu com a obrigatoriedade de ter um marido para manter relações sexuais. A gravidez já não representava um risco. A crise entre gênero já estava instaurada.
Diante desses fatos, os homens passaram a se dividir, genericamente, em dois grupos: os inconformados e os aliviados. Os inconformados estão até hoje sem entender e aceitar a liberação feminina. Já os aliviados, os que têm mentalidade mais avançada, estão mais à vontade, contentes com a diminuição de responsabilidade.
Depois do choque insuflado pelo feminismo, os homens que se permitiram reagir e também apresentar fases de evolução, descobriram o prazer dos cosméticos e tratamentos de beleza, os metrossexuais. Hoje, está surgindo o übersexual, homem que não incita dúvidas sobre sua heterossexualidade, mas que também é sensível e vaidoso na medida certa. Ou seja, o tipo que as mulheres adoram. Com isso, parece que estão contados os dias dos machões prepotentes e inveterados.
Quanto às mulheres, ao experimentarem participação e independência, traçaram um caminho sem volta. Depois de muitas tentativas de auto-afirmação, o dominado “segundo sexo” evoluiu para a combativa “mulher liberada” do feminismo histórico e agora estamos na era, como cunhou o filósofo francês Lipovetsky, da “terceira mulher”, aquela capaz de associar competência, beleza e delicadeza, inventando o próprio destino de acordo com suas necessidades internas.
Contudo, há coisas que não mudam. Como não há evolução comportamental que dê jeito de sublimar nossa primeira natureza, a primeva, tal como as fêmeas da ancestralidade, as mulheres contemporâneas estão sexualmente muito exigentes. Se no passado as mulheres preferiam os machos mais fortes e viris para garantir a prole, hoje, as mulheres procuram a versão contemporânea daquele mesmo macho, o que mudou foi a falta de preocupação com a prole. Em termos sexuais, às mulheres exigentes da contemporaneidade, homem ideal é aquele que tem condições de proporcionar mais prazer. Já que está financeiramente independente de seus parceiros, a mulher atual tem maior experimentação; começa sua vida sexual aos 15 anos e se casa por volta dos 30. Ou seja, são 15 anos de intensa atividade sexual reconhecida como normal pela sociedade, tornando a busca sexual da mulher igual à do homem.
Essa situação aumenta (e muito!) a insegurança masculina. Agora os homens são comparados e avaliados por todo o tempo, o que não acontecia antes. Com isso, há homens preocupadíssimos com seu desempenho, o medo de ser substituído faz com que busquem conhecer mais as preferências femininas. A famosa pergunta “Foi bom para você?” está a cada dia sendo indagada com mais sinceridade. Faz total sentido porque já não é novidade que a fila anda.
Eis a pós-modernidade para gêneros. Ainda que a constante da sociedade pós-moderna seja um eterno ponto de mutação, não há espaço para o moralismo de outrora, que fazia sentido numa era vitoriana. Agora, a galopante busca pela horizontalidade sexual (sem trocadilhos) nos permite acreditar que a sociedade pode melhorar em termos humanistas. Darwin que me desculpe mas, isso sim, é evolução das espécies.