Lições da copa
Poucos anos atrás, todos vibramos com a sonhada escolha de nossas terras para sediar a copa do mundo; alegria repetida com a eleição do Rio para receber as olimpíadas. Desejávamos participar do mundo, ao qual temos assistido pela TV, como meros espectadores. Tais escolhas nos colocaram sob a luz dos refletores, finalmente adentrávamos o centro do cenário do grande espetáculo humano.
Nossa ingenuidade, no entanto, nossa ânsia para ganhar o centro dasarenções, nos deixou, uma vez mais, à mercê de antigos logros que nossa curta memória e imensa ignorância nos impediu ver. Recapitulemos os fatos.
Há 500 anos, os europeus aprenderam a singrar os grandes mares e chegar até aqui. Começaram então a invadir nossas terras. Ocuparam grandes áreas, impuseram seus hábitos, escravizaram, saquearam; cometeram todas as barbaridades que lhes aprouveram em terras consideradas selvagens e sem lei. Foram tomando conta de tudo, expulsando os que sempre tinham habitado a região, matando, seviciando, humilhando e espoliando qualquer habitante local que temerariamente ousasse contactar a súcia recém chegada. Vinham com o intuito de se apossar de qualquer riqueza encontrada.
Mandaram da europa a escória local: vieram cá os criminosos, os degradados, os indesejáveis, expulsos para longe do convívio com os de lá. Piores ainda que esses, eram os seus líderes, os que comandavam toda a corja. Gananciosos, vinham espoliar o mais que pudessem, recolher os despojos e retornar cobertos de riquezas e de uma glória tecida com sangue, crueldade e a opressão imposta brutalmente aos ingênuos habitantes daqui.
Trouxeram escravos, homens cativos sequestrados em terras distantes, governados pelo chicote, e tratados como animais. Também escravizaram os habitantes locais, que até hoje, permanecemos perplexos com a selvageria que nos foi imposta.
Trouxeram miçangas e outras quinquilharias baratas, com as quais ludibriaram nossos antepassados.
Hoje, tentamos fingir que somos eles, os europeus, mas somos os índios. Ainda somos os mesmos índios tolos, ingênuos, ávidos pelas miçangas, agora oferecidas pela FIFA, repetindo um passado caricato. Recebemos os europeus de braços abertos, entregamos nossas riquezas em troca de quinquilharias trazidas pela mesma súcia, pela mesma escória renegada que é a que concede nos contactar. Lembremos que a FIFA é uma entidade notoriamente corrupta, gerente de uma atividade milionária especializada na lavagem de dinheiro, na legalização do dinheiro obtido com o tráfico de drogas, com a corrupção em alta escala, e com todas as demais atividades ilegais suficientemente rendosas para ombrear com as cifras astronômicas do futebol atual.
Uma vez mais recebemos a escória europeia para nos ludibriar e espoliar.
Quando aceitamos acolher o evento, tínhamos consciência de que não éramos neófitos. Já havíamos promovido uma copa do mundo 60 anos atrás, já tínhamos estádios espalhados por todo o país, e uma estrutura futebolística suficiente para fazer do país o maior vencedor de copas do mundo e de outras competições internacionais.
Mas, ingênuos que somos, permitimos que a súcia europeia se aliasse a nossa conhecida corja ganaciosa, gerando uma aliança voraz que, mais uma vez, permitimos abocanhar nossas riquezas, extorquindo bilhões de nosso povo.
Já não nos vestimos com penas como nossos antepassados, mas continuamos os mesmos índios ingênuos e ignorantes, macaqueando agora uns maneirismos estrangeiros. Quando abrimos nossos olhos, muitos bilhões já haviam sido sugados pelos gulosos.
Transformaram o maior estádio do mundo em um campinho vagabundo, mas ao custo de bilhões. O fabuloso Maracanã, antigo orgulho nacional, palco de tantas glórias, foi transformado em uma areninha igual a tantas outros estadiozinhos ignotos pelo mundo afora.
Também deixarão um legado para nosso futebol: estadiozinhos vagabundos, mas de manutenção onerosíssima! Cobrarão ingressos caríssimos, e taxas ainda maiores dos clubes. Dinamitarão o futebol brasileiro, será o fim de uma era.
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Desde o desmonte da seleção brasileira após a derrota para a Holanda na última copa não se conseguiu armar um bom time. Foi por sorte, penso, ou por ironia do destino, a conquista da copa das confederações, coroada por vitória magnífica na final contra a Espanha. Penso que tenha sido o canto do cisne do agonizante futebol brasileiro.
Creio que a hegemonia do futebol brasileiro perdurou de 1958 até 2010, chegou ao fim.
Dadas as circunstâncias atuais, vislumbro uma possibilidade catastrófica: um time brasileiro frágil e desencontrado derrotado no primeiro jogo da copa, fazendo com que o descontentamento dos amantes do futebol engrossem o coro dos manifestantes e a ira dos policiais ao redor do estádio.
O segundo jogo tem clima de apreensão dentro e fora do campo. O temor pela fragilidade do time, o medo da desclassificação, desestabilizam os jogadores no gramado, e inquieta a turba nas redondezas do estádio, epicentro das ondas de insegurança a se irradiar por todo o país.
Apreensões eleitorais insandecidas pelos brados irados dos manifestantes pressionam os gramados; iminências de um pesadelo sangrento rondam os arredores. Temores sociais e políticos invadem o campo, obrigando a arbitragem a roubar descaradamente, como o fêz em 1966 na Inglaterra, e em 1978 na Argentina. Em ambos os casos, ironicamente, a ameaça iminente era verde e amarela; só com muito descaramento conseguiam derrubar o futebol hegemônico da época.
Podemos relembrar a vergonha dos anfitriões Argentinos que, não satisfeitos em comprar a arbitragem, garantiram a clasificação comprando também o time adversário, e alterando o horário dos jogos. Para coroar o vexame, foram obrigados, além disso, a dopar o time para a final. Continua registrada em vídeo a bufoneria de Kempes, atacante argentino poderosamente bombado, exalando uma vitalidade artificial incontrolável ao final do jogo, a atropelar impiedosamente os cansados holandeses.
Dadas as condições atuais de nossa seleção, talvez precisemos substituir o Hulk atual por algum incrivelmente bombado, para, junto com o auxílio da arbitragem, garantir uma última conquista do agonizante futebol brasileiro.
Nesse contexto lamentável, uma única esperança ainda nos restaria, a de que a areninha reles, palco da opulenta comédia futebolística, fosse transformada em enorme ratoeira, aprisionando os imensos ratões nacionais e internacionais, bem no auge de seu banquete festivo.