DO BULLYING RELIGIOSO
E eis que, nalgum momento, Deus, o Criador Supremo, cria todo o Universo infinito, e, dentro deste Universo, um perfeito planeta azul, desde então pairando na imensa orquestração dos mundos, com cenários exuberantes e recursos sabiamente dispostos para suprir a vida, ali instilada em processo lento e progressivo, com o avanço dos evos.
Mas eis que, na sucessão dos tempos, eclode no lindo planeta azul a raça humana, em regime de coexistência - que deveria se destinar a acontecer harmônica, pacífica, dependendo em grande soma do uso sensato de seu livre arbítrio! - com inumeráveis expressões outras de vida: animais, plantas, com tudo o que compõe o seu habitat! Todavia, com o domínio progressivo desta mesma raça humana em expansão pela superfície do globo, em incompreensível distorção de modo de vida, de percepção das coisas, ela descamba para a prática reiterada, e, em casos mais graves, genocida, da intolerância frente às meras diferenças!
Uma mesma Vida distribuída com equanimidade na superfície do planeta por entre animais, fauna, flora, humanos, com o avanço dos séculos, se vê metida em apuros, que vão se agravando em progressão geométrica por determinantes que, em absoluto, nunca deveriam fazer parte de um script saudável para a perenidade da existência dos homens na Terra! Porque, de algum modo, um tipo incompreensível de miopia íntima emprestou-lhes a ilusão de superioridade de uns para com os outros por razões circunstanciais, que deveriam, antes, ser razão de conciliação para um bom e rico regime de convivência, e não para guerras, ódios e dissensões! Os indivíduos, ou agrupamentos deles, portanto, passaram a ser olhados de maneira discriminatória em função de suas características étnicas, sociais, ou religiosas!
Para mencionar um exemplo a partir de vivências pessoais, visando estabelecer parâmetros, trabalho há dezoito anos com um mesmo grupo na Justiça, e, antes deste tempo, com tantos outros. Tive a felicidade de partilhar serviço, espaço e assuntos com uma variedade enorme de mentalidades, de formações religiosas que, salvo em raras e atenuadas ocasiões, nunca geraram conflitos! E, a partir desta experiência, constato como é bom! A colega budista que expõe sobre a beleza de suas vivências, diante de um católico de mente e coração abertos para esta visão particular da divindade, tendo no diálogo, ainda, a presença da protestante afável que escuta com atenção, sem senões e censuras fisionômicas, para depois emitir sua opinião particular sobre fatos cotidianos, que exemplificam sua visão religiosa do mundo. E mais espíritas, ou ateus. Muitas vezes, em horários de almoço, compartilhando a mesma mesa. Um diálogo saudável - por vezes, eletrizante, vivo, com lições úteis para todos os envolvidos! Mas nunca, em nenhum momento, com críticas depreciativas, ou desrespeito pelo próximo! E, findo o almoço neste clima de cordialidade feliz entre os de diferentes visões e formação, fazemos, de modo saudável, a nossa digestão!
O mundo já produziu, e, infelizmente, continua dando mostras de um espetáculo de intolerância, em todos os seus quadrantes, de modo a gritar em nossas caras, estentoricamente, o tipo de ruína civilizatória em que desagua, inevitavelmente, este tipo de insanidade! Tivemos exemplo digno nas arenas romanas, durante as perseguições sanguinárias contra os cristãos dos primeiros tempos, para , em inversão de situações, dar continuidade a tal lastimável trajetória de sangue, com o massacre dos cátaros (albigenses) pelas cruzadas católicas, nos idos dos séculos XII e XIII - os ditos 'cristãos oficiais' matando de maneira crudelíssima outros cristãos, somente por não rezarem os mesmos evangelhos sob a ótica da mesma percepção dos seus significados!
E a tragédia se expande, nos dias de hoje, pelo mundo afora, com os conflitos sem fim na Terra Santa; envolvendo personagens islâmicos, muçulmanos, católicos, protestantes, não importa! Prossegue, insana, a selvageria desencadeada n'algum ponto lá para trás da história, onde a ambição por domínio, por poder, por subjugação das almas, iludiu o homem com a suposição de que lhe cabe o direito de massacrar seu próximo para submetê-lo à própria percepção e diretrizes de vida, ou de atuação religiosa!
E a esta altura da monumental confusão, caro leitor, mais se assemelha, o mundo, a um manicômio, cujos hóspedes se acham em estado terminal de alguma moléstia mental grave, e então eu lhe pergunto: que tem, Deus - aquele lá de trás, que generosamente povoou o cosmos e a Terra de vida abundante e generosa para usufruto pacífico e equânime de todos, - a ver com tudo isso?!
Como ousa, o ser humano doente, desorientado, dos nossos tempos, e de todos os últimos séculos de religiões solidamente encasteladas no poder temporal, invocar Deus como pretexto digno para tanta dor, para tanto sangue e tantos desmandos contra Suas próprias expressões de Vida?!
Num paradoxo incomensurável, invoca-se Deus, ou seus periódicos mediadores mais avançados espiritualmente, como o Cristo, Buda, ou Maomé, para justificar o massacre contínuo e horripilante justamente contra o próprio ser humano, portador daquela centelha de vida tão sagrada quanto o é a presente em qualquer animal igualmente presenteado pelo Criador com o direito justo de seguir seu curso existencial de maneira saudável, na superfície do orbe planetário!
E estende-se a sarabanda doentia para todas as esferas do enredo humano; e em todo lado vemos seres se odiando ou se repelindo com hostilidade em razão das diferenças mais banais de opinião. Se por gostar de verde e o outro de branco, porque se tem ou nao olhos azuis ou cabelos lisos, se por um grupo preferir trabalhar na culinária e outro no esporte, trata-se de gigantesco espetáculo de dissensões mútuas em que, na gana mórbida em se provar melhor sobre o outro, lança-se mão de todos os métodos mais torpes, sutis ou ostensivos, para anular o semelhante, em competição predatória, ferrenha!
O último alento a respeito desta triste, profundamente lastimável epopéia a que se lançaram os homens de todos os séculos, é que, a salvo de sua interferência arbitrária, por se situar no patamar do gerenciamento divino, se acha o minuto solene, sagrado, do retorno de cada qual ao seu autêntico habitat, nas dimensões do espírito - onde, por quantas vezes forem necessárias, deparará a realidade definitiva de que o Cosmos não segrega; não toca fanfarra ou atribuí honrarias a quem retorna se julgando superior em função das ilusões da cegueira humana, alimentadas com insistência a cada fase da trajetória do homem no mundo!
Lá chegam e chegarão, diariamente, espíritas, muçulmanos, cristãos, brancos, negros, pardos, orientais, latinos, britânicos, germânicos - quem for! E, serena, naturalmente, com funcionalidade não mais que cotidiana, depararão, cada um desses, a realidade exata para as peculiaridades de cada criatura de Deus. Sem esquemas, sem enganações, sem aparências - tudo o que cada qual levará como bagagem será a si mesmo! Com seus falsos valores caindo por terra, por inadequação, e sua verdade interior mais cristalina se sobrepondo e determinando, sem apelação, se o sujeito criou, com o seu repertório de realizações contínuas, o seu próprio céu ou o seu inferno!