COLHEITADORES

Não tenho muita certeza de que somos espíritos eternos. Na pedra, sobressaíram memoriais inscrições rupestres, registros do homem primitivo. Enfim e ao cabo chegamos até o século XXI. E o humano sempre imerso aos cuidados do lido, tido e havido, que é como se pode aquilatar a absorção dos valores culturais. O que amealhamos pode muito bem ser representado pela figura de uma cruz. O transcurso do tempo representado pela haste vertical – a escolaridade – e o braço horizontal desta cruz registrando o aporte das vivências, este rolar no mundo disponível, em franca experimentação. Poucas pessoas se apercebem que a cruz do Cristo é esse nó górdio – que ocorre perto dos setenta anos – a aferição dos pensares e dos viveres: o pré-juízo finalístico. Todos iguais enquanto criaturas de Deus, nesta estação geriátrica. Somos, enfim, colheitadores do que plantamos: se pedra, pedra; se uvas, uvas. Então, de somenos, é importante tratar de fazer o vinho. Transcrevemos-nos pela imagem dos atos e pela palavra, que promana como um visgo irretratável na lápide que se vai construindo...

– Do livro A FABRICAÇÃO DO REAL, 2013.

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