A REVOLUÇÃO BEAGLE.

Milton Pires

Em 1900, a China foi varrida por um movimento ultranacionalista que tinha como objetivo expulsar os estrangeiros do país. De caráter fortemente anticristão, o levante atacou missões, igrejas e possessões de outros países naquela nação. Seus integrantes ficaram conhecidos como os “boxers”e costumavam misturar luta política com misticismo. Acreditavam-se, por exemplo, imunes às armas de fogo uma incorporados “espíritos” capazes de lhes proteger. Esse episódio entrou para história da China como a "Revolução Boxer"

Além do fato de “boxer” ser também o nome para designar uma raça de cães, nada disso tem a ver com o que se passou no Brasil semana passada quando ativistas invadiram e destruíram um laboratório para libertar animais usados em experimentos científicos. Imagino que, como os boxers, essas pessoas estavam possuídas por certos “espíritos” capazes de torná-las imunes às consequências legais daquilo que fizeram.

Não sei como deveria eu chamar esses “espíritos”. Escolho aqui o nome de “causa maior”. Por “causa maior” entendo um princípio universal aplicável a qualquer membro da sociedade. Ativista ou não, aquilo que alguém é do ponto de vista moral deve ser medido em termos de sua posição com relação à (ou às) causa maior. Assim, se alguém não apóia a invasão e o salvamento dos cachorrinhos, não pode ser “boa gente”. Da mesmo forma, se alguma pessoa não acredita no aquecimento global, dever ser alguém que está atuando no sentido de provocar o acúmulo dos gases do efeito estufa. A discussão a ser travada repete portanto aquilo que Olavo de Carvalho chama de “guerra assimétrica” e não há – na opinião de alguém que defende uma causa maior – qualquer condição de se discutir seriamente com um opositor.

O que mais frequentemente ocorre quando a sociedade inteira se mobiliza por causa de uma notícia como a dos beagles é esquecer todo o resto. A matéria torna-se pauta do Fantástico, pessoas são entrevistadas nas ruas e reportagens mostrando cãezinhos adotados capazes de comover até Hitler vão ao ar em todos os canais. Nesse meio tempo o país esquece do mensalão, dos médicos cubanos e do incêndio de Santa Maria. Ninguém se comove com os hospitais nem com as crianças sem aula..ninguém lembra de um policial militar ferido em ação e paraplégico para sempre vivendo de uma pensão ridícula.

Pouco importa saber se é justa ou não a causa dos ativistas ou se deve ser libertada a moça que está presa na Rússia. Nada disso é “causa maior” nem vai definir o futuro de uma nação governada por uma ditadura mensaleira e amiga do narcotráfico. Digo eu que sequer devemos aceitar discutir com esses revolucionários de i-phone 5 e que a maioria não passa de pessoas ingênuas lideradas por canalhas que nada se interessam por bioética ou ecologia. Além de jamais terem estudado esses assuntos, não estudaram nenhum outro e são (querendo ou não) soldados a serviço dessa organização criminosa chamada Partido dos Trabalhadores.

Àqueles que se comovem com as imagens de cada beagle que foi “salvo” recomendo entrar numa enfermaria de pediatria de uma dessas imundícies que são os hospitais públicos do Brasil. Observem as mães dormindo em cadeiras e debruçadas sobre as camas dos filhos, reparem na quantidade de crianças acumuladas, na superlotação, nas condições de higiene e iluminação..sintam o cheiro deixado pelos serviços de limpeza terciarizados contratados de maneira fraudulenta para financiar a campanha de algum secretário da saúde e respondam se é procedente numa realidade assim pensar em “andar de bicicleta, salvar cachorros ou invadir propriedades na Rússia”.

Só existem duas explicações para o ativismo no Brasil – uma é a ingenuidade; outra é a má-fé. Cada vez menos eu acredito em ingenuidade. Má-fé é a minha opção preferida pois foi essa a característica dos líderes de todas as revoluções que conheci..Não deve ser diferente na Revolução Beagle...

PORTO ALEGRE, 20 DE OUTUBRO DE 2013.

cardiopires
Enviado por cardiopires em 20/10/2013
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