ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE A PAISAGEM URBNA DE ARAGUAÍNA (TO)
Aires José Pereira, Prof. Dr .Universidade Federal do Tocantins (UFT)
Beatriz Ribeiro Soares, Professora e Orientadora no Doutorado
INTRODUÇÃO
Este artigo tem por objetivo discutir o conceito de paisagem epistemologicamente falando, bem como ele é aplicado na ciência geográfica, verificando como tem sido feitas as abordagens no Brasil e quais as influências de outras escolas que o país recebeu. O referido artigo vem acompanhado de leitura empírica e bibliográfica referente ao tema em questão por meio de um olhar crítico.
A metodologia usada para a confecção do artigo foi, num primeiro momento, a leitura assídua de vários artigos e livros que discutem a conceituação de Paisagem, além de outros que trabalham a ocupação do cerrado Brasileiro e sua incorporação ao modelo econômico vigente no país. Posteriormente buscou-se encontrar um tema para o artigo e foi feita uma leitura teórica criteriosa de vários autores, como já mencionamos antes. Os principais autores são: SANTOS, ARRAIS, CARLOS, LEITE, PEREIRA, MAXIMIANO, PEIXOTO, SAQUET, SCHIER, VENTURI, com os respectivos fichamentos de suas obras. Após a leitura desse material chegou-se a uma proposta de trabalho que é escrever um artigo sobre “Algumas Reflexões sobre a Paisagem Urbana de Araguaína – TO”. O artigo não é um trabalho pronto e acabado. Acreditamos que este é apenas o começo de uma jornada longa, contínua e audaz que dará muitos frutos sobre o entendimento do processo de formação do espaço urbano de Araguaína – TO e suas relações econômicas, políticas, sociais, culturais, etc., internas e externas ao lugar propriamente dito.
É sem dúvida alguma um pontapé inicial e com certeza poderá vir a ser mais um fonte de pesquisa sobre Araguaína – TO. Mesmo porque o município ainda anda escasso sobre pesquisa científica. Desta forma, é um trabalho importante no âmbito social, político, cultural e científico sobre o lugar. Acreditamos que este material já será um pequeno ensaio que estamos fazendo para depois se transformar em tese de Doutorado que defenderemos no Programa de Doutorado da UFU em 2013.
Este artigo reflete um novo olhar a paisagem urbana de Araguaína e suas relações estabelecidas direta ou indiretamente com o modo de produção capitalista do espaço periférico, além de levar em consideração a cultura, a economia, os aspectos físicos do lugar, a ideologia dominante e a própria ação do estado no sentido de concretizar seus projetos e planos dentro da Divisão Territorial do Trabalho, por exemplo. Mesmo porque a formação/construção do espaço geográfico não é neutra. Ela traz consigo, além da própria ação dos agentes modeladores do espaço, a concepção de uma ideologia previamente programada para assumir o comando dessa organização espacial. A organização do espaço urbano de Araguaína, como de muitas outras cidades brasileiras, está pautada em uma concepção ideológica da classe dominante que visa tão somente saciar seus desejos de usufruir cada vez mais da possibilidade de se ganhar mais e mais dinheiro sem que para isto, se preocupe com as questões ambientais e sociais do lugar.
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONCEITO DE PAISAGEM
Para entender o conceito de paisagem reinante hoje entre e nas várias ciências, bem como, nas artes, na filosofia e no senso comum, é interessante que se estude a sua “história” tanto temporal como espacial e como as sociedades em sua “intimidade” têm debruçado seus olhares sobre ela. Quer dizer, a noção de paisagem estará diretamente relacionada ao ambiente cultural, histórico, espacial, estético, ético, étnico, de um povo, ou mesmo de um indivíduo dentro de uma coletividade maior. Raul Seixas já dizia que “cada cabeça é um universo”. É evidente também que tanto a noção quanto a construção da paisagem urbana deste ou daquele lugar também é coletiva, obedecendo, como já frisamos antes, indiscutivelmente a ideologia implícita direta ou indiretamente nos acordos sociais, políticos e econômicos de uma construção social deste ou daquele espaço geográfico.
Acreditamos que a paisagem pode representar formas diferenciadas aos olhares dicotômicos que as vêem. Quando nos referimos a esta dicotomia do olhar a paisagem, queremos dizer que cada ser humano carrega consigo suas experiências vivenciadas em outros tempos e lugares e que por isto mesmo a paisagem observada por ele é diferente da paisagem observada por outro. A mesma paisagem observada por duas pessoas diferentes possibilita leituras diferentes entre si. Inclusive, esta “leitura” é carregada de preconceito cultural, ético, estético, político e social de cada um. Além disso, a evolução do homem enquanto ser social vai “contornando” a sua forma de percepção da paisagem e ela está presente em sua memória desde os primórdios da humanidade. Novamente vale salientar que, de acordo com as técnicas aplicadas na construção desta ou daquela paisagem estarão diretamente relacionadas ao processo da produção social do espaço geográfico em si. O ser humano é muito criativo/inventivo no sentido de registrar a sua cultura por meio da memória que fica em expressões históricas que marcam o modo de vida, de ser, estar, agir de um dado povo em um dado lugar pretérito/presente/futuro.
A noção de paisagem está presente na memória do ser humano antes mesmo da elaboração do conceito. A idéia embrionária já existia na observação do meio. As expressões desta memória e da observação podem ser encontradas nas artes e nas ciências de diversas culturas, que retratavam inicialmente elementos particulares como animais selvagens, um conjunto de montanhas ou um rio. As pinturas rupestres são uma referência para esta percepção direcionada a alguns componentes do ambiente (MAXIMIANO, 2004, p. 84).
Como se vê, as expressões culturais de um povo já são por si só, manifestações da própria percepção do espaço e da paisagem que são criadas ou potencializadas pelo homem. Quando afirmamos criadas, estamos nos referindo aos edifícios, as casas, pontes, indústrias, etc. que o homem cria ao longo de sua história enquanto ser social. Esta criação também não é aleatória, como já dissemos antes, ela se dá em um contexto próprio individual/coletivo da história do povo em que ela se insere, respeitando ou não a vontade da maioria da sua população. Mesmo porque, a história da humanidade tem demonstrado que o que se registra, enquanto construção/manutenção da paisagem é o protótipo do que pensa a classe dominante no tempo e no espaço.
Quando referimos às paisagens “potencializadas”, queremos dizer que a própria natureza é uma paisagem (natural) e o homem dá o seu toque social nessa paisagem a “organizando” de acordo com sua cultura, seu jeito de pensar, sentir, agir e ser. É claro, o modo de produção também se insere nessa paisagem, indiscutivelmente. A paisagem “X” ou “Y” de um dado local estará diretamente relacionada à própria percepção que o homem tem de si e de seu lugar, evidenciando também o como este constrói o seu próprio espaço cotidianamente. Além da percepção da paisagem pelo homem comum, há também as ciências que vem discutindo e conceituando-a de acordo com os parâmetros que elas adotam.
As diversas disciplinas científicas e mesmo o senso comum têm uma explicação própria do que seja paisagem. Há variações do conceito, conforme a disciplina que o elabora, mas também há parâmetros mais ou menos comuns mantidos nas definições (MAXIMIANO, 2004, p. 84).
Já entrando um pouco na concepção de paisagem pela ciência geográfica, perceberemos que existem várias formas de sua percepção. Essas percepções vão desde a Geografia “Física” à Geografia “Humana”, ou, em alguns casos, na “junção de ambas”, mas em todas elas se admitem a dialética como fazendo parte desta ou daquela paisagem. A paisagem é dialética. Ela une os contrários. É claro, essa “união” nem sempre é harmônica do ponto de vista intelectual desta ou daquela área do conhecimento, mesmo dentro da Geografia. Há uma dicotomia muito grande no pensar a paisagem geográfica do ponto de vista epistemológico, filosófico, conceitual, e paradigmáticos dentro da própria ciência em questão. Assim como qualquer outro tema em geografia, a paisagem também sofre destas influências paradigmáticas da ciência e do modo de pensar de cada pesquisador.
Abordagem sobre o conceito de paisagem pela Geografia
Há na Geografia um tratamento dicotômico sobre o conceito de paisagem, apesar de se tentar unir as duas grandes áreas dessa ciência, quais sejam: a Geografia Física e a Geografia Humana, uns geógrafos tendem a trabalhar a paisagem do ponto de vista “natural” e outros que discutem a paisagem a partir da ação antrópica nesse quadro natural, quer dizer, levam a cultura em consideração ao se trabalhar com esse tema.
Tradicionalmente, os geógrafos diferenciam entre paisagem natural e a paisagem cultural. A paisagem natural refere-se aos elementos combinados de terreno, vegetação, solos, rios e lagos, enquanto a paisagem humanizada inclui todas as manifestações feitas pelo homem, como nos espaços urbanos e rurais De modo geral, o estudo da paisagem exige um enfoque, do qual se pretende fazer uma avaliação definindo o conjunto de elementos envolvidos, a escala a ser considerada e a temporalidade na paisagem. Enfim, trata-se da apresentação do objeto em seu contexto geográfico e histórico, levando em conta a configuração social e os processos naturais e humanos (SCHIER, 2003, p. 80).
Milton Santos também discute paisagem fazendo o contraponto entre a característica da geografia física e a da geografia humana, mas possibilitando uma dialética entre ambas as formas paisagísticas. Inclusive ele nos alerta sobre as intenções políticas existentes nestas ou naquelas paisagens. Nenhuma paisagem geográfica é construída de forma aleatória. Tudo tem a ver com tudo e tudo tem sua razão de existência enquanto tal.
A paisagem artificial é a paisagem transformada pelo homem, enquanto grosseiramente podemos dizer que a paisagem natural é aquela ainda não mudada pelo esforço humano. Se no passado havia paisagem natural, hoje essa modalidade de paisagem praticamente não existe mais. Se um lugar não é fisicamente tocado pela força do homem, ele, todavia, é objeto de preocupações e de intenções econômicas ou políticas. Tudo hoje se situa no campo de interesses da história, sendo, desse modo, social (SANTOS, 1997, p. 64).
Como vimos, a paisagem Natural é algo praticamente extinta de nossa realidade atual. Mesmo porque, com os eventos voltados para o turismo ecológicos, por exemplo, o homem por meio de sua ação no sentido de dar infra-estrutura a este lugar, modifica indiscutivelmente à paisagem do espaço a ser empreendido como área de captação de recursos econômicos justamente por vender a imagem de espaço natural. Milton Santos nos aponta ainda que:
A paisagem é um conjunto heterogêneo de formas naturais e artificiais; é formada por frações de ambas, seja quanto ao tamanho, volume, cor, utilidade ou por qualquer critério. A paisagem é sempre heterogênea. A vida em sociedade supõe uma multiplicidade de funções e quanto maior o número destas, maior a diversidade de formas e de atores. Quanto mais complexa a vida social, tanto mais nos distanciamos de um mundo natural e nos endereçamos a um mundo artificial (SANTOS, 1997, p. 65).
Desta forma, quanto mais tecnificada for à sociedade em que se estuda a sua paisagem, mas distante ele será da forma natural. O homem, por meio do trabalho e de suas técnicas modifica constantemente o espaço geográfico, dando uma nova roupagem à paisagem em que se encontra inserida.
A relação entre paisagem e produção está em que cada forma produtiva necessita de um tipo de instrumento de trabalho. Se os instrumentos de trabalho estão ligados ao processo direto da produção, isto é, a produção propriamente dita também o está à circulação, distribuição e consumo. A paisagem se organiza segundo os níveis destes, na medida em que as exigências de espaço variam em função dos processos próprios a cada produção e ao nível de capital, tecnologia e organização correspondentes. Por essa razão, a paisagem urbana é mais heterogênea, já que a cidade abarca diversos tipos e níveis de produção. Cada instrumento de trabalho tem uma localização específica, que obedece à lógica da produção nesses quatros momentos acima mencionada, e é por isso que o espaço é usado de forma desordenada (SANTOS, 1997, p. 66).
Por outro lado, há também quem tenta discutir paisagem na ciência geográfica como um todo, de forma holística. Essa holisticidade vai além da simples observação/contemplação da paisagem; se ela é natural ou humana. É preciso entender a sua essência enquanto tal e analisar cada elemento constitutivo desse todo e prosseguir uma leitura mais criteriosa acerca da mesma.
Uma paisagem modificada pelo homem, não é, portanto, uma paisagem antinatural, mas uma paisagem cultural que deve atender tanto a critérios funcionais quanto estéticos. Assim sendo, não pode ser planejada de acordo apenas com prioridades econômicas rigorosas que levam a perda dos valores ambientais para, posteriormente, ser embelezada, num ato de redenção estética, pela inserção de elementos românticos pseudonaturais (LEITE, 1994, p. 07).
A paisagem tem sido um tema recorrente à geografia desde há muito tempo, como forma de se entender as relações sociais que o homem estabelece com seu espaço, com o seu lugar e com outros homens de lugares distantes. É claro, cada cientista procura “defender” por assim dizer o seu mundo vivido, percebido, sentido e politicamente “correto” de acordo com seus interesses ou interesse de seu grupo.
A discussão sobre o conceito de paisagem é um tema antigo na geografia. Desde o século XIX, a paisagem vem sendo discutido para se entenderem as relações sociais e naturais em um determinado espaço. Dentro da geografia, a interpretação do que é uma paisagem diverge das múltiplas abordagens geográficas. Observa-se que existem certas tendências “nacionais” mostrando que o entendimento do conceito depende, em muito, das influências culturais e discursivas entre os geógrafos (SCHIER, 2003, p. 80).
A paisagem do cerrado brasileiro foi categoricamente “interpretada” pelos cientistas que estavam a favor da produção capitalista em larga escala, como “feia”, “exótica” e que o seu ecossistema era pobre, e que, portanto, poderia ser totalmente “despido” para produzir grãos e carne para o Sudeste do Brasil e para a exportação. Hoje todos sabem que é do cerrado que surgem os principais rios brasileiros, por exemplo. Mas vamos ver como a paisagem tem sido discutida e trabalhada pela geografia no Brasil.
A abordagem geográfica de paisagem no Brasil
Entender um pouco sobre o estudo geográfico de paisagem no Brasil exige que se faça revisão historiográfica da própria discussão acerca do tema, verificando quais foram os pesquisadores pioneiros, as influências que receberam de pesquisadores de outros países e também, a evolução destas análises geográficas. É interessante frisar que os estudos sobre paisagem pela Geografia no Brasil tiveram influências da escola francesa e, posteriormente, da escola anglo-saxônica correlativamente aos primeiros pressupostos de afirmação da própria ciência geográfica em nosso país. Quer dizer, não dá para acompanhar a evolução do conceito de paisagem na Geografia do/no Brasil sem levar em consideração a História do Pensamento Geográfico Brasileiro.
O estudo sobre paisagem pela Geografia Brasileira ainda é incipiente, de acordo com Maximiano. Os estudos aparecem sempre relacionados às outras categorias de análises geográficas. O nosso trabalho aqui proposto, por exemplo, pretende discutir “Algumas Reflexões sobre a Paisagem Urbana de Araguaína – TO”, levando-se em consideração, além dos aspectos naturais do lugar, os aspectos culturais, políticos, econômicos e históricos nessa definição dinâmica de paisagem. Referimo-nos à definição dinâmica porque acreditamos que a paisagem está passando por constantes transformações.
Consultas a anais de encontros e congressos de geografia e temas ambientais brasileiros evidenciam a pequena proporção de estudos sobre paisagem ou sua classificação. Em geral, paisagem aparece como variação de termos como: meio ambiente natural, unidade espacial, visual. Seus contornos podem ser definidos a partir de feições do uso do solo, tendo como produtos paisagem urbana, paisagem rural, degradada ou natural, ou podem ser unidades territoriais e/ou espaciais, como municípios, parques, bacias hidrográficas. São comuns pesquisas sobre um componente da paisagem, vindo depois a consideração dos efeitos de outras variáveis, como a ação humana sobre o elemento principal ou sobre o todo (MAXIMIANO, 2004, p. 89).
Para começarmos a discussão propriamente dita de ocupação do cerrado brasileiro e ver como isso se deu, ou seja, como que o homem, com suas tecnologias transformaram/transforma paisagem natural em paisagem humanizada e mudou/muda as formas de perceber, sentir, viver, agir neste espaço é interessante que entendamos todo o processo de ocupação desta área até pouco tempo atrás inóspita à economia brasileira. Desta forma, discutiremos um pouco, a paisagem urbana de Araguaína – TO. Ou seja, a sua organização espacial urbana pela forma de ver, viver, sentir, perceber e agir de sua população à luz de uma leitura crítica do pesquisador consubstanciada na teoria e metodologia científica.
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A PAISAGAEM URBANA DE ARAGUAÍNA – TO
Uma das primeiras questões a se levantar em relação à paisagem urbana da Araguaína ser do jeito que é indiscutivelmente é perceber que ela cresceu sem planejamento nenhum. Sua urbanização se deu de uma maneira desorganizada. A ocupação se deu de forma irregular. O poder público constituído foi totalmente ausente no que diz respeito ao atendimento das normas técnicas e urbanísticas da cidade. A cidade está crescendo de forma acelerada – é evidente, dentro da realidade em que se encontra inserida – sem que o poder público tome uma decisão de organizar um pouco mais esse crescimento. As ruas são irregulares, tortuosas.
Figura 01. Rua estreita e cheia de obras no centro da cidade
Fonte: PEREIRA, Aires José. Rua Falcão Coelho Araguaína – TO em dezembro de 2010
São caminhos em forma de trilhos de uma mata de galeria que não existe mais. Observe a próxima figura e veja a largura da rua. Nela passa o máximo um carro por vez. Essa rua é a Falcão Coelho no Centro da cidade. Em alguns trechos ela tem a largura de uma rua “normal”, mas nesta parte próxima a Praça Dom Orione, (vide figura 01) as casas “avançam” pela calçada e o poder público não tomou nenhuma providência urbanística capaz de “conter” o desejo individual das pessoas.
A paisagem não se cria de uma só vez, mas por acréscimos, substituições; a lógica pela qual se fez um objeto no passado era a lógica da produção daquele momento. Uma paisagem é uma escrita sobre a outra, é um conjunto de objetos que têm idades diferentes, é uma herança de muitos diferentes momentos. Daí vem à anarquia das cidades capitalistas. Se juntos se mantém elementos de idades diferentes, eles vão responder diferentemente às demandas sociais. A cidade é essa heterogeneidade de formas, mas subordinada a um movimento global. O que se chama de desordem é apenas a ordem do possível, já que nada é desordenado. Somente uma parte dos objetos geográficos não mais atende aos fins de quando foi construída. Assim, a paisagem é uma herança de muitos momentos, já passados, o que levou Lênin a dizer que a grande cidade é uma herança do capitalismo, e veio para ficar, devendo os planejadores de o futuro levar em conta essa realidade (SANTOS, 1997, p. 66).
Se a cidade, de uma maneira geral é o local onde acontecem as transformações sócio-espaciais concomitantemente aos ajustes técnicos, políticos, ideológicos, culturais, éticos e estéticos, além de estar assentada em um espaço físico, ela com certeza vive heterogeneamente com o tempo e o próprio espaço de sua construção enquanto tal. Logo, Araguaína não é diferente. Sua paisagem urbana tem embutida em si, uma carga histórica, emocional, simbólica, etc. que a caracteriza e a diferencia das demais cidades. Ao mesmo tempo em que o capitalismo atual busca uma homogeneização por meio das técnicas de produção espacial, ele também produz as contradições espaciais, que inclusive são inerentes ao seu processo de produção, ainda consegue “enaltecer” as diferenças que existem no lugar justamente para continuar ganhando mais capitais.
A cidade é um conjunto heterogêneo de objetos, ações humanas, formas, funções, usos e modos; é, ainda, o movimento, a vida, refletindo o homem e sua história. É o lócus do capital, do trabalho e da técnica, mas simultaneamente, é o espaço do cidadão, de suas idéias, emoções, lutas e contradições, onde as relações sociais produzem e se reproduzem na forma ampla (PEIXOTO, 2001, p. 136).
Além de toda a carga emocional, simbólica, arquitetônica, cultural, estética; forma de o homem ver, sentir, estar e agir no seu mundo, é claro, tem-se o estrato físico em que este homem está construindo a paisagem à sua imagem e semelhança. Há uma interação entre os elementos físicos da natureza e a construção social, política, ideológica do homem na concretização deste espaço construído e arquitetado para melhor atender as necessidades daquele momento histórico da paisagem daí resultante. A figura 02 nos mostra a invasão do espaço público pelo interesse privado. Esse é um comportamento “normal” na cidade por parte de seus antigos moradores. O poder público é ausente e as pessoas fazem o que bem quer da produção do espaço urbano e de sua paisagem urbana. Não há uma preocupação do poder público em estar dando uma melhor urbanidade aos seus moradores. Cada um faz do espaço público (calçada, por exemplo) o que bem entende como já dissemos anteriormente.
Figura 2: Invasão do espaço público para o uso privado.
Fonte: PEREIRA, Aires José 2/12/2009
A paisagem, e isso são comuns às definições, é resultante de interação entre seus componentes, a saber, clima, relevo, redes hidrográficas, solos, substrato geológico, cobertura vegetal (componentes físicos, e bióticos regidos pelas forças físico-químicas que dinamizam a natureza), além do Homem que se impõe sobre a dinâmica natural conduzido por uma dinâmica social, permeada de valores histórico-culturais. Assim entendida, as partes do todo/paisagem já estão identificadas, cabendo ao Geógrafo, orientado pela análise, compreender a sua dinâmica, seu funcionamento. E essa compreensão só será possível pela recomposição do todo como resultado, não da soma das partes, mas da relação entre elas. A síntese, portanto, completa o raciocínio analítico. Isso ocorre, pois embora os mecanismos mentais que conduzem à análise e à síntese possam ser considerados opostos (a análise fragmenta recompõe), são processos complementares (VENTURI, 2008, p. 55).
Os pedestres de Araguaína não têm espaço de circulação (veja a figura 03 abaixo). Ao andar pelas suas ruas não encontram calçadas. Quando existem algumas calçadas ou elas possuem fossas sépticas ou estão cheias de entulhos. Novamente o pedestre precisa ir para o meio da rua para competir com motos, automóveis, caminhões, ônibus, vans, bicicletas, carroças, etc. Tudo isso causa uma imagem/paisagem do caos no trânsito urbano da cidade. Há muitos atropelamentos que resultam em pessoas feridas e/ou mortas. É um caso a se pensar.
Figura 03: Falta de espaço para o pedestre nas calçadas das ruas de Araguaína,
Rua Jatobá – Bairro Araguaína Sul.
Fonte: PEREIRA, Aires José. em 12/12/2009.
A cidade possui um Plano Diretor mais sua efetivação enquanto tal é algo que não existe. Inclusive, é interessante observar que a cidade ainda não possui um anel viário. As ruas são tortuosas e estreitas e se isto não bastasse o respeito às normas de trânsito é algo que não existe, fazendo com que, pessoas que gostar de andar/trafegar de forma correta, sofram muito mais ainda.
A paisagem tem, pois, um movimento que pode ser mais ou menos rápido. As formas não nascem apenas das possibilidades técnicas de uma época, mas dependem, também, das condições econômicas, políticas, culturais etc. A técnicas têm um papel importante, mas não tem existência histórica fora das relações sociais. A paisagem deve ser pensada paralelamente às condições políticas, econômicas e também culturais. Desvendar essa dinâmica social é fundamental, as paisagens nos restituem todo um cabedal histórico das técnicas, cuja era revela; mas ela não mostra todos os dados, que nem sempre são visíveis (SANTOS, 1997, p. 69).
A paisagem urbana de Araguaína, como de qualquer lugar do mundo é reflexo da cultura de seu povo. O governo quando participa legislando e executando as leis técnicas e urbanísticas de uma cidade qualquer, faz a diferença para melhor. Quer dizer, em nosso país se criou uma cultura de que toda e qualquer problemática que existe em qualquer lugar é de responsabilidade do poder público, no entanto, há alguns problemas que a população tem culpa. No caso de Araguaína, a população responsável por grande parte de seus problemas urbanos.
Como o processo de reprodução espacial articula-se no plano da reprodução da vida, é preciso considerar o ponto de vista do habitante, para quem o espaço se reproduz enquanto lugar onde se desenrola a vida em todas as suas dimensões – o habitar e tudo o que ele implica ou revela. O viver em um lugar revela enquanto constituição de uma multiplicidade de relações sociais como prática espacial que está na base do processo de constituição da identidade com o lugar e como o outro e que foge à racionalidade homogeneizante hegemônica (imposta pela sociedade de consumo), que define um tempo e um modo de uso. Aqui se revela a dimensão do diferente, aquilo que tem capacidade de engendrar usos criando conteúdos diferenciados a partir de formas espaciais dominantes. Esse comportamento que foge ao programado se liga a ideia do espaço apropriado para a realização dos desejos, isto é, lugares re-apropriados para outro uso sem a intermediação da propriedade privada ou das normas impostas pelo poder político – cujo caso mais marcante se refere as forma de uso da rua (CARLOS, 2002, p. 182).
A desorganização do espaço urbano de Araguaína não está apenas na forma espacial da cidade, está também implícita e explicitamente na condução das normas urbanísticas e leis que poderiam servir como “controle” do caos urbano e que, na verdade servem apenas como maneira de alguns políticos se manterem ou entrarem no poder justamente por burlá-las.
Entender o discurso como uma forma de agir sobre o mundo nos leva a refletir sobre a capacidade dos discursos de reproduzir idéias e cristalizar práticas sociais. Dessa maneira o discurso não é neutro, ao contrário, é ideológico e coercitivo, representa e comunica unilateralmente as idéias dominantes, por isso é intencional e persuasivo nas suas diferentes escalas (disciplinares homogeneizadores e até mesmo ordinários) (ARRAIS, 2001, p. 179).
A paisagem do espaço urbano está muito ligada à cultura de seu povo. Essa cultura geralmente é adquirida da classe dominante e por isso não dá para entendê-la sem observar o conteúdo histórico da formação do espaço geográfico em si. O poder que tem a ideologia dominante de persuadir o restante da sociedade a assumir tal postura é muito grande e quando a população vítima dessa atrocidade é analfabeta geograficamente, então essa força dos que dominam se torna ainda mais forte.
O homem cria, com o desejo, com a vontade de construir uma paisagem ideal, na qual possa reconhecer as sua história, sua cultura. O desejo cria imagens, que são instrumentos de estudo e para construir novos territórios. A paisagem significa estas imagens do real ou do próprio imaginário (científico e/ou artístico), o que revela, simultaneamente, uma forma de ligação da paisagem com o território, como abstração e representação no desejo por novas paisagens e na projeção do futuro. Porém, a paisagem não significa o aparente, o sensível do território; é sentida e representada (SAQUET, 2007, p. 145).
A produção/construção da paisagem humana do espaço geográfico de qualquer lugar obedece aos desejos, sonhos, emoções e razões dos cidadãos que participam dela além de tudo aquilo que já discutimos ao longo deste artigo. Quer dizer, essa paisagem está impregnada dos próprios elementos retirados da natureza, a própria cultura de seu povo, o aspecto cultural, a política direta ou indireta dessa ocupação, o agir, sentir, ser, estar de quem está construindo esta paisagem, a ideologia impregnada no modo de produção vigente naquele momento, do próprio processo histórico, enfim, há uma infinidade de elementos visíveis e não visíveis que fazem parte deste todo holístico denominado paisagem. A paisagem urbana de Araguaína não é diferente, há nela uma carga de sentimentos, memórias, símbolos visíveis e invisíveis ao observador atento.
Então, fazer uma leitura possível da paisagem urbana de Araguaína é, antes de tudo, exercitar o pensamento crítico acerca dos vários fatores que contribuíram/contribuem nessa produção e organização espacial da cidade. Não dá apenas para dizer que falta a intervenção do Estado no sentido de melhor orientar seus moradores para se ter uma cidade saudável e sustentável. Isto é verdadeiro sim, mas não é só isto. Existem, por trás desse emaranhado de cidade caótica, por assim dizer, toda uma estrutura pré-elaborada tanto por parte do poder público em ação, como por parte do poder econômico do lugar (aqui se confunde poder econômico e poder político, quer dizer, uma mesma pessoa acumula os dois poderes) em estar “organizando” a cidade de acordo com seus interesses e objetivos.
A impressão que se dá ao andar pelas ruas esburacadas de Araguaína que elas são assim de propósito, que alguém está ganhando muito dinheiro com isto. É claro, essa observação é empírica de um simples usuário desta cidade. Araguaína ainda possui traços marcantes de ruralidades impregnadas em sua paisagem urbana por meio de ações desenvolvidas por grande parte de seus moradores.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao concluir este artigo sobre “Algumas Reflexões sobre a Paisagem Urbana de Araguaína – TO” percebeu que a paisagem não é apenas aquilo que apresenta aos nossos olhos. Entre a paisagem que salta aos nossos olhos e aquilo que ela realmente é de fato, existem forças ocultas impostas pela ideologia dominante que nos fazem acreditar naquilo que vemos sem questionar a engrenagem de sua construção enquanto tal. Ler a paisagem vai muito além de percebermos sua aparência enquanto tal. Ler a paisagem então é no mínimo compreendê-la como fazendo parte de um contexto histórico-geográfico, social, político, territorial, cultural, estético e ético, além dos interesses ideológicos postos em jogo nessa ciranda espacial. Não dá para compreender a paisagem apenas contemplando-a. É preciso estudá-la por completo levando em consideração todos os elementos inerentes à sua constituição enquanto tal.
Todo e qualquer estudo que se faça sobre a paisagem urbana de um dado lugar ainda será insuficiente para demonstrar a sua realidade enquanto tal, quer dizer a construção total de uma paisagem urbana ultrapassa o simples estudo sobre ela. O estudo é parco diante da realidade, mas em contrapartida é o que mais se aproxima dela. Dessa forma, entender a formação da paisagem urbana de Araguaína – TO não é apenas discutir a realidade desconectada do mundo que a produziu.
Temos tido vários elementos constitutivos dessa construção espacial que estão distante deste espaço e que foram decisivos nessa construção. Há a ideologia de ocupação do interior do Brasil que se materializou por meio de políticas de incentivos de ocupação. Essa materialização ocorreu por meio de projetos que o governo federal criou como mecanismo prático dessa ocupação do cerrado do interior do país.
Ao lado desses projetos ou concomitantes a eles, o governo também interiorizou a capital do Brasil no Planalto Central, além de abrir grandes rodovias que cortavam o país de norte a sul e leste a oeste. Por outro lado, o governo federal deu todo apoio logístico no que diz respeito à biotecnologia/biogenética para que os grandes empresários se sentissem atraídos para virem para o interior. O cerrado, dessa forma, recebeu um contingente enorme de pessoas vindas dos vários cantos do país para que o incorporasse ao modelo capitalista de produção. Araguaína – TO está neste contexto, ou melhor, faz parte deste contexto. Significa dizer então que sua paisagem urbana é oriunda de outros lugares bem distante de ti.
REFERÊNCIAS
ARRAIS, Tadeu Pereira Alencar. Goiânia: As imagens da cidade e a produção do urbano. In: CAVALCANTI, Lana de Souza. Geografia da Cidade. Goiânia: Alternativa, 2001.
CARLOS, Ana Fani Alessandri. O Consumo do Espaço. In: CARLOS, Ana Fani Alessandri. (org) Novos Caminhos da Geografia. São Paulo: Contexto, 2002. (coleção caminhos da geografia).
LEITE, Maria Angela Faggin Pereira. Destruição ou desconstrução? São Paulo: Hucitec, 1994.
MAXIMIANO, Liz Abad. Considerações sobre o conceito de paisagem. In: R.RA'ECA. Curitiba: UFPR, 2004. n° 8, p. 83-91.
PEIXOTO, Valéria Maria Ribeiro. Transporte Coletivo Urbano e Qualidade de vida em Goiânia. In: CAVALCANTI, Lana de Souza. Geografia da Cidade. Goiânia: Alternativa, 2001.
PEREIRA, Aires José. Ensaios Geográficos e Interdisciplinaridade Poética. 3. ed. Rio de Janeiro: CBJE, 2012.
PINTAUDI, Silvana Maria. A cidade e as forma do comércio. In: CARLOS, Ana Fani Alessandri. (org) Novos Caminhos da Geografia. São Paulo: Contexto, 2002. (coleção caminhos da geografia).
SANTOS, Milton. Pensando o Espaço do Homem. 4. ed. São Paulo: Hucitec, 1997.
SAQUET, Marcos Aurélio. Abordagens e concepções de território. São Paulo: Expressão Popular, 2007.
SCHIER, Raul. Trajetórias do conceito de Paisagem na Geografia in: R.RA'ECA. Curitiba: UFPR, 2003. n° 7, p. 79-85.
VENTURI, Luis Antonio Bittar. Ensaios Geográficos. São Paulo: Humanitas, 2008.
Obervação: este artigo está publicado na Revista Tocantinense de Geografia. Revista mantida pela colegiado de Geografia da UFT do Campus Universitário de Araguaína. Portanto, se alguém se interessar em usá-lo como fonte de pesquisa para trabalho científico é só buscá-lo na Revista Tocantinense de Geografia que está on-line. Abraços a todos.